O som do primeiro vidro estilhaçado atingiu o chão antes de eu me fechar no quarto. Lágrimas quentes cobriram meu rosto.

Por favor, de novo não...

-Quanto foi a consulta dela hoje? - minha mãe ironizou no andar debaixo.

-Ah, agora você se interessa pela nossa filha? O plano de saúde cobriu tudo.

-Hoje. E amanhã? Nós estamos quase falidos, Luís. Falidos! Tantas consultas e remédios durante todos esses anos. Se continuar assim, teremos que vender esta casa!

-Isso é culpa sua, Ana - meu pai rosnou, cansado de receber toda aquela sentença.

-Não se atreva a repetir isso. Nós dois somos culpados. E você sabe disso.

Nesse momento, os dois, percebendo que falavam alto demais, pararam de gritar e conversaram sussurrando até que a casa ficou praticamente em silêncio. Me joguei na cama e não consegui impedir as lágrimas de pararem.

Uma mãe alcoólatra que não conseguiu parar de beber quando sua filha nasceu; um pai fumante que expôs seu bebê ainda com poucos meses de vida ao cigarro. O que isso gerou?

Câncer.

Não sei como ainda estou viva, mas dói. Cada palavra, cada lembrança que tenho são cheias de angústia e medo.

Me pergunto porque o câncer não me matou logo no começo, e porque meus pais gastaram todo o dinheiro comigo.

Só consigo encontrar uma resposta: culpa.

Isso não é amor. Se estamos juntos só por eles se sentirem assim, o que será do futuro?

Minhas forças estão se esgotando. Não consegui me curar com remédios ou cirurgia. A realidade machuca, eu sei.

A cada dia que passa, minha vida se aproxima do fim.  Às vezes, eu só quero me esconder e fugir, pois sei que a escuridão se aproxima. Se sorrio, é para impedir as lágrimas de mostrarem o que sinto ao mundo. Essa dor é só minha, não posso preocupar mais ninguém com isso.

Se para encontrar a felicidade eu preciso abandonar este mundo, não pensarei duas vezes antes de seguir em frente.