Desalis escrita por Kohaaku


Capítulo 1
Desalis


Notas iniciais do capítulo

O desalado [sem asas]



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Desalis ~ >> 1 < < ~




O jovem anjo mirava profundamente os negros olhos do Abismo, com a plena certeza de que aquele ato fosse o mais lúcido de sua elucides e também a última certeza recorrente de seus recentes atos, que prostravam-no tão firmemente diante de suas nulas expectativas para prosseguir com aquela fatídica encenação que era o viver. E então, ao enlaçar-se cegamente com tão sombrios pensamentos, este ansiava pelo sentimento utópico de escapar de todo o seu redor, para quem sabe se houvesse a ele fim, este pudesse alcança-lo e segui-lo em direção ao enigmático nada, que era para si a única coisa que lhe restava comprometimento. Mas o conhecimento que o já não mais inocente não possuía entre seu vasto saber, era que mais sonora do que as suas cristalinas lágrimas que ecoavam levemente de encontro ao solo, eram as rápidas e trépidas batidas do pedroso coração do Abismo, que ao fita-lo de seu impotente papel, que o fora posto em mãos sem consentimento algum, sofria como seu suposto coração, que assemelhava-se em gosto ao puro féu e que assim fazia com que tomasse consciência de que este realmente existia e pulsava dolorosamente. Mas infelizmente de toda esta dor Desalis o belo e encantador anjo jamais tomaria consciência.

Decidido sobre sua insana alternativa, que duvidosa jamais fora desde o principio, pois este não lhe permitia tais pensamentos naquele desdobrar-se de fatos, o pequeno anjo segue a leves passos em direção à assustadora Fenda, logo retornando seu frágil corpo a imobilidade, como se houvesse desabrochado em si naquele breve momento um ardente desejo de pairar sobre as estrelas e caminhar sobre os céus como este costumava fazer em suas vagas recordações, que pareciam se afastar mais de si a cada passo que este dava, e que de mesma forma caminhavam á si consoante uma imensa multidão em sua total desordem. Talvez fosse isto. A concretização do proferir dos sábios, da realização do clichê sobre o levante de lembranças que acompanhavam a um homem em seu último suspiro de vida, em seu derradeiro e sôfrego folego. E ao que por si só indicava, aplicava-se de mesma forma a todos e a até mesmo a anjos. O desalado ser permanecia a encarar a Fenda, que o retribuía com similar vaguidão a que o silencio possuía, mesmo esta sabendo que este nada mais temia, pela sua falta de valor suficiente em si para prosseguir com a “farsa” que era para ele e para os de sua mesma origem, o auge de suas reles e simbólicas existências.

O Abismo que durante toda a sua milenar existência que ultrapassara até mesmo toda a criação da terra e do homem e que jamais sofrera ao fitar coisa alguma, passava a ofegar silenciosamente em companhia de seu morno desespero que o cobria como alva lã, como em um torpor ou como a grande ânsia que na qual morte vem para com os que estão vivos e póstumos ao mesmo tempo. A peça encontrava-se em cartaz. O teatro de portões abertos. E os scripts se mantinham a mesa para uma bela tragédia cénica, com o majestoso e cego contracenar em meio ao forte tom das longas cortinas bordô.

A consciência do rochoso então o leva por alguns instantes ao encontro de sua sanidade, podendo assim se relembrar claramente de como já vira essa cena repetir-se milhares de vezes. Moças e alguns escassos homens, de corações feridos e almas mortas à procura da ilusória cura ou remedição, que somente a perpétua paz no gélido solo ao final de si enganava-os oferecer. Nos seus possíveis e respectivos “aléns de tudo”. No final do íngreme ceder do Abismo.

Mas a questão que tornava salubre o cálice da verdade ali presente e que transformava o todo em um ato de esbelto desespero era o fato de ser um anjo, um ser do qual poucos seres terrenos, dentre destes os homens, jamais tomariam conhecimento durante seus réles piscar de olhos que limitavam a passagem de suas curtas vidas e que estes sempre lutaram arduamente para lhe tornarem o mais artificial possível, pois foram poucos aqueles que possuíram a sorte e a beleza, por assim dizer, de atrair para si a atenção destas encantadoras existências de longas madeixas e curvos cachos dourados. Alguns até se arriscavam a descer até a impura terra, para assim deixarem ser perseguidos pelos respectivos homens que obtinham seus puros corações. Mas aquele Anjo que permanecia imóvel diante do curto caminho no qual o separava da negritude da noite era apenas um sem brilho. Suas asas se encontravam naquele momento sujas pela infértil terra daquele morro, como se o impossibilita-se de voar com seu escuro tom, pois o anjo fora lançado á terra de modo grosso e bruto ao guardar o Amor em seu colo. Lembrava-se das antigas profecias e canções referentes aos Luminosos seres. Que eram cantadas pelos finos lábios dos que sussurravam; diziam que quando um anjo que carregava consigo, o sentimento humano da dor de um amor em seu frágil coração, encontraria como quebra de sua realidade: a morte. E que quem esta a presenciasse, tomaria para si uma ligeira visão do desgarrado caminho que o levara até o fim de sua misteriosa e encantadora existência.

E com seu último sorriso em direção ao alto e as estrelas, o anjo lança-se no assombroso tudo e enigmático nada por qual este tanto ansiava, sabendo assim que Ele não o salvaria daquilo por seus últimos fazeres. Mas antes deste tocar finalmente o solo. Enquanto a noite sorria ao poder abraçá-lo e o infértil solo gritava loucamente para receber com o maior impacto possível aquele desgarrado e esplendido ser, que o privilegiando com uma bela e nova flor. O Abismo pôde ver nas pequenas orbes azuis do anjo, que se encontravam um tanto serrados pelo atrito dos gélidos ventos, como em um fim de tarde nublado ao encontrar-se com o negro crepúsculo em seu último desfecho. Esta simplória Fenda assistiu aos motivos das dores do anjo. Suas aflições. Suas angustias e o maldito “por quê?" de tudo aquilo.

Como a base de eufemismos este merecera ser chamado por seus atos inescrupulosos, que fizera com que aquele encantador anjo que até esquecera como sorrir, recorresse ao assustador modo de encontrar a sedenta paz a si mesmo, após clamar desesperadamente por seu Criador, que havia o dito que nada poderia fazer. O abismo assistia claramente tudo o que o “Humano” o havia dito, após saírem dos rosados e finos lábios do anjo as palavras: “Amo-te” e quando em reação a este ato o resultado fora um tapa. Seguido da dor. Que se tornara profunda e silenciosa por nunca a tê-la o anjo sentido e imensuravelmente angustiante por vir de quem mais este prezava. Ele então se recomporá e ao perguntar "A razão daquilo?" Pois não podia ele entender os homens. Pois eram para si estranhos e irracionais. O garoto de cabelos negros como a noite e sobrancelhas franzidas á mercê de sua suposta indignação, o respondera: “Que era assim que a vida era, que mesmo o amando de reciproco modo, ele era um menino, antes mesmo de ser um anjo e que por tais motivos, dessa Imundice jamais provará” como quase o cuspira a face ao dizê-lo tais afirmações. Ele desta forma recusou seu amor, oferecido sem retribuições ou preços, apenas o amando e nada mais.

O Anjo então se agachou e pôs-se a chorar frente ao humano, enquanto as azuladas carmélias que o cercavam começavam a secar até alcançarem o fosco tom ocre, pois é forjado o brilho das flores e do universo da paz dos anjos e aquele chorava em sua infinita amargura, enquanto o garoto de pé ria descontroladamente de modo quase louco a berrar aos ventos que: “Os Anjos também pecavam e que eram imundos como qualquer coisa na terra, pois ansiavam por carne humana. Carne de homens. Os convidando a dormir com estes e trair a Deus em tua crua face”.

O celestial ser, enquanto escutava a aquele amontoado de palavras de sentidos dolorosos em sua essência e que por isso não pareciam possuir sentido algum, pôs-se a tornar esta sua única alcunha, chorar pelo que partia da estridente voz de seu tão querido. Desalis, o anjo, pensava consigo mesmo: “Que não era aquilo que ele desejava. Ele o amava. Mesmo sem entender muito do que isso se tratava em sua essência, até mesmo decidira há tempos, dentre alguns de seus utópicos devaneios, que arriscaria a tudo e a todos. Que tentaria com aquele humano construir algo, juntos. Que pertenceria unicamente a ele, eternamente companheiros...” Pensava este, que sob seus pequenos conceitos, que o gênero não fosse de tamanha importância para si, mas ao que aparentava ao outro era de extrema. Pois se perguntava que sentido possuía o ódio em frente aos mornos sussurros que amor trás em seu canto?

Desalis então fita o humano. Fita-o com seus nebulosos e carinhosos olhos. Fita... a Marcus. Com suas maças úmidas e face um tanto sangria, resultante do anel que se encontrava a mão do garoto ao bater-lhe. Sim, este era o nome da criatura, que tinha os raivosos olhos do abismo fitos em si ao estender de toda aquela ilusão, mas os do efêmero carinho e ternura do anjo durante toda sua existência e que se mantinham de mesmo modo presente até mesmo naquele amargo instante.

De repente tudo se dá fim, o anjo toca solo de modo cru e sem excitações, tornando-se inerte e olhos arregalados, como a triste cena do desfecho já descoberto por quem a assistia. Em sua face, a ferida do tapa que levara ainda encontrava-se um tanto vermelha, enquanto a sua volta o forte tom da margem de sangue crescia alvamente em torno de si.

Mais tardar ainda naquele mesmo dia, logo após uma jovem menininha de fitas vermelhas no cabelo, encontrar o inerte corpo do anjo enquanto esta se aventurava entre os morros na companhia de um extenso rebanho de ovelhas, a notícia se espalhou pela pequena cidadela, até alcançar como uma brisa dos ventos o saber de Marcus, que ao tomar conhecimento do fato, fora como todos ali ver de quem se tratava a tragédia. Já não sendo ele o primeiro a chegar, pois o local já se encontrava amontoado das curiosas pessoas que sempre vivem a torcer pela desgraça dos que a rodeiam, para que tomassem destas como um reles diferencial de suas débeis rotina, transformando a dor e o sofrimento num motivo de risos e assunto por todo um longo tear no tempo.

O garoto então se agacha sobre o escuro solo, que encontrava-se juntamente ao corpo tingida da forte cor púrpura e então limpando-lhe a face do anjo com a ponta de sua camisa, que umedecera trêmulo com sua própria saliva, enquanto sentia em seu âmago o dolorido palpitar do arrependimento da monstruosidade que percebera cometer.

O menino então levanta-se a chorar de desgarrada forma. De modo a despertar assim a curiosidade de todos os presentes naquele grande amontoado de curiosos. Este então mira o Seu Belo Anjo, como o clamara arduamente em seus pensamentos em meio ao sentimento de vê-lo ali tão inerte naquele momento e após erguendo sua cabeça e fitando o luminoso céu, percebendo que o alto abismo que ali sempre estivera já não mais existia. Este havia cedido abaixo, como todos ali suspeitavam mas não entendiam o por quê.

Marcus então se levanta, sentindo como se seu corpo pesasse muito mais do que pudesse imaginar naquele momento, soltando de seus lábios roucas e trêmulas palavras somente a sí mesmo:

“E então o Anjo lançou-se dentro do grande Abismo para consolar sua própria dor. E o abismo assim também o fizera, ao lançar-se na imensa dor que o Anjo guardava somente si.”

E ao proferir com rouco tom tais palavras, que se tornaram as derradeiras do desfecho de sua curta vida. O garoto levanta-se a simplesmente a caminhar. A procurar por uma fenda qualquer. Que o destino colocaria cegamente sob seus sôfregos pés e onde seria esta para si o lugar de sua pobre remediação fútil, que era o simples tecer que sobrara a sua paz de vidro, onde este procuraria e assim esperaria por seu já não mais querido desalado.


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Notas finais do capítulo

Notas do Autor: Olá a todos! Este é um pequeno conto que escrevi já a um bom tempo, mas estava eu afundado na dúvida se deveria ou não postá-lo aqui, pois este fora fruto de uma péssima experiência que passei. Mas mesmo com todos esses altos e baixos do passado cá esta ele, diretamente da minha “Nova” pasta de Fics para o site do Nyah ^ ^

Espero que tenha “agradado a todos como agradou a mim” falar do triste fim do meigo Desalis, que tem tanto a ver com a história de tantos outros humanos como nós, não é mesmo?

Ps¹: “Desalis” significa algo como “Sem-asas” ~ou desalado~ Em Latim.

Ps³: @NinyBell, MaluquinhaX e Mr. Barthman suas fofas, obrigado por aturarem minhas enquetes de: "Como fazer tudo na minha vida?
Adoro Vocês...

Ps³: Corujo te amo