Utopia escrita por tsubasataty


Capítulo 23
Capítulo 22




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-Eles...? - não consegui terminar a frase mesmo sabendo muito bem quem podia ser.

-Eram - Hiago parecia hesitante em dizer o nome - os caras que me passavam as drogas pra vender. Eles acham que eu vou denunciar eles pra polícia!

-Só que você não vai.

-É! - ele me olhou desiludido - Mas eles não acreditaram em mim e acabaram me seguindo. Pelo menos eu vim correndo pra cá e espero que não tenham descoberto onde moro.

Hiago suspirou fundo e se levantou. Não falei nada enquanto ele seguia para o banheiro e, vendo como estava realmente abatido, preferi deixá-lo sozinho para ver se ele se acalmava. Mesmo eu não sabendo muita coisa sobre tráfico, duvidava que tudo acabaria ali. Só me perguntava agora o que aconteceria dali em diante.

Jantamos num um clima pesado entre a gente. Mesmo quando jogamos baralho novamente, nenhum de nós estava alegre ou descontraído. Acabamos conversando pouco e indo dormir cedo. Eu estava tão cheia de temores que, quando apaguei a luz do quarto e me deitei, fechei os olhos com tanta força que me recusei a abri-los novamente. Só queria que a noite acabasse e esses problemas fossem enterrados num lugar onde nunca mais pudessem sair. Mas nem o fundo de um abismo - e eu sabia disso - parecia ter força suficiente para sepultá-los.

Acordei cedo no dia seguinte. Talvez tenha sido por causa da calmaria da manhã - ou o efeito do meu remédio -, mas eu me sentia calma e contente. Quando cheguei à sala levei um susto assim que vi o Hiago deitado no sofá.

-Não consegui dormir direito - ele respondeu, sem tirar os braços de trás da cabeça e os olhos do teto.

-Tenta esquecer isso um pouco. Vai ver eles nem voltam mais... - retruquei, me aproximando dele.

-É... talvez.

Ficamos em meio ao silêncio. Olhei de relance para o relógio acima da porta e vi que ainda eram nove da manhã. Cedo demais para ir trabalhar...

-Quer jogar banco imobiliário? - Hiago perguntou de repente.

-Hã? Ah, quero sim!

Essa mudança súbita de humor me espantou e, mesmo que tenha sido pequena, uma tímida luz de esperança chegou até mim. Para alegrar eu mesma e ao Hiago, mostrei a ele um novo jeito - que eu acabara de improvisar - de jogar banco imobiliário. A mudança não era tão grande, mas, para não ficar naquela monotonia sem graça, acrescentei todo um contexto às ruas e avenidas que deviam ser compradas e à prisão, principalmente. No fundo, eu não queria que estivéssemos ali apenas para jogar, e sim para nos divertirmos. Por isso, busquei fugir da concha em que me prendia por medo de viver e tentei ser eu mesma. Só assim foi que descobri que não doía ser quem eu era de verdade.

Olhando o dia surgir pela janela, jogando com o Hiago e vendo nossos sorrisos esquecerem o medo que nos perseguiam, senti que ali era meu lugar, o meu caminho. E aquele momento, que parecia tão raro ultimamente, se tornou um dos mais preciosos para mim.

O movimento da confeitaria estava grande naquele dia também e, como ontem, as horas foram passando e não vi ninguém que eu conhecia.

-Você está distraída hoje, Camila - dona Vera disse no intervalo para mim.

Tomei o resto do suco e deixei o copo sobre a mesa.

-São só alguns problemas...

Ela me olhou desconfiada, como se quisesse ver além das minhas palavras.

-Alguma coisa que eu possa ajudar?

-Na verdade, já ajudou. Me dando este emprego!

Eu sorri e ela pareceu se alegrar com minha resposta. Depois que se virou para atender um cliente, notei que dona Vera andava com dificuldade. E isso não era a primeira vez. Desde que tinha chegado hoje mais cedo para trabalhar, percebi que ela estava distante, como se estivesse lutando contra seus próprios fantasmas num mundo que pertencia somente a ela. Pensei que era algo que tinha a ver com a idade, porém, quando ia em direção ao caixa, antes de eu completar o terceiro passo, meu pé parou no ar quando escutei de repente um estrondo atrás de mim. Um grito agudo de uma criança espalhou-se pela confeitaria no mesmo instante e os olhos de todos se dirigiram para o local de onde viera o barulho. Me virei às pressas e vi dona Vera caída no chão, com uma das mãos no joelho e a outra tocando o cabelo. Minha respiração falhou.

Fui correndo até ela e me ajoelhei ao seu lado.

-Dona Vera, o que aconteceu?!!

Ela me olhou espantada enquanto todo seu corpo tremia.

-Como você sabe meu nome, menina? Quem é você?!


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