As lembranças estavam voltando aos poucos, quando fui dormir lembrei novamente de algo, uma fuga da casa em Los Angeles, todos me perseguindo e Dorian Cales apontando uma arma pra mim, eu temia ele, tinha medo, receio, dor, algo errado naquele homem tão sério e ao mesmo tempo tão triste, a curiosidade me instigava a descobrir o porquê de todo esse sentimento, mas este era o fato do meu afastamento, temia descobrir coisas terríveis, sofrer com isso e saber do presente sombrio para não conseguir olhar para aquele homem.

Sentei-me mais confortável enquanto desenhava o Chateau e seu jardim, desde que tinha oito anos desenhava, aos nove passei a fazer roupas, criar modelos e vesti-los em minhas bonecas, sempre gostei de desenhar, os traços, as linhas, cada contorno se transformava em algo, em arte como meu pai diria, agora ali me perdia em tantos detalhes, em cada cor, fechei os olhos sentindo o perfume das flores, tão vivido, tão belo.

– Eva.

– Olá. – cumprimentei a estranha – Quem é você?

– Sua cunhada, Sasha.

– Minha cunhada é a Nina. – comentei voltando ao desenho – Você deve ser a irmã do Harry.

– Essa mesma, a garota que você odiava e que bateu em um baile de gala. – disse sorrindo envergonhada.

– Você deve ter merecido. – afirmei sem dar atenção a ela, eu só queria /ficar sozinha.

– Bem, eu merecia, mas acho que depois de tudo que aconteceu eu mudei muito, graças a sua ajuda.

– Todos andam dizendo isso, eu não virei santa, Santa Eva. – reclamei riscando uma parte do desenho.

– Não é o fato de virar santa, isso nós sabemos que você nunca foi, nem nunca vai ser. – riu sentando ao meu lado – Você sempre nos aconselhou bem, palavras verdadeiras, duras às vezes, quase sempre pra falar a verdade, mas eram as mais sinceras possíveis, aquelas palavras que tocam fundo e nos fazem pensar.

– Psicóloga então. – retruquei ainda de mal humor.

– Algo assim. – continuou rindo, pelo visto ela me conhecia, para aturar meu estado de humor – Sabe o que é incrível nessa antiga Eva que estou conhecendo agora, é que você é a mesma que eu conheço, mesma ironia, humor infernal e egocêntrica de sempre.

– Isto é um insulto?

– Considere como elogio.

– Não gostei de você. – comentei levantando ao encará-la.

– Eu sei, demorou um bom tempo pra você gostar de mim. – disse extrovertida – Acho que foi por este motivo que você continuou com meu irmão, apenas para me perturbar, mas acho que com o tempo você começou a se apaixonar.

Ela saiu sem olhar pra trás, menina doida, pensei ao sentar, entendi o que ela quis dizer, mas algo ali me chamou atenção, se ela estava certa eu tinha ficado com Harry apenas por capricho, pra fazer ciúmes nela e perturbá-la por ter a atenção do irmão. Por que eu me sujeitaria a isso? Apenas pra incomodar ela? Não, eu não seria capaz disso, não antes, não sei agora do que eu seria capaz, quando sai com Harry, me senti em paz, um conforto e carinho que só senti com John, talvez eu esteja mesmo apaixonada por ele, mas esse talvez não prove nada agora, a única coisa que sabia era que nova versão da Eva me assustava, eu não era a mesma.

*

Meu passado havia mudado isso era um fato que não conseguia compreender, observei as fotos, estava tão diferente com os cabelos lisos e retos, a franja era algo completamente fora do meu estilo, às pessoas que estavam nelas também eram; só conseguia reconhecer Dark e Clara, além do namorado atual, Harry, era uma foto de uma festa, ao que entendi fomos como encontro de casais, Dark e uma loira chamada Sarah, Clara com um príncipe de nome Julian, e Harry acompanhando-me, estávamos em uma mesa, com pratos e bebidas servidas, eu estava no colo do príncipe rindo e abraçada com ele beijando meu pescoço, não pode simplesmente ser algo falso isso, o meu sorriso era verdadeiro, aquilo era verdadeiro, passei em outra imagem, desta vez eu estava abraçada com a irmã dele, aquela que logo a pouco me incomodou dizendo às verdades que eu não sabia, ou meias verdades, afinal pelas imagens eu estava mesmo apaixonada.

– Eva. – chamou alguém interrompendo meus pensamentos – Posso entrar?

– Entre mãe. – disse voltando às imagens, ouvindo a porta se abrir.

– Como esta se sentindo filha? – questionou sentando-se ao meu lado.

– Confusa. – comentei ainda olhando as imagens – Eu estava apaixonada pelo príncipe?

– Filha, isso eu não sei lhe dizer, não posso afirmar que estava sendo que só seu coração pode confirmar, pelo que via, na opinião de mãe, tu estavas sim começando a se envolver com Harry, mesmo assim, havia algo ali que não parecia ser um grande amor, apenas um começo de sentimentos, você amava outro, outro este que nunca me contou ou mencionou, esse alguém que lhe fez mudar para essa versão jovem da sua avó, eu lamento que esta pessoa a tenha feito sofrer, eu só gostaria de ter você de volta como era antes, e parece que Deus fez isso pra mim, mas da forma errada, porque esta Eva que vejo á minha frente é uma que se transformou a tempos, uma garota que esta perdida entre o passado e o presente.

– Exatamente mãe. – suspirei fechando os olhos – Eu não sei mais quem eu sou.

*

Vulnerável, esta era a palavra que descrevia a mim no momento, o fato da minha mãe não saber o que acontecia dentro de mim não era novidade, mas ela reparar em mim sim, nunca fomos próximas, apenas eu com papai ficávamos o tempo todo juntos, ele era meu conselheiro e ombro direito, sempre me escutou e compreendeu, disse palavras sábias, que podiam me acalentar nos momentos que mais precisava, ele era apenas meu pai, não o rei de um grande reino, era o homem simples que andava de bermuda, descalço, que ajudava a compor as melodias comigo e que contava histórias pra mim dormir quando era pequena, eu tinha dado tanto valor a perda de John que tinha me esquecido do meu pai, ele foi mais cedo do que meu namorado, menos de um mês de diferença, o homem que era a minha imagem de força, coragem e lealdade, aquele que sempre foi meu porto seguro, meu herói.

Levantei procurando uma foto dele, achei uma bem antiga, quando eu tinha doze anos, meus cabelos estavam escuros, as sardas estavam começando a sumir, nós dois estávamos de óculos, lembro-me que naquele dia em cada detalhe, era tão raro ter papai comigo, sempre viajava a negócios, o que hoje acredito que sejam negócios do reino, mas naquele dia ele estava lá, lendo em seu escritório, entrei escondido, pensando que estava em qualquer outro cômodo da casa, eu gostava dos seus livros, sempre pegava escondido algum pra ler, neste dia eu tinha um em especial, queria aquele livro a tempos, mas ele sempre estava lá quando eu procurava, ou o escritório estava trancado, entrei silenciosamente, fechando a porta devagar para escutar meu nome sendo chamado lentamente, ele havia me pegado no pulo.

– Procurando isto? – questionou mostrando o livro que eu queria.

– Sim papai. – respondi encabulada pegando o livro do Júlio Verne.

– Sabe que não precisa entrar escondido para pegar algo pra ler filha. – comentou mostrando a cadeira para eu sentar.

– É que a sala sempre esta trancada e o senhor não gosta que eu mexa nas coisas do senhor. – sussurrei segurando o livro firmemente contra mim.

– Sabe que nos meus negócios você não pode se meter, não por agora, no futuro sim, tudo que é meu será seu um dia, Eva. – explicou.

– Sim senhor.

– Leia comigo, é um prazer ter sua companhia. – sorriu estendendo meus óculos de grau.

– Claro pai. – respondi acomodando-me mais na poltrona.

Nós ficamos lendo até tarde quando mamãe entrou avisando que o jantar estava pronto, admirada com nós dois, ela tinha dito que precisava registrar esse momento de pai e filha, tirando a foto, esta foto que estava agora no porta-retratos em minhas mãos, abri a minha gaveta da cômoda ao lado da cama, lá estava ele, o mesmo livro, 20.000 Léguas Submarinas de Júlio Verne, agora gasto e com algumas folhas amareladas, abrindo ele reconheci a letra do meu pai, nele estava escrito.

Para minha princesa.

Eu sempre fui sua princesinha, aquela menina que correu para os seus braços nos primeiros passos que dei, aquela que sonhou com um mundo encantado, este mundo que agora eu vivia, essa Vida de Princesa que um dia sonhei, mas sem meu herói, sem meu rei.