Odisséia Sangrenta escrita por Moyaji


Capítulo 1
Bloody Odyssey


Notas iniciais do capítulo

Bloody Odyssey: Odisséia Sangrenta



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Bloody Odyssey

(Odisséia Sangenta)

 

 

Catarina era uma caçadora de homens.

Esta era apenas mais uma noite, e Inácio era a caça da vez.

O crepúsculo debruçava-se rapidamente. Sem perceber, ele foi arrebatado para o território dela, às sombras da macabra Rua do Arvoredo. Fisgado assim que a viu passar, indolente, por dentre a mal iluminada rua, não fez nada além de acompanhá-la com o olhar.

Espantou-se ligeiramente.

Nenhuma mulher ousaria sair de casa àquela hora. A Porto Alegre de 1864 era perigosa, traiçoeira. Vagabundos e escravos fugidos refugiavam-se entre as vielas penumbrosas, apenas esperando uma brecha para atacarem. Só poucos corajosos se aventuravam pelas ruelas após o soar do sino da Igreja Matriz. E por dois únicos motivos: aventura e sexo.

Inácio agora buscava um misto dos dois. Planejava se refestelar entre a bela e corajosa Catarina. Jamais vira mulher tão deslumbrante. O cabelo loiro solto, esvoaçando ao bel-prazer. Uma mulher esguia, segura de si. Ela aparentava saber exatamente o por que estava ali. Para Inácio, a noite estancou no momento em que ela cruzou a esquina. Ele ocultou-se entre uma das árvores que davam nome à rua. Árvores robustas, por sinal. Tão robustas quanto seu desejo instantâneo por Catarina.

Ele ficou observando-a se aproximar, enquanto sentia arrepios de desejo no baixo ventre. Ela andava calma e languidamente, como se quisesse provocá-lo. Devagar. Bem devagar.

Inácio, vendo que ela cruzava sua frente, ponderou abordá-la. Acovardou-se, visto que não teria chances, pensava. Era solteiro e pobre. No século em que estava, ser solteiro e pobre era o passaporte do fracasso no quesito mulheres. Ainda mais mulheres tomadas como damas, como Catarina. Embora ele já começasse a desconfiar de seu título de honra.

Ela o surpreendeu.

Virou vagarosamente o pescoço para trás, olhando-o nos olhos. Seria possível ela estar lhe observando? Ele ainda duvidava. Era evidente que ela o fitava, a sorte resolveu ser piedosa com Inácio naquela noite. Inácio convenceu-se, vendo que ela o observava por cima do ombro. Seu olhar lhe chamava. E ele aceitaria, obviamente.

Catarina lançou-lhe um último olhar, e então voltou seu pescoço para o devido lugar. Apontou o queixo para a frente, como que para dizer ao homem o caminho que ele deveria seguir. Ele a seguiu.

A rua de chão batido estreitava-se em alguns pontos, noutros alargava-se. Catarina continuava a caminhar lentamente, com Inácio atrás, a certa distância, precaução calculada para o caso de alguém os ver na rua. Ele ardia ainda mais.

De repente, ela parou. Inácio conhecia o lugar. Era a casa dela. Não poderia entrar ali, ele sabia disso. Catarina era a mulher do açougueiro, homem mal encarado e destemido. Ele sentiu vontade de dar meia volta e refugiar-se em seu quartinho apertado. Seu desejo diminuiu ao ponderar que o marido poderia apanhá-lo junto dela.

Catarina, com o olhar, não o permitiu fugir. Seus olhos de esmeralda lapidada reacenderam nele a busca pelo pecado. Ela adentrou o jardim, e ele avançou para o portão. Decidiu que entraria. Sua ânsia sexual não o permitiria desperdiçar a oportunidade.

Estancou na entrada do pátio, olhou os dois lados da rua. Nenhum lampião estava aceso. Era difícil enxergar, mesmo com a clara luz da lua cheia. Teve a certeza de que ninguém o veria entrar naquela casa, e então tocou-se para dentro.

Uma fêmea como Catarina se interessar por ele não acontecia sempre. Não acontecia nunca. Precisava aproveitar a chance proposta. “Hoje é o meu dia.”, murmurou para a própria gravata. Essa certeza lhe forneceu coragem.

Ela parou à porta, revoltou-se para trás e disse “Venha”.

Uma única palavra não deixava mais dúvidas em Inácio. Ela o desejava. E ele a desejava mais. O desejo já o eriçava os pelos da nuca. Ele não podia resistir.

Catarina entrou na casa, ele logo atrás. Dentro, viu móveis poucos e toscos, nada luxuoso. No centro da mesa, havia algo coberto com uma toalha branca. Decerto comida, logo imaginou. Na parede alguns retratos, possivelmente dos alemães que deram origem à Catarina. E do açougueiro, o marido dela. Estava na casa de outro homem, e logo estaria na cama dele, com a mulher dele.

Catarina aproximou-se, chegou bem perto e tomou-lhe a mão. O toque macio da pele da mulher o fez em um instante excitar-se ainda mais e esquecer os retratos, o perigo, o açougueiro e ele próprio. Desejava Catarina, só isso.

Ela o puxou por entre os móveis da sala, para um corredor. Poucos passos depois pararam em frente a uma porta fechada. Ela levou a mão displicente ao trinco e a abriu.

Era o quarto. Inácio sorriu. Queria gargalhar, na verdade. Segurou-se para não o fazer. Ele colocaria um par de chifres no açougueiro. Isso soava engraçado. Catarina continuou conduzindo-o, levou-o até a cama. Pôs as duas mãos em seu peito e o empurrou de leve. Ela então se afastou e, vagarosamente, desfez-se do vestido verde. Estava nua. Nem roupa íntima usava. Que tipo de mulher era aquela?

Deitou-se então sobre ele.

Inácio sentiu que a respiração lhe faltava. Ouviu um suspiro, que não veio de Catarina. Havia mais alguém na casa. Levantou-se, desfazendo-se do corpo de Catarina.

- Que suspiro foi esse? - Olhou debaixo da cama. Um penico e muita poeira foi o que viu. Sentou-se novamente no colchão, e ela o cobriu novamente com seu corpo. “Foi o vento”, cochichou. “Esta casa está cheia de frestas”. Ele confortou-se. Catarina acavalou-se nele.

Ele esqueceu o medo, esqueceu a vida. Ela começou a tirar-lhe a roupa. Em instantes Inácio estava nu, fazendo companhia à nudez de Catarina.

Ela o acariciou, e começou seu trabalho. Seus movimentos tomaram maior frequência e violência. Inácio deleitou-se por entre as pernas de Catarina.

Após o deleite, satisfeito, Inácio questionou:

- E o açougueiro, onde está?

- Você fala demais. Venha.

Mais uma vez ela disse “Venha”. Ele obedeceria. Ela levantou-se, ainda nua. Era a Vênus de Boticelli, nua e deslumbrante. Ele fez o mesmo. Logo após, o conduziu pela mão novamente à sala. Parou em frente à mesa, aquela em que havia a toalha branca cobrindo a provável comida.

Num gesto seco de mágico de teatro, ela puxou a toalha. A comida ficou exposta, confirmando as suspeitas de Inácio. Garrafas de vinho, pães, queijo, uma travessa com fatias de bolo, outra com lingüiças. Catarina buscou uma cadeira e ofereceu à Inácio. Ele sentou, sorrindo.

Estava se sentindo um rei. O próprio Dom Pedro, talvez. Comia com voracidade, com vontade.

Provou as lingüiças, por último. As deliciosas e famosas lingüiças do açougueiro. Porto Alegre inteira já provara o sabor delicioso das lingüiças de José Ramos, o açougueiro da Rua do Arvoredo. Agora era sua vez. Concluiu que elas eram de carne suína, num leque pequeno de possibilidades. Deliciosas.

Lambeu os dedos.

Viu Catarina bater com um garfo no copo, como se chamasse uma criada. Dois toques. Será que haviam mais guloseimas? E aquelas divinas lingüiças, de onde vinham? Onde criavam os porcos? Se comesse delas diariamente se tornaria um gordo, concluiu.

Olhou para Catarina.

- De onde é que...

Não concluiu a frase. Num instante, o chão se abriu, a sala desapareceu da visão de Inácio, e ele mergulhou na escuridão.

Inácio se chocou contra o solo duro, de chão batido. Gemeu. Contorceu-se. Não conseguia se mexer muito. Várias partes do corpo lhe doíam. Teria quebrado algum osso? Onde estava? Olhou para cima. Viu o quadrado de luz que vinha do teto. Era o alçapão. Três Inácios, um em cima do outro, não alcançariam o alçapão. Ele viu que não alcançaria o teto. Tentou se erguer. Pensou em gritar, quando algo se moveu na escuridão. Ele forçou os olhos.

Uma forma humana estava parada de pé, juto a uma coluna. Inácio sentiu o pavor lhe comprimir o peito. O que era quilo? Quem era?

- Quem está aí? - gritou, voz trêmula.

Nenhuma resposta. Ele ofegou. Sentou-se, enfim, com grande dificuldade.

E o enorme vulto de um homem saiu da sombra. Inácio fitou-o, cheio de pavor. Era a visão mais horrenda de sua vida. Tinha bem uns dois metros de altura. Vestia um avental ensangüentado. Levava nas mãos um machado enorme. O homem lançou-lhe um olhar cruel. Era o próprio Mal que o encarava.

Nu, sentado ao solo, indefeso, In´cio se encolheu. Queria gritar, mas sentia um misto de vergonha e pavor. Não conseguia desgrudar os olhos do homem ameaçador.

Então o reconheceu.

O açougueiro. Sim, só podia ser José Ramos, e isso o confortou por um instante. Ele o conhecia, não era nenhum monstro, nada inumano, sobrenatural. Já se viram na rua, se cumprimentaram. Era possível negociar. Talvez Ramos quisesse dinheiro, talvez estivesse furioso por Inácio ter dormido com a mulher dele. Era isso. Ciúmes.

- Senhor Ramos, eu...

Foi interrompido outra vez. Era uma noite de frases incompletas para Inácio. Viu Ramos fazer um movimento rápido com as duas mãos, um gesto enérgico e feroz. A princípio, não entendeu bem o que aconteceu. Apenas sentiu um forte baque que lhe fez tremer a testa, o pescoço, a espinha dorsal, o corpo inteiro. Então, a confusão, a dor imensa, a compreensão derradeira de que estava com uma lâmina, a lâmina do machado, fincada entre os olhos. Queria falar algo, queria se queixar, queria tirar aquilo da testa, mas tudo escureceu.

Ramos não deixou que o corpo de Inácio desabasse. Susteve-o pelos cabelos. O machado cravado na testa dificultava-lhe os movimentos. Postou-se atrás do corpo. Apoiou as costas de Inácio em seus joelhos. Com a mão esquerda, tomou-lhe o queixo. Puxou para cima. O pescoço ficou bem à mostra, branco, pomo-de-Adão saltado. Levou a mão direita às costas. De lá, trouxe um facão. Num único e vigoroso golpe, abriu um talho na garganta de Inácio. Não precisava fazer aquele talho, mas sentia prazer nisso.

Agora, bastava desossar o sujeito.

Amanhã, bem cedo, Porto Alegre inteira já teria novas e saborosas peças de lingüiça disponíveis no balcão do açougue da Rua do Arvoredo.

 

 

~~> Sim, esta é um história real, ocorrida em Porto Alegre entre os anos de 1863 e 1864. Quem duvidar, jogue no Google e obtenha a resposta ;D

O macabro açougue da Rua do Arvoredo era alimentado pelas vítimas atraídas pela bela e misteriosa Catarina, que proporcionava uma noite de prazer aos homens e após os entregava ao marido psicopata José Ramos,  que os matava prazerosamente e usava suas carnes para fazer linguiça, esta apreciada em toda a cidade. Tudo friamente planejado pelo casal.

Os crimes da Rua do Arvoredo assombraram a minha querida cidade quando vieram à tona, e até hoje ainda são motivo de curiosidade. José Ramos foi um dos únicos serial killers noticiados em território brasileiro.


E aí, rolam uns reviews? O.o

 


 


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