Fingimento escrita por Blue Dammerung


Capítulo 1
Capítulo Único: Lugar para onde voltar.


Notas iniciais do capítulo

"Eu perdi minha vida, esqueci de morrer.
Como qualquer homem, um cara assustado,
Estou guardando as lembranças no interior do amor ferido.
Estou mais do que triste e mais, hoje
Estou engolindo palavras duras demais para falar.
Uma única lágrima e estou longe,
Longe e arruinado.
Eu preciso de você,
Tão distante do inferno, tão distante de você,
Pois o céu está cruel e preto e cinza."
Anônimo.



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Nós nunca nos demos totalmente bem. Não, longe disso, brigávamos o tempo inteiro. Qualquer palavra, por mais inofensiva que fosse, podia assumir um contexto ofensivo se fosse dita numa de nossas conversas, se é que nós conversávamos como pessoas “civilizadas”.

Acho que as únicas vezes que nós agíamos como seres humanos educados era na frente de nosso mestre, a quem precisávamos obedecer. O resto do tempo era rosnar e soltar piadas infames, quase como cães raivosos.

Mas de um todo, eu não me importava.

Na verdade, eu gostava, até. Gostava daqueles comentários fora de hora dele, do humor ácido e do constante sarcasmo. Dos sermões quando eu fazia alguma coisa que não deveria e também quando demorava demais para completar uma missão.

Mas acho que ele nunca soube que eu sabia que ele passava a noite inteira me esperando chegar no Bureau quando uma missão demorava demais. Acho que ele nunca soube que eu sabia que ele só conseguiria pegar no sono naquelas almofadas no exato momento em que eu chegasse, às vezes sujo de sangue, meu ou do inimigo, e das vezes que o sangue que manchava minhas roupas brancas era meu, ele me puxava para seus aposentos e sem dizer uma palavra sequer, cuidava dos meus ferimentos. E no dia que se seguia, ele soltava uma ou duas piadas sobre como eu era descuidado e inútil, que não passava de um novice.

Acho que ele também nunca soube o quanto eu quis pedir desculpas por tudo que aconteceu, com ele e seu irmão, agora falecido. Acho que ele nunca soube a dor que apertava meu coração todas as vezes que eu via seu tronco, o braço direito ausente, a manga do robe pendendo no ar. Por minha causa. Pela minha negligência e arrogância.

E acho que é por isso que mesmo que ele passasse horas me criticando, eu rebateria apenas algumas vezes para perder o costume, e não todas, como deveria fazer. Como uma espécie de punição, eu aceitaria todas aquelas críticas, embora a maioria não me atingisse realmente, e embora a pequena minoria que restasse atingisse bem no centro, bem no âmago.

Acho que ele nunca soube da vez que cheguei no Bureau sem avisar, silenciosamente me movendo nas sombras, e o encontrei curvado sobre si mesmo, o dentes rangendo o maxilar trancado, o rosto desfeito em dor, segurando com a única mão que tinha o lugar que seu braço deveria estar, mas não estava por minha causa. Naquele momento, ele deveria ter percebido minha presença, mas estava tão mergulhado na própria dor que não me notou, ou se me notou, me ignorou, me classificou como indigno de atenção.

Eu apenas fui embora, prendendo a respiração. Não queria ficar ali nem por mais um segundo, o peso da culpa aumentando a cada segundo.

Acho que ele nunca soube que, quando Adha morreu, a única pessoa que eu queria ter por perto no momento era ele, mesmo que ele apenas fosse me criticar, dizer que era tudo culpa minha como sempre, que eu era inútil, um maldito novice.

Eu queria Malik de qualquer forma que fosse, com braço ou sem braço, de bom humor ou mau humor, me odiando ou não.

Eu não o culparia se ele realmente me odiasse, de qualquer forma. Eu odiaria a mim mesmo se eu estivesse no lugar dele, mas Assassinos são Assassinos. O Credo não permite que nós tenhamos laços fortes demais uns com os outros, é sinal de “fraqueza”, e por este motivo, mesmo que ele me odiasse tão profundamente quanto as profundezas do inferno, não demonstraria.

Da mesma forma que eu jamais poderia vir a demonstrar a necessidade que tinha dele, deixando, então, subtendida em todas as vezes que parava em Jerusalém apenas para visitá-lo, mentindo que era parte da missão quando na verdade eu me desviava da mesma apenas para ver seu rosto cheio de escárnio e desprezo por mim.

Deixando subtendida essa necessidade em todas as vezes que eu me calava quando ele mais se colocava a me criticar. Deixando subtendida essa necessidade quando ele fingia estar dormindo e eu chegava no Bureau no meio da noite, vendo que sua respiração se acelerava para então se tornar mais lenta, como se estivesse aliviado por me ver, e eu então notaria que ele estava mais curvado sobre si do que o normal e pegaria um cobertor para cobri-lo, entrando no teatro, fazendo de conta que eu não sabia que ele estava acordado.

Eu tentaria deixar subtendida em tantas outras formas que o tempo passaria, mas de nada elas adiantariam. Envelheceríamos, brigando um com o outro, fazendo de conta que nos odiávamos completamente, mesmo que aquelas entrelinhas ainda estivessem em nosso texto.

Porque Malik jamais admitiria nada que me tivesse no meio, não, ele sempre ficaria contra mim, quer seja por birra ou por ódio mesmo, então era algo um tanto masoquista de se fazer. Eu deixava todas aquelas coisas subtendidas, e embora tivesse quase certeza que eles as entendia, as captava, também tinha quase certeza que ele as ignorava.

E toda vez que sorrisse para mim, seria um sorriso de escárnio e/ou deboche. E toda vez que falasse meu nome, este seria então acompanhado por alguma ofensa. E toda vez que erguesse a voz para mim, seria para me dar um sermão. E toda vez que eu completasse uma missão com sucesso e no horário certo, ele apenas me mandaria embora com um aceno qualquer dizendo “vá logo embora daqui, novice”.

Portanto, eu tinha e ao mesmo tempo não tinha esperanças. Mesmo sabendo da cruel verdade, que nós jamais passaríamos de meros “colegas”, “rivais” ou “conhecidos”, eu dormiria todas as noites querendo e pensando que, quem sabe, aquilo poderia acontecer.

Porque mesmo que Malik não fosse tão simpático, nem gentil, carinhoso, nem tivesse qualquer outra das qualidades que as mulheres geralmente procuram, eu não ligava. Não que eu seja uma mulher, e acho que é por isso que não ligo. Sobre sua aparência, não me importava.

Eu o amava pelo o que ele era, não pelo o que ele tinha sido ou pelo o que ele iria ser.

E amava, amava tanto que enquanto pulava de telhado em telhado me via pensando em certas “possibilidades”. O amava tanto que, quando sozinho, me via suspirando seu nome, algo realmente vergonhoso para um Assassino como eu.

Mas além de Assassino, eu também era humano.

Infelizmente, devo dizer.

Anos passaram, então. Sempre no mesmo jogo, nos víamos quase todo mês, quando haviam missões próximas à Jerusalém, onde ficava o Bureau que Malik cuidava. Numa das noites, cheguei mais atrasado do que deveria, no meio da madrugada. Coberto de sangue, tanto meu quanto de outros, a luz da lua que reflete na minha roupa torna tudo um tanto dramático demais.

Nunca cheguei a gostar de drama nem de nada do tipo. Não gosto de obras de arte, nem peças, pinturas, esculturas, nem livros que servem apenas para entreter. São coisas complicadas demais.

Por isso, quando cheguei, vi que na verdade ele ainda estava de pé na porta da parte interna do Bureau, eu próximo da fonte que jorrava água de uma forma calma. No seu rosto, havia complexidão demais.

–Onde estava?-Ele perguntou, a voz deixando claro que estava irritado. Estava um tanto escuro, e luz, só da lua e de algumas velas acesas. Eu me aproximei, sentindo a flecha que atravessava meu braço.

–Houveram contratempos.-Respondi. Ele me olhou nos olhos, como se dissesse “depois você irá me contar com detalhes”, balançando a cabeça e entrando na parte interna do Bureau enquanto eu sentava, puxando uma das cadeiras simples de madeira, ele surgindo logo depois com agulhas, panos limpos e coisas do tipo, sentando-se à minha frente.

Eu despi a armadura, as armas e as demais roupas até ficar com o tronco desnudo, revelando que além da flecha cravada em meu braço, estava com uma série de pequenos hematomas no peito e além disso, alguns cortes aqui e ali onde a armadura não me protegia.

Malik tirou a flecha sem cerimônias, o que me fez trincar os dentes, e então pôs-se a limpar o ferimento. Suas mãos, apesar de tudo, eram leves. Não macias, não, longe disso, mas eram leves, com alguns calos e cicatrizes, mas, com certeza, leves.

–Não seja tão descuidado, novice, senão vai acabar dando um oi para os mortos da próxima vez.-Disse Malik então, cortando um fio e prendendo-o na agulha para começar a fechar o ferimento no braço.

–Sim, senhor...-Eu disse, deixando o tom de sarcasmo pairar no ar. Fosse pela dor ou até pela presença de Malik, eu não estava a fim de discutir.

–Você ao menos completou a missão? Ou falhou de novo?

–A pena está dentro da algibeira.-Respondi, me referindo a pena que sempre deveria ser manchada com o sangue do alvo, sinal de que a missão havia sido um sucesso. Trinquei os dentes novamente quando ele terminou de costurar o ferimento, puxando a linha e a cortando então, se afastando para ver o trabalho. Seu olhar correu então por meu peito, a luz fraca das velas deixando a mostra todos os machucados.

–Em que briga você se meteu, seu idiota?

–Em uma não muito grande.-Eu respondi apenas, sem humor.

–Está todo machucado...! Maldito descuidado! Na verdade, se eu soubesse que teria tanto trabalho assim com você, o teria deixado com essa flecha para ver se morre de uma vez!-Malik exclamou, sumindo por alguns momentos para voltar com ataduras então, voltando a se sentar na minha frente, o cenho franzido.

Eu apenas balancei a cabeça, concordando com ele, sentindo a temperatura do corpo subir, o começo de uma febre. Queria água.

–Ei, nem invente de desmaiar. Vai me poupar do esforço de tirá-lo do chão caso caia com a cara nele. -Malik voltou a dizer, colocando ataduras em mim e cuidando dos demais ferimentos. Eu queria sorrir, achar engraçada toda aquela proximidade, mas sabia que seria passar dos limites.-Droga, Altaïr, você está com febre! Você não vale todo o trabalho para ficar bom! Mas acho que você não morre porque nem os mortos querem você, seu maldito... Levante o braço.

Eu o obedeci, apenas assentindo com as coisas que dizia. Ele passou a atadura pelo meu ombro e então pela axila, dando várias voltas, seu rosto um pouco mais abaixo que o meu, eu podia vir pingos de suor em sua testa. Ou seria ilusão causada pela febre?

–Agora, fique aí, vou pegar...-Ele se pôs de pé, normalmente irritado, mas eu segurei sua mão de repente e ele parou, me olhando sem entender.-O que foi? Diga logo o que é, não posso perder meu tempo com você.

–Por que esteve me esperando até agora? Não deveria estar dormindo?-Perguntei sem pensar.

–Se você olhar para trás, verá que, no balcão, há uma pilha de papéis para serem lidos e analisados. O quê? Você achou que eu estava esperando por você?-Malik caçoou, sem rir.

Eu não precisava olhar para o balcão, sabia que havia papéis ali, os notara assim que colocara os pés naquele cômodo, treinado para sempre estar atento a tudo.

–Achei.-Respondi novamente sem pensar, me pondo de pé então com um tanto de dificuldade por causa da sensação de tontura, mas me aproximando de Malik o bastante para fazê-lo recuar mais e mais até que ele batesse as costas na parede do outro lado. Me aproximei mais ainda, nossos abdomes quase se tocando, assim como nossos rostos.

–Achou errado. Não perderia o meu sono com alguém como você.-Malik respondeu, me olhando nos olhos, e novamente eu lembrei porque eu conseguia adorá-lo tanto. Malik não tinha olhos diferentes, eles eram castanhos como os de muitas pessoas, mas eram os únicos olhos que me olhavam bem no fundo, sem me temer, sem temer nada, sempre com um ar desafiador, diferentes de todos os outros.-E o que acha que está fazendo? Está tendo alucinações, Altaïr? Ficou louco? Afaste-se de mim.

–Não.-Eu respondi, mesmo sabendo que aquela era uma ordem e que, por enquanto, Malik era meu superior, visto que eu não passava de um novice devido a “certos acontecimentos” anteriores.

–Afaste-se de mim ou então eu o afastarei. Acha que não consigo lidar com você só porque tenho um braço a menos? Acha divertido fazer esse tipo de chacota comigo? Inflar seu ego? Você não passa de um maldito arrogante, e você sabe o que essa arrogância te deu em troca...

O hálito dele batia em meu rosto a medida que falava, e mesmo que aquelas palavras se prendessem em minha mente, eu não as entendia, não conseguia entendê-las. O cheiro que se desprendia da sua pele um tanto mais escura que a minha embaçava meus pensamentos, cheiro de suor, de madeira, de papéis, de lugares abafados, talvez porque ele passava muito tempo dentro do Bureau, mas eu não achava ruim. Não, eu amava aquele cheiro.

Eu amava, eu tinha paixão, necessidade, por qualquer coisa que viesse dele.

–Eu te amo.-Eu disse, novamente sem pensar. Como que envenenado, a febre jogava fora todos os meus medos e todos os protocolos que eu devia ter, todo o código, toda a discrição, tudo que deveria me impedir de fazer aquilo, de dizer aquilo, mas eu estava tonto, e como se estivesse bêbado, ergui um braço para me apoiar na parede atrás de Malik, pendendo a cabeça um tanto mais para frente enquanto falava, o ar faltando e suando bastante. Mesmo ciente de que aquilo era errado, ciente do pequeno fogo da vela crepitando sobre o balcão mais atrás de nós, naquele momento tudo parecia certo, como se mais tarde não fosse haver nenhuma consequência.-Eu te amo, eu te quero do jeito que você é, todos os dias, todas as noites, todo tempo.

Malik me olhou nos olhos por alguns segundos.

–O que é isso, Altaïr? Outra brincadeira? Essa foi realmente uma das piores que já fez. Afaste-se de mim, eu repito. Amanhã bem cedo você vai voltar para Masyaf, e eu comunicarei a Al Mualim que você só pode estar ficando louco.

–Preciso provar.

–Provar o quê? Que ficou maluco? Que vai acabar quebrando novamente o código do Credo?!-Malik voltou a franzir o cenho então, mais irritado, empurrando-me para trás apenas alguns milímetros porque mesmo tonto, estava disposto a usar toda a minha força para não me afastar dele.

–Preciso provar... Duas coisas...-Eu disse, olhando em seus olhos, voltando a aproximar meu rosto do dele.-Preciso provar... Que eu te amo e...-Respirei fundo, meu próprio coração batendo mais rápido, o ar faltando.-Provar... Seus lábios...

E antes que Malik pudesse se opor em alguma coisa, eu o beijei. O beijei com tanta força que nossos dentes bateram-se. Mordi seu lábio inferior quando ele se recusou a abrir a boca, seu único braço me batendo, mas eu o ignorei, continuando a correr a língua por seus lábios até que o fiz abrir a boca, encontrando sua língua e chupando a mesma enquanto minhas mãos seguravam seu braço e eu colocava uma das minhas pernas entre as suas.

Eu o queria imóvel e preso a mim.

Continuei a beijá-lo, mordendo-o às vezes de leve, vasculhando toda a sua boca enquanto ele tentava escapar a qualquer custo, e quando o ar começou a faltar, me afastei, olhando em seus olhos toda aquela raiva que ele expressava por mim, mas eu não ligava.

–Eu te amo...-Murmurei, sem acreditar que palavras tão constrangedoras vinham de mim, que logo eu, antes uma vez exemplo para todos os Assassinos, estava fazendo aquilo e com um homem.

–Eu te odeio...-Malik murmurou, voltando a tentar escapar, mas eu não permiti.-Me solte, Altaïr, senão juro que Al Mualim vai ficar sabendo disso... Você vai ser expulso da ordem, senão morto...

–Não me importo, arcarei com quaisquer consequências que sejam.-Eu disse, voltando a beijá-lo de forma mais leve, passando para seu pescoço então, mordendo-o, chupando-o, lambendo aquela pele antes imaculada com tanto gosto como nos sonhos que tinha às vezes, Malik trancando o maxilar.

Desci do pescoço para sua garganta, beijando-o e então mordendo-o, descendo cada vez mais até chegar no começo da camisa que vestia, abrindo-a com uma das mãos enquanto a outra ainda segurava a de Malik acima de sua cabeça. Uma vez com o peito desnudo, eu corri os dedos por sua pele, sem me demorar, voltando a beijá-lo, passando a língua por cada canto e cada lugar, sentindo o gosto salgado do suor, chegando aos seus mamilos e chupando-os, lambendo-os, brincando com eles como se eu não fosse eu, e sim fosse uma prostituta qualquer, mas eu não me importava.

–Altaïr... Não faça isso, seu...-Malik tentou falar, mas teve que trancar o maxilar novamente para que não soltasse nenhum som constrangedor. Eu pressionei minha perna contra o meio das pernas dele, sentindo algum volume, enquanto lambia um de seus mamilos ainda.-Pare com isso...!

–Malik...-Eu murmurei, parando então, erguendo meu rosto para fitar os olhos dele. Eu sabia que o que eu estava fazendo era errado, sim, sabia, mas e se eu acabasse magoando ainda mais ele? Aprofundar ainda mais a ferida que ele tinha causada por mim? Por isso, mesmo querendo continuar, descer ainda mais, eu parei. E o olhei nos olhos esperando que clareasse minha mente, que me desse alguma lucidez visto que eu sabia que eu estava fora de mim.

–Me solte, e pare com isso!-Malik exclamou.-Eu não gosto de você e eu não quero dormir com você! Você entendeu?! Eu o culpo pela morte do meu irmão e pelo fato de que só tenho um braço! Eu odeio você!

–Eu sei.-Respondi, sem soltá-lo.-Sei de tudo isso, sabia desde o começo.

–Então por que insiste nisso?! Por que insiste?! Por que acha que algum dia eu vou sequer lhe dizer um “obrigado”?!

–Porque... Eu venho pagando meus pecados. Achei que, de alguma forma, eu poderia consertar as coisas com você, mas sei que é impossível. Na verdade, hoje eu apenas tentei, para que mais tarde eu não me arrependa de nunca ter tentado.-Eu disse, a razão voltando um tanto mais. Eu sempre soube que aquilo não levaria à lugar nenhum, e obrigar Malik a transar comigo certamente não traria nenhum benefício, mas minha vista começou a escurecer, de forma que eu precisei me apoiar mais ainda na parede atrás dele, minhas pernas perdendo a força.-Me desculpe.

–Seu idiota! Você acha que é tão simples?! Você...!-Malik deve ter continuado falando, mas eu não notei, nem lembro o que aconteceu depois. Só lembro de uma forte tontura e da minha vista escurecendo. Febre, muito calor. Ainda queria água. Malik. Missão bem sucedida. Preciso voltar para Masyaf. Al Mualim vai descobrir tudo. Malik.

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O som de água corrente era calma e agradável. Pela temperatura eu podia dizer que deveria ser por volta de meio-dia. Estava quente e meu corpo estava coberto apenas por um cobertor, mas eu podia sentir as várias ataduras roçando contra minha pele nas pernas, braços e em vários lugares.

Abri meus olhos e me sentei, vendo que ainda estava no Bureau, mas na parte externa, ao lado da fonte, sobre as almofadas e o grosso tapete. Olhei em volta, lembrando-me do que tinha acontecido quando eu ainda estava consciente. Respirei fundo. Não tinha sido uma boa hora para desmaiar, mas ao menos a febre tinha passado e eu quase não sentia dor, exceto quando mexia nos vários cortes.

Minhas roupas estavam dobradas ao meu lado, junto com minha armadura e meus pertences.

–Malik?-Chamei, ouvindo alguns sons da parte interna do Bureau, vendo quando ele surgiu na porta, a feição sempre irritada.-Desculpe.

–Hmpf, não adianta pedir desculpas.-Ele disse então, sem se mexer.

–Obrigado por me ajudar.-Eu disse, me referindo aos ferimentos e aos curativos que ele fez, provavelmente enquanto eu estava desmaiado.

–Não há de quê.-Ele disse, secamente.

Um silêncio incômodo pairou no ar. Eu limpei a garganta enquanto ele bufou, irritado, e voltou a sumir da minha vista, provavelmente tendo muitos outros papéis para ler. Me coloquei de pé, me vesti, pondo a calça e então as botas, seguido pelas roupas superiores e as demais peças. Um pensamento de que Malik tinha tirado toda a minha roupa para me tratar veio, mas eu não demonstrei nada senão indiferença. Era um pensamento infantil demais.

–Al Mualim está a sua espera. Eu o comuniquei sobre seu sucesso na missão. Tem um cavalo do lado de fora da cidade para você, ele ordenou que partisse para Masyaf imediatamente.-Malik disse então, surgindo mais uma vez na porta enquanto eu, já vestido, puxava o capuz para frente. Ele tinha o que parecia ser uma laranja na mão única.

–Apenas isso?-Perguntei.

–O que quer dizer?

–Você me ameaçou ontem...

–Não, ontem não. Você está desacordado há três dias, Altaïr. Por isso Al Mualim está lhe chamando com tanta urgência, seu idiota. Vá logo embora daqui.

–Você não contou a ele? Sobre o que eu fiz com você?-Perguntei, olhando Malik coçar o queixo, fazendo-se de desentendido.

–O quê? Aquilo? Não. Iriam me humilhar pelo resto da vida se soubessem que logo você tentou fazer aquilo comigo. Ainda tenho um pouco de honra, e transar com você seria o mesmo que transar com um porco.

–Entendo.-Eu disse então, um tanto mais aliviado, ignorando as ofensas como sempre, mas ainda assim, não deixando passar.-Eu deveria estar com muita febre para pensar em fazer o mesmo com você.

–Você me parecia bem racional na hora.

–Não, eu estava mergulhado em alucinações, quase como pesadelos.

–Você disse meu nome.

–Foi? Então eram mesmo pesadelos.

–Você também disse que me amava.

–E daí? Não é este o jogo que sempre jogamos? Você finge e eu finjo junto, não é? Façamos de conta que o que aconteceu quando eu voltei da missão foi um pesadelo muito ruim. Façamos de conta que mesmo sabendo que é tudo fingimento, odiamos um ao outro. Vamos voltar à mesma rotina de xingar e xingar de volta, ignorar todos os detalhes que eu sei que você nota que eu deixo no ar. Preciso ir, Al Mualim me espera.

Me virei para partir então, indo até a fonte que eu usava como uma espécie de escada para escalar até a entrada do teto do Bureau, mas algo atingiu minha cabeça com força. Fitei o chão, uma laranja caída aos meus pés. Olhei para Malik, que tinha a expressão mais irritada que eu já vira na vida.

–Você só pode estar brincando comigo!-Malik exclamou, avançando passos até chegar até mim, me empurrando até eu bater as costas contra a parede, sua mão segurando eu colarinho com força.

–O que eu fiz desta vez?-Perguntei, chegando a ficar confuso.

–Como pode esperar que tudo volte ao normal?!

–E não é isso que você quer?

–Você me ama ou não?!

–Eu amo.-Respondi, com a voz firme. Ele me olhou nos olhos e rosnou, me soltando, se afastando com alguns passos.-Independente do que você faça ou diga, acabarei amando da mesma forma.-Voltei a falar, o tom sério.

–Você não pergunta se eu amo você ou não.-Malik disse, pegando a laranja do chão, olhando para a fruta com o cenho franzido.

–Já sei a resposta, sei que é um não, e na verdade, não espero outra coisa. É o mesmo que esperar que nasça ouro de árvores.

–Você tem razão, eu jamais seria capaz de amar você. Seria o mesmo que morrer.

Eu assenti, dando as costas e me preparando para sair novamente, mas esperei. Com resquícios de esperança, esperei por alguns segundos, mas apenas isso. Ergui uma mão, encontrei um ponto de apoio, ergui outra e impulsionei meu corpo para cima, escalando sem dificuldade.

Logo estava fora do Bureau e fora da cidade, Jerusalém. Estava cavalgando para Masyaf e então de frente para Al Mualim, recebendo um sermão por ter sido tão descuidado e por ter demorado tanto. Logo estava em outra missão novamente, dessa vez bem longe de Jerusalém, como várias das que se seguiram.

Na verdade, eu só verei Malik novamente amanhã. Depois de vários meses evitando Jerusalém como se fosse a peste, eu serei obrigado a vê-lo amanhã, visto que minha última missão até voltar ao posto de Assassino é lá. Matar o líder dos Templários. No portão da cidade, eu suspiro como se estivesse indo para a forca. Não quero ir, não quero ter que ver seus olhos castanhos agora que sei da verdade, uma verdade que eu sempre soube.

Avanço passos me escondendo dos guardas automaticamente, devido ao hábito, me misturando na multidão algumas vezes, pegando o caminho mais longo possível até o Bureau. Não sei o que ele vai dizer, nem se vai dizer alguma coisa, mas eu gostaria de adiar este momento. Quando Al Mualim disse que o líder Templário estava em Jerusalém, eu engoli em seco, mas não me opus, visto que isso chamaria suspeitas demais.

E com um ar de morte, noto que chego rápido demais ao Bureau, que já estou no teto do mesmo, olhando pela entrada, vendo lá embaixo a fonte de vários meses antes, os tapetes e as almofadas. Consigo ouvir barulhos vindos da parte interna do Bureau. Suspiro, e então desço, caindo com um som abafado.

Respiro fundo, e ao mesmo tempo que quero ir embora, me critico por estar agindo tão infantilmente por algo tão pequeno. Adentro a parte interna do lugar, e encontro Malik do outro lado do balcão, o robe azul, as roupas brancas por dentro, uma manga pendendo no ar onde deveria estar seu braço.

–Hm, novice.-Ele diz apenas, apoiando-se no balcão com empáfia.-Al Mualim me avisou que viria. Já sabe seu alvo?

E aquilo dói mais do que muitos dos ferimentos que hoje são cicatrizes profundas no meu corpo. Indiferença. A indiferença que doía como ferro quente contra a pele. Eu preferia ser chamado das piores ofensas possíveis do que ser tratado com indiferença por ele, mas não digo nada, não posso dizer. Ainda estamos fingindo, como sempre.

–Sei.-Eu respondo.-Sabe onde posso começar a reunir informações sobre ele?

–O distrito pobre é um bom começo.-Ele diz então, voltando a mexer nos papéis sobre o balcão, sinalizando que eu já podia ir embora, mas eu fico, fico tempo o bastante para ele erguer o olhar e me fitar.-O que está fazendo aqui ainda? Não tem pressa? Vá embora, idiota.

Eu deveria dizer alguma coisa. Dizer que apesar de tudo, não aguentava mais fingir, não queria mais bancar aquela farsa. Mas, novamente, fico em silêncio. Um Assassino não pode ter laços muito fortes, visto que sua vida é o Credo, é a ordem dos Assassinos, e não outra pessoa.

–Eu volto ao anoitecer.-Eu digo então, me virando, desistindo silenciosamente e deixando o Bureau, esperando que ele diga um “espere”, esperando que ele atire alguma coisa em mim que me faça parar, qualquer coisa.

Mas ele não me ama, claro que não, e por isso, não faz nada. Eu parto, junto informações sobre meu alvo sem dificuldades, e apesar de ter sido perseguido vez ou outra por guardas, não me machuco. Volto ao Bureau, como disse, ao anoitecer, mas não cumprimento Malik. Apenas me dispo, me deito sobre as almofadas e fecho os olhos, pronto para adormecer.

Mas não consigo.

E como se Malik soubesse, ele anda até mim, posso ouvir seus passos, e antes que me dê um chute (a forma mais eficiente de acordar alguém, segundo ele), eu abro os olhos e me sento, esperando que ele diga logo o que quer.

–Al Mualim enviou uma carta.-Malik diz, me estendendo o papel meticulosamente fechado.-E pediu que você a respondesse imediatamente.

–Sim.-Eu digo, e espero que Malik vá embora, mas ele não vai. Dou de ombros e começo a ler a carta com apenas a luz da lua para ajudar. Quando termino, volto a falar.-Ele me deu mais dois alvos aqui em Jerusalém, apenas isso.

–Hmpf.-Então Malik sai, deixando-me só novamente. Quero dormir, mas novamente, não consigo.

No dia seguinte, bem cedo, eu me levanto, tomo um banho rápido, me visto e me preparo para sair, mas Malik aparece com alguns pedaços de pão e queijo, além de algumas uvas. Nós comemos em silêncio.

–Quem são seus alvos?-Malik pergunta de repente então, levando uma das uvas até a boca.

–Al'saaed Maulin e um inglês chamado Christoph XII.-Eu respondo com descaso, sem mentiras, nem nenhum tom adicional na voz.-De acordo com Al Mualim, é a missão mais perigosa de todas.

–Hmpf.-Malik volta a bufar, sempre irritado. Terminamos de comer e eu novamente me preparo para sair. Além da espada presa à minha cintura, tenho a lâmina oculta, uma adaga presa às costas e várias facas de arremesso no cinto. Tecnicamente, estou bem preparado para a missão.

Ergo os olhos para o céu, quase meio-dia. Está quente, eu começo a suar, preciso sair dali. Não sei se espero voltar, não sei exatamente se quero voltar, talvez sim, talvez não, preciso continuar servindo o Credo até não conseguir mais andar. Preciso continuar fingindo que tudo não passou de um mal entendido, de uma alucinação causada pela febre, preciso continuar.

Mas tenho tantas dúvidas sobre tantas coisas que cada uma dessas perguntas é um desvio no caminho que eu deveria seguir.

–Estou partindo.-Eu digo então, sabendo que Malik está um pouco mais atrás de mim. Não sei se ele percebe, mas quando digo “partir”, é em todos os sentidos possíveis. Não que eu queira morrer, mas isso tiraria todo o peso das minhas costas.

Mas, falando em costas, subitamente sinto algo nelas. Um calor. Algo apoiado nelas, mas não tenho coragem para virar o rosto e descobrir o que é, até porque segundos depois eu percebo o que realmente é.

–Volte, seu idiota.-Malik diz então, sua mão apoiada nas minhas costas assim como sua cabeça.-Volte senão eu juro que vou atrás de você.

Eu, mesmo sem querer, sorrio.

–E volte sem um arranhão sequer, entendeu, Altaïr?!-Ele aperta minha roupa com força. Eu quero me virar para ver seu rosto, mas acho que ele nunca me perdoaria por isso.

–Sim, Malik.-Eu digo. Não sei se ele percebe, mas há um tom diferente na minha voz, um tom mais alegre que não consigo suprimir nem controlar. Eu deixo o Bureau sorrindo, mas acho que ele também não percebe.

Não sei se vamos brigar para sempre, nem se os alvos que terei que eliminar vão acabar provocando minha morte um dia. Não sei se Malik me ama, não quero saber, na verdade. Não sei se os dias que vão se seguir serão árduos ou não, apenas sei que alguém espera que eu volte, alguém que espera que não só o Assassino volte de uma missão, mas que o Altaïr volte para casa.

Fim.



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Notas finais do capítulo

Ah, bem, foi isso. Não coloquei pra +18 porque enfiem, não rola um "lemon", tanto que nem colocay "lemon" nas tags. Se o Malik sente alguma coisa pelo Altaïr? BEEEEEEEEEEEM...
O que me inspirou a escrever essa fanfic é o ~lindo~ fandom que existe nos tumblrs da vida sobre esse casal. Vale a pena dar uma olhada.
Então, reviews? Vou responder a todas, eu juro!
KISSES E OBRIGADA POR LER ♥
(Ah, essa fanfic foi betada pela divíssima e muito linda Lovemachine ♥)