Pude logo reconhecer que se tratava de uma carta, a caligrafia era bela e transmitia ter sido caprichada.

 A carta dizia:

 Olá!

 Bem, se você está lendo isso – isso vai soar como as cartas de despedida de filmes de terror, posso até prever –, eu já fui visitar os anjinhos – sim, ANJINHOS, porque eu sou uma boa menina e vou para o céu, sem falar que o inferno é quente demais e eu ODEIO calor, fico vermelha e suada, isso é nojento... E faz mal à pele também – eu acho. E se não faz, eu digo que faz, estou morta e vocês devem respeitar a minha opinião.

 Vamos deixar de bobagem...

 Escrevi uma carta para cada pessoa importante nessa minha linda vida QUASE vazia – entre elas, minha mãe e meu irmão –, por sorte vocês existiram para não deixar que eu passasse esses breves anos de minha vida sem ter aproveitado um pouco. Cada carta diz algo diferente, e esta é para você, Gerard...

 Eu sei que não fui uma boa garota, sei que lhe dei um tiro, que sequestrei seus filhos, que torturei sua esposa, mas... Eu te amo.

 Pense e se coloque em meu lugar. Como é viver amando alguém que só tem olhos para outra? Mesmo que essa “outra” já seja casada e não queira nada com ele... Aí, em um belo dia, essa “outra” o mata, tira de você a única pessoa que ainda podia lhe fazer sorrir...

 Eu precisava me vingar dela! Layla o tirou de mim! Mas aí... Você apareceu.

 Quando eu lhe conheci depois de ter lhe dado aquele tiro, percebi que Layla era uma maldita sortuda! Ela tinha você, que a amava incondicionalmente, que tinha dado-lhe uma família.

 Pensei seriamente em matá-la e dar um jeito de ter você para mim, mas percebi o quão idiota isso seria... Minha vida, Gerard, estava girando em torno de ter o que Layla tinha.

 Eu sempre fora a segunda opção, Layla era quem Brendon amava, Layla era quem você amava, Layla era a mãe de seus filhos, Layla, Layla, Layla, Layla! Eu estava farta de Layla!

 Então... Aqui está você, lendo isso, porque eu finalmente criei coragem de fazer o que devia ter feito há muito tempo... Eu não conseguiria viver mais sabendo que estava amando você e que Layla o tinha, seria mais uma “perda” pela qual eu não suportaria passar.

 Peço desculpas por tudo que fiz, lamento, lamento mesmo. E sei que pode ser muito clichê, mas foi por amor, a única coisa que ainda restava de bonito na minha vida. Sei que você pode não acreditar, mas tudo bem, o que importa é que eu sei o amor que carreguei dentro de mim, sei o quanto ele foi real, e, principalmente, sei que ele era bonito e verdadeiro, como nunca foi por ninguém – muito menos por Brendon.

 Espero que lhe entreguem essa carta – espero MESMO, porque não quero ter que levantar de meu túmulo para lhe dizer tudo isso de novo, até mesmo porque eu não lembraria claramente de todos os detalhes dessa carta, ou acrescentaria ainda mais coisas. Além de que você iria ficar um pouco assustado se me visse de novo – muahaha.

 Eu te amo, Gerard... Espero que seja feliz agora, que finalmente tenha paz. Desculpe por tudo, principalmente por minha bipolaridade nesta carta e por meu pequeno transtorno mental.

 Ah, se eu tiver esquecido algo, faço uma visita – LOL – ou mando um e-mail.

 Com amor, Malu.

*

 Terminei de ler a carta e me peguei chorando. Malu o amava.

 Eu estava me sentindo um monstro. Tudo o que Malu passou havia sido minha culpa, eu nunca percebera isso, mas agora estava tudo muito claro. Ela tinha motivos para me odiar.

 Era incrível como, sem nem mesmo a conhecer, eu já havia acabado com a vida dela quando matei Brendon. Era incrível também como eu estragara sua vida apenas pelo fato de ser esposa de Gerard, de termos uma família. Como tudo podia ser tão interligado assim?

 - Ela te amava – falei, secando meu rosto.

 Gerard levantou seu rosto, mas sem olhar para mim. Lhe entreguei a carta novamente.

 - A culpa é toda minha – ele disse, fungando. – Eu podia ter impedido, ela podia estar viva se eu tivesse feito algo!

 - Não, a culpa não é sua, Gee – afaguei seu rosto. – A culpa é minha.

 Gerard olhou para mim, sem entender.

 - Acho que eu devia ter morrido naquele primeiro acidente, quando fui atropelada – continuei. – Acho que essa era a ordem das coisas. Se eu tivesse morrido, Brendon talvez daria mais atenção à ela, e, se não desse, talvez ela lhe conhecesse... Talvez fosse ela quem devesse estar com você.

 - Não ouse dizer isso – ele me encarou, atônico.

 Mas era a verdade, agora fazia sentido. Talvez tenha sido por isso que eu quase morri tantas vezes, era o “destino” – se é que isso existe – que estava tentando fazer o que era certo.

 - Se eu tivesse morrido, ela estaria viva – continuei. – Essa devia ter sido a ordem das coisas.

 - Não, Layla! Se você tivesse morrido e ela estivesse viva eu não estaria casado com ela – ele disse.

 - Mas poderia estar – insisti.

 - Você não entende? É você quem eu amo, e se você tivesse morrido eu não estaria mais aqui! Eu teria morrido também! – ele disse, com os olhos cheios de lágrimas novamente.

 Não respondi, apenas o abracei forte. Mesmo assim, eu ainda pensava em como tudo podia ser diferente se eu tivesse morrido...

 - Eu te amo – Gerard disse em meu ouvido.

 - Eu te amo também – respondi, dando um beijo em seu pescoço.

 Depois de alguns minutos Helie acordou, estava com cólicas. Gerard deitou na cama colocou-a deitada sobre seu abdômen até que ela dormisse novamente, era incrível como, mesmo sendo um tanto inquietos, Helie e Arth ficavam extremamente tranquilos quando estavam com Gerard. Eles reconheciam o pai.

 Gerard chorou mais uma vez naquela noite, ele ficara muito abalado com a carta de Malu, mas eu sabia que isso era normal. Assim como eu, ele estava se sentindo culpado pelo o que acontecera.