Another Chance For Christmas escrita por Bones


Capítulo 1
Um Conto De Natal


Notas iniciais do capítulo

Eu precisava escrever algo sobre o natal, eu precisava!
Não sei, detestei essa época por um longo tempo, depois comecei a enxergá-la com outros olhos e acho que foi isso que eu quis retratar aqui.
Espero que gostem desse pequeno conto assim como eu gostei dele!
Boa Leitura!



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   Já se passava da meia noite, o que apenas indicava que já era natal. Uma bela madrugada do dia vinte e cinco de dezembro. E eu em casa, sentado na minha velha poltrona de couro, os olhos presos nas imagens e luzes produzidas pela televisão à minha frente, mas sem realmente absorver informação alguma. Atrás de mim, as únicas luzes que eu conseguia visualizar projetadas na parede branca à minha frente provinham da pequena e improvisada árvore de natal que eu montara no canto da sala. Ela era meio torta, e estava longe de ser um pinheiro natural. Acabei comprando-o em uma liquidação pensando que, neste ano, poderia reavivar o espírito natalino na minha vida. Doce engano! Só gastei meu dinheiro.

   Mas até que aquela arvorezinha não era de todo ruim. Me fazia companhia e deixava minha casa menos morta que de costume. E eu gostava das luzinhas coloridas piscando em volta dela, era até bonito de se olhar. Mas, de qualquer forma, ainda era apenas uma árvore torta feita de plástico. Admito agora que foi um pouco de tolice da minha parte pensar que apenas comprando um pinheiro e decorando minha casa toda de acordo com as tradições adiantaria de alguma coisa. O natal não era apenas aquilo, infelizmente. Mas, para mim, não tinha como voltar atrás.

   Meu natal já não era o mesmo há anos. Minha mãe e meu pai se divorciaram quando eu ainda era novo. Uns cinco anos, por aí. Eu fiquei com o meu pai, meu irmão mais novo, com a minha mãe. Mas eles prometeram que nós continuaríamos a nos ver. Sinceramente? No auge da minha maturidade infantil, eu sabia que isso não ia acontecer. Adultos nunca cumprem suas promessas, não é mesmo? No começo as visitas eram semanais, depois mensais, depois uma vez por semestre até que eles se mudaram e eu não os vi mais. Nos feriados às vezes eles ligavam, mas isso também foi rareando até parar de vez. E ano passado meu pai faleceu. Mamãe foi ao enterro e meu irmão, Michael, não me reconheceu. Lógico, eu também não esperava que a memória dele fosse tão boa assim. Ela fez novas promessas de voltar a aparecer... Mas nada aconteceu. E aqui estou eu, na pequena casa onde eu morei com meu pai. Sozinho.

   Mentira. Tem um maço de cigarros e uma garrafa de cerveja comigo. E o meu pinheiro torto e enfeitado com luzinhas. Estou extremamente bem acompanhado.

   Dei um gole na minha cerveja e, até onde eu sei, não sou tão fraco assim para o álcool, mas no momento em que senti o gosto amargo tocar minha língua, uma idéia estranha passou pela minha cabeça. E sem questionar muito eu a acatei. Levantei-me da poltrona, troquei minhas roupas velhas por roupas quentes e descentes – pois nevava lá fora. –, calcei meus sapatos e saí de casa. Era exatamente meia noite e cinqüenta, e o que eu decidi que seria o melhor a fazer nesse horário pelas ruas desertas de New York? Caminhar, claro!

   E lá estava eu! Um cara sem família e sem rumo pelas ruas brancas de New York. Até que era legal caminhar àquele horário afinal de contas. Tudo bem que qualquer maluco poderia me assaltar e me esfaquear sem problemas, porque mesmo que eu gritasse, as ruas estavam tão desertas que ninguém iria ouvir. Mas era agradável apesar do perigo. O vento frio batia no meu rosto, fazendo meu nariz ficar gelado. Até desisti de acender um cigarro, só para conseguir sentir o vento completamente, sem a interferência de nenhum tipo de fonte de calor. Era bom... E com essas sensações me ocorreu que fazia, de fato, bastante tempo que eu não saia de casa. Geralmente eu ficava lá o tempo todo, o dia inteiro. Não me lembro nem da última vez em que sai para fazer minhas próprias compras! Geralmente pedia para um funcionário do mercado embrulhar o que eu estava acostumado a comprar e entregar na minha casa.

   E, pensando assim, eu não sei o que me faltava para me fazer sair de casa: ânimo ou motivação.

   Imagino que sejam os dois.

   E, depois de dar mais um tempo apenas para os meus pensamentos sobre a vida vazia e estranha que eu estava levando, acabei por me encontrar no meio de uma praça um tanto escura e aparentemente vazia. O local era iluminado apenas por pequenas lâmpadas que piscavam, assim como as que eu tinha comprado para colocar na minha árvore torta. Elas não iluminavam muito bem, de fato, mas dava um quê de elegância àquele lugar de ar sombrio. Decidi achar um banco para me sentar e descansar as pernas, afinal de contas fazia tempo que eu não caminhava, devia estar ficando enferrujado. E foi com certa surpresa que avistei uma figura estranha – mais parecida com uma bola de tecido do que com qualquer outra coisa. –, encarrapitada em cima de um dos bancos. A coisa se mexia e eu, sem ter muito que perder, me aproximei apenas o suficiente para enxergar aquilo de outro ângulo sem ser notado.

   E foi então que eu vi que na realidade era apenas um ser humano como eu – o que me fez respirar deveras aliviado, se me permite ressaltar. –. Na verdade, era um garoto. Usando casacos demais, por isso a aparência estranha. Era bem pálido, e isso com certeza se intensificou devido ao frio, e tinha seus olhos fixos em algum ponto à sua frente, mas não parecia realmente estar observando nada. Seu cabelo era estranho, curto dos lados e pintado de loiro, e com uma franja longa e preta caindo sobre um pedaço do rosto. Não parecia triste ou feliz. Não parecia demonstrar emoções. E olha que eu realmente sou bom em perceber esse tipo de coisa por causa do meu trabalho (sou desenhista, portanto vivo para ler as expressões das pessoas e passá-las para o papel).

   Sem pensar muito, sentei-me ao seu lado.

   Ele não pareceu perceber de imediato, mas quando me notou ao seu lado, apenas virou o rosto para me encarar, os olhos vazios, opacos. Olhou-me de cima à baixo e voltou a olhar para frente.

- Está perdido? – eu perguntei. Ele parecia muito novo para estar andando sozinho pelas ruas. Ainda mais no dia de natal.

- Não. – ele respondeu simples. – Por quê?

- Porque hoje é natal. Sei lá, você parece novo. Sua família deve estar procurando você. – nem eu sabia de onde todo esse papo estúpido estava saindo, mas eu não podia evitar falar. Parecia natural e, mais uma vez ressalto o fato de que eu não tinha nada a perder.

- Não estão, não sou novo e eu simplesmente não comemoro o natal. – seco e direto. Ele virou o rosto na minha direção, e finalmente seus olhos aparentaram vida ao me dar uma nova análise. – E você, não tem nada melhor para fazer? – a frase soou bem rude, mas eu não me importei.

- Na realidade, não. – eu disse sincero, abrindo o casaco até o fim e sentindo um arrepio gostoso passar por todo o meu corpo. Eu adoro o frio. – Por que não comemora o natal? Religião? – eu prossegui, curioso.

- Não, convicção e inteligência. – ele disse convencido, e pude perceber um sorriso, mesmo que pequeno e arrogante, povoando seu rosto. Ele voltou a olhar para frente, mas não parou de falar. – O natal não existe, e eu acho que nunca existiu. É só um feriado idiota, mascarado por um fundo religioso, usado pelo comércio para faturar mais. Não vejo um por que para comemorar algo tão fútil.

- Eu não acho o natal fútil. – eu disse um tanto vago, procurando meu maço de cigarros na parte interna do casaco, logo o encontrando e acendendo um. Não ofereci para o garoto ao meu lado. Ainda me parecia novo, mesmo ele me afirmando que não era. – Apesar disso tudo que você me disse, o natal é uma data simbólica para você reunir todos os parentes, próximos ou não, na sua casa e comemorar por estarem juntos. Eu queria poder fazer isso de novo, mas perdi o contato com todo mundo. – ele me encarou, quando eu fiz uma pausa para dar uma tragada. Soltei a fumaça dos meus pulmões, mas logo prossegui. – Um natal solitário não tem sentido.

- Se os parentes que você não vê sempre te quisessem mesmo por perto, viriam te visitar com freqüência. – ele disse de forma seca, e eu apenas concordei mentalmente. – Natal é uma grande besteira. Uma jogada de marketing enfiada em nossas gargantas pelo capitalismo.

   E nessa hora eu não pude me conter e acabei rindo alto. Gargalhando, eu diria.

- Sério! Quantos anos você tem? Pelo seu discurso, parece que você aprendeu isso na escola ontem. – e eu ri mais um pouco, observando pelo canto do olho o garoto franzindo o cenho ao meu lado. Parecia bravo.

- Eu tenho vinte e três. Não que isso seja da sua conta, na verdade. – rude mais uma vez. – E se você cai nessas armadilhas do governo, a culpa não é minha. Sou uma pessoa crítica. – ele disse, se mostrando arrogante novamente. Olhou-me, desdenhoso. – E você? Quantos anos têm? Seus argumentos parecem os de alguém que ainda acredita em Papai Noel! – ele ficou realmente bravo.

- Eu tenho trinta e dois, e gostaria muito de ainda acreditar. As coisas pareciam mais fáceis naquela época. – eu traguei meu cigarro, que já se encontrava no fim, e joguei o resto dele no chão, apagando-o com a sola do sapato. Seus olhos, agora brilhantes de raiva, me observavam atentos em cada movimento meu. – E o mundo não se resume à realidade ou ao “sistema”! – fiz aspas com os dedos, ironizando suas convicções. – Isso é, se você quer mesmo saber a opinião de um adulto. – provoquei-o novamente. – Se ficar pensando muito racionalmente e se esquecer do seu emocional, vai acabar ficando louco.

- Eu fico louco com pessoas burras assim, que não vêem que o mundo é uma droga! – ele exclamou. Algo que eu disse devia tê-lo deixado exaltado. Será?

- É por isso que você vai acabar ficando louco. – eu disse calmo, encarando-o de volta. Seus olhos fixos nos meus. – Não sei se você já notou, mas o quanto mais você realça os defeitos do mundo, pior ele parece. O natal pode ser uma droga de uma jogada de marketing para os lojistas venderem mais, mas famílias esperam o ano todo para se reunirem nessa data. Pode não ser algo importante para você, mas para algumas pessoas é. Para mim seria importante. – seus olhos pareceram se acalmar. Sua expressão agora era neutra, e ele voltou a encarar algum ponto à sua frente

- Seus parentes morreram? – e, pela primeira vez em todo aquele diálogo, ele pareceu curioso.

- Digamos que sim. É, tecnicamente. E os seus, onde estão?  

   Observei-o abaixar a cabeça e sorrir triste. O maior sorriso que ele havia dado até agora. Bom, estava explicado então. É sempre assim, cada um lida como pode com os problemas familiares. Aquele garoto havia decidido expulsar seus sentimentos de si e culpar o sistema. Bem típico.

- Os de verdade, mortos. Os adotivos estão viajando. Depois que eu comecei a me vestir diferente e cortei meu cabelo assim – e ele apontou para a própria cabeça, agora novamente virado para mim. – eles decidiram dar um tempo de sair por aí me exibindo feito um cachorrinho de concurso. Devem estar esperando eu voltar a me “endireitar”, não sei.

- E eles te deixaram sozinho no natal? – perguntei, analisando a situação criticamente, e ele assentiu. Agora sim eu entendo porque ele odeia tanto o natal. – E se eles estivessem aqui você gostaria de comemorar com eles?

- Sinceramente? – ele perguntou, e foi a minha vez de assentir. – Não. Se eles estivessem aqui com certeza fariam uma festa enorme cheia de gente rica e esnobe, presentes caros e comida estranha. Ninguém que eu conheça. E nem eles, realmente. Todos uns bajuladores. Não tem aquele clima familiar de comercial de TV. É só uma troca de produtos e elogios falsos movidos por interesses. Por isso eu não acredito mais no natal. É uma utopia.

   Ele suspirou longamente depois de todo aquele discurso e voltou a olhar para frente, as mãos agora enfiadas dentro dos bolsos de um dos casacos que usava. E por um momento, vi certa tristeza no olhar que ele direcionava ao nada. A tristeza que ele, provavelmente, tentava mascarar com a raiva e um pouco de filosofia barata, escondendo-a inclusive de si mesmo. Tudo isso apenas para conseguir ouvir de seu reflexo no espelho um “Está tudo bem, em tenho argumentos plausíveis. Não estou triste!”. E olhar para ele me fez triste.

- Como é seu nome? – eu perguntei, sem deixar de olhá-lo.

- Frank. E o seu? – ele tentou parecer desinteressado no tom de voz. Não funcionou muito bem.

- Gerard. – ele sorriu minimamente parecendo sincero pela primeira vez na noite, e aquilo me fez sorrir involuntariamente também. Talvez aquele meu passeio rápido pela madrugada de New York não tenha sido tão despropositado assim. – E então, Frank... – olhei para o meu relógio de pulso e voltei a olhar para ele. – Ainda são duas e vinte e seis do dia vinte e cinco de dezembro. Está a fim de procurar algum bar para nós esperarmos esse feriado capitalista fútil passar? – assisti seu sorriso se expandir satisfeito, antes que ele respondesse.

- Por que não?

   E assim nós nos levantamos e saímos caminhando. Sabíamos que não haveria nenhum bar aberto àquela noite, portanto não adiantaria procurar, mas nós procuramos. E conversamos durante todo o caminho até que o dia começasse a clarear e nos despertasse de toda a nossa conversa para uma realidade diferente.

   Frank se despediu apressado quando paramos em frente à minha casa. Perguntei a ele se queria entrar. Ele recusou o convite. Ofereci carona também, mas não foi surpresa quando recebi outro “não” como resposta. Entrei em casa, então, da mesma forma que havia saído dela: sozinho. Deixei meus sapatos perto da porta, joguei meu casaco em qualquer canto, coloquei uma roupa confortável e subi para o meu quarto, fechando as janelas para que a claridade não entrasse. Naquele momento, uma sensação estranha me invadiu e senti um sorriso triste formar-se em meus lábios. Provavelmente eu nunca mais veria Frank. Fora apenas um encontro ocasional. E continuaríamos os dois com nossas vidas. Separados e sozinhos, cada um tentando cuidar dos próprios problemas.

   E, por um segundo, me ocorreu o pensamento “Então, por que nos encontramos?”.

   Deitei-me em minha cama, ainda sem receber resposta alguma do meu subconsciente, e desta forma adormeci.

   E devia ser um tanto tarde quando eu acordei com o som da campainha, visto que o sol já demonstrava sinais de que logo iria se por. Levantei estabanado, trocando de roupa e gritando um rouco “Já vai!” que eu sinceramente esperava que fosse ouvido por quem quer que fosse que estivesse batendo à minha porta.

   Eu só esperava que não fosse mais um daqueles corais cheios de crianças. Aqueles pirralhinhos incansáveis! Quando apareciam não paravam de cantar nunca!

   Desci as escadas, desajeitado, e abri a porta.

- Oi. – ele murmurou, sem saber exatamente como agir.

- Oi Frank. – e eu senti um grande sorriso tomar conta do meu rosto simplesmente por avistá-lo na minha soleira.

- Você disse que não gosta de passar o natal sozinho, então decidi te fazer uma visita. – ele murmurou, sem graça, o olhar dividido entre seus sapatos e meu rosto.

- Mas você não acredita no natal. – falei, em tom de provocação, e ele logo sorriu antes de me responder.

- Talvez eu possa fazer uma exceção.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam?
Não sou muito de escrever coisas tão curtas, mas não sei, o clima natalino acaba me inspirando!
Muito obrigada à você que leu até aqui!
Espero que tenha gostado, de verdade!
Um muito obrigada, e um Feliz Natal para você! ♥