Meus cabelos longos, ondulados e ruivo claro estavam amarrados em meu costumeiro rabo de cavalo alto. Estava curvada sobre a mesa de pedra em nossa sala de jantar montando uma pequena nave com muita atenção. Aberto do meu lado esquerdo havia o manual de instruções aberto da parte em que pulava algumas fases para que a pessoa botasse os miolos para funcionar. Do lado oposto estava quatro clones. Um Clone Trooper com detalhes verde, outros dois quase completamente laranja e um batedor simples. Nos meus ouvidos tocava o tema de Mestre Yoda em fones discretos para me tranquilizar enquanto queimava a cabeça em uma, [i]uma[/i] reles parte da traseira da nave que, por alguma razão não ficava como deveria.

– Cara... - murmurei cansada, deixando as peças sobre a mesa e indo ao encosto da cadeira. Esfregando os olhos depois de tirar os fones, respirei profundamente para me recompor.

Já não sabia mais há quanto tempo estava ali, montando algo simples comparado à minha grande ambição: um Destroier Imperial... de 300 reais. Mas aquilo era um mero detalhe. O que realmente me preocupava era o fato de estar enrolada com aquilo enquanto um Destroier era [i]muito[/i] maior. Franzindo a testa sem ao menos passar um minuto, voltei a me curvar perante as peças.

Desde pequena fora interressada por Star Wars graças a meu pai, apesar de assistir os filmes mais tarde. Como fã do Darth Vader, foi o primeiro personagem da série que me apresentou, seguido da Milenniun Falcon, nave de seu também favorito Han Solo. Logo via-me interessada por filmes que a maioria julgava ultrapassada e logo fui catalogada na escola como "Nerd" sem ter com quem conversar sobre. Com poucos amigos e boas notas, passava a maior parte do tempo entretida com vídeos, games, séries animadas, filmes e livros. Não tinha bom relacionamento com minha mãe e detestava meu irmão mais novo. Nada de especial.

Dez minutos mais tarde e havia terminada. Admirava com orgulho os clones e a nave recém-montada. Soltei uma risadinha abafada. Só agora entendi porquê a Lego fazia tanto sucesso: era gostoso montar, por mais bobo que parecesse no início! Não demorou e logo me imaginei conversando com os "bonequinhos" como se fossemos bons amigos.

Suspirei.

– Bem que essa vida monótona podia ter um pouco de ação... - falei baixo e frustrada. Um sorriso triste e acariciei com o dedo o clone com detalhes verde. - Né?

Mesmo sendo apenas objetos, colocara meu coração em sua montagem e agora os amava. Mamãe vivia me criticando por isso, o que aumentava a dose de amor que eu investia nas minhas criações. A razão: temor cada vez maior de nunca ser correspondida.

Sacudi a cabeça com força de um lado para o outro. Aquele papo outra vez! Argh!

Pegando a nave e os bonecos, levei-os ao meu quarto, segurando-os como se fossem a coisa mais preciosa do mundo. Coloquei-os na cama em que punha minhas tralhas, paralela a que eu dormia, arrumei-os de forma como se recebessem um companheiro que acabara de pousar e ouvi minha mãe gritando do andar de baixo, de onde saí.

– Cristina! Jantar!

– Já vou! - gritei em resposta.

Caminhei para a porta e antes de fechá-la às minhas costas, parei e olhei por cima do ombro. Triste, pensei "Bem que eles poderiam estar vivos mesmo..." e deixei-os, batendo a porta sem querer, sozinhos em sua mudez, surdez, cegez e imobilidade.