As Crônicas de Gregório Santos escrita por CaioLinkin


Capítulo 1
Capítulo 1 - Motivos?




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Osasco, 27 de junho de 2004.

 

Duas batidas na porta.

            - Acorda, filho. Você vai se atrasar.

            Já passava das seis e meia da manhã. A dona da voz, que insistia em bater na porta, era sua mãe. Gregório trancava a porta do quarto sempre que ia dormir. Não gostava de acordar cedo para ir para a escola e sabia que, caso a porta ficasse aberta, seria acordado antes das seis. Com a porta trancada, sua mãe só lhe perturbava mais ou menos no mesmo horário.

            Gregório sentou-se na cama e olhou para a fresta por baixo da porta. A sombra de sua mãe indicava que ela ainda estava ali.

            - Me atrasei de novo. Não é, minha rainha? Chego lá em quinze minutos, não se preocupa, okay?

            O garoto Gregório tinha esse defeito: não conseguia parar de mentir. Era uma compulsão. Às oito horas e quinze minutos da manhã chegou na escola. Não queria estudar, nunca gostou de ler ou de aprender. Aos dezessete anos de idade, ainda cursando o primeiro ano do ensino superior, ele sabia do que gostava: garotas. Não era o mais popular, nem o mais atraente da escola, mas ele sabia como conseguir as garotas certas.

            Todos os olhos se viraram para ele quando entrou na sala. O professor teve que interromper.

            - Gregório, já passou das oito, você deve esperar no corredor e entrar apenas na próxima aula.

            - Desculpe, senhor Gibbs, só gostaria de falar com a Carina.

            A turma sempre se espantava com a cara de pau do rapaz. Um zumbido correu a sala. Risadas inesperadas nunca eram bem-vindas na aula do Professor Gibbs.

            - Sai daqui, garoto! Não vou tolerar mais a sua impertinência! Já pra diretoria.

            - Okay, professor, foi mal. – Foram as palavras de Gregório, antes de sair dando uma piscada de olho para a jovem Carina.

            Gregório sabia que a garota viria atrás, diria que precisava ir ao banheiro, qualquer coisa. Sentiu, inicialmente, uma ansiedade quando aporta abriu e muita tristeza quando dela saiu Alexandre Ramos.

            - Cadê meu dinheiro, filho da puta?! – Alexandre era alto e forte, pelo menos duas vezes mais que Gregório. Não era inteligente enfrentá-lo.

            - Olha aí! Grande Ramos! Como anda a família? – Gregório estendeu a mão, para que Alexandre a apertasse.

            Ao invés disso, Alexandre agarrou o colarinho de Gregório e o prensou na parede.

            - Olha, Santos: eu pareço e tipo de cara paciente?

            - Você parece o tipo de cara que surraria até a mãe, ‘Lex. Eu entendi o recado.

            - Bom, por que eu preciso desse dinheiro pra hoje, até as seis da noite. Não é que eu precise, mas eu quero fazer uma festa no fim de semana e sabe como é, não é?! Eu gosto das coisas bem confortáveis.

            - Você vai ter seu dinheiro, cara. Hoje temos aula de educação física, certo? Você me da uma carona até em casa antes do final da aula e eu te dou a grana, okay?

            - Mas você é folgado, heim?!

            - Vamos lá garotão. Você não vai perder a chance de conseguir uma grana boa, não é? Eu tenho uma parte aqui. Mas é pouca coisa. Eu perderia a hora se eu tivesse que sair no meio da aula e voltar até aqui. Me dê uma boa carona, certo?

            Alexandre soltou Gregório no chão, balançou a cabeça de maneira afirmativa e voltou para a sala.

            Enquanto Gregório pensava “filho da puta”, a jovem Carina saiu da sala, olhando de maneira estranha para Alexandre. Era linda, tinha o mais belo par de coxas de toda a escola.

            - Olá Gregório, pensei que você não viria me ver hoje. O que aconteceu?

            Conversar com Carina sem ter uma vontade incontrolável de agarrá-la era praticamente impossível. Mas Gregório acabara de ganhar uma grande preocupação.

            Em menos de trinta minutos, estavam na rua. A grande Osasco abrigava milhares de jovens na mesma situação de Gregório. Garotos de classe média alta que nunca se esforçaram para largar o vício. A noite passava corrida. Pessoas iam e vinham, preocupadas demais em se afundar em seus próprios problemas para se preocupar com o pedido de socorro de senhoras que tinham suas bolsas roubadas, ou caminhões que tinham seus estoques roubados. Por isso era fácil conseguir dinheiro.

            Enquanto contava as notas no caminho de volta à sua casa, Gregório lembrou de como adoraria ter comido Carina naquela tarde. Mas tinha mais coisas pra fazer. Alexandre Ramos certamente o mataria se não entregasse o dinheiro todo. Ao chegar em casa, contou a grana e sentiu-se aliviado: setecentos e sessenta reais. “Cara, isso é coisa pra caralho!”. Olhou para o relógio: seis e vinte da noite. Já passara da hora do combinado e ele não fora para a escola. Alexandre Ramos certamente iria atrás dele para pegar a grana.

            Gregório pegou todo o seu dinheiro e colocou dentro de um envelope. Guardaria o envelope na gaveta. Quando a abriu, deu de cara com um segundo envelope, que tinha escrito “Alexia” em sua lateral. Fintou o envelope por uns instantes. Ficou em dúvida: com qual deles receberia o visitante que estava prestes a chegar?

            Alexandre chegou em frente à casa de Gregório. Estava enfurecido. Trazia uma pistola com silenciador na cintura, se o engraçadinho não lhe pagasse, perderia a vida ali mesmo. Tirou o celular do bolso, discou o número de Gregório. “É melhor atender, cuzão de merda!”

            - Alô?

            - Gregório, seu filho da puta. Tô em frente à sua casa. Você tem dois minutos pra descer com a porra da minha grana, você sacou?!

            - Olha cara...

            Alexandre desligou. Olhou para o relógio. Ficou em dúvida se queria a grana ou a cabeça de Gregório. No mundo das drogas, as coisas funcionavam assim. Alexandre vendeu droga para Gregório, que não tinha grana pra pagar e estava longe de ser “marinheiro de primeira viagem”. Resultado: Alexandre deu parte da grana para os traficantes de verdade. Um “aviãozinho” não tinha poder para abater dívida de ninguém. A grana que Gregório daria hoje era apenas para abater parte da dívida que ainda faltava a dar aos traficantes. Depois disso, Gregório ainda devia duzentas pratas a Alexandre.

            O portão se abriu, Gregório vinha com um envelope na mão. Alguma estava escrita na lateral, provavelmente a quantia contida no envelope. Alexandre se irritou, gente burra era foda!

            - Saca só, ‘Lex, vamos dar uma conferida pra ver se está tudo certo, okay?

            Gregório colocou a mão dentro do envelope e enquanto a tirava do mesmo, jogou-o no colo do colega. Assim que o envelope tocou Alexandre, ele pode ler suas escrituras; “Alexia”. Um frio lhe percorreu a espinha.

            Um clique de arma sendo engatilhada. Alexandre não teve coragem de olhar para a cena, continuou olhando para frente. O tempo pareceu parar. Segundos se arrastaram como minutos. Muitas coisas viam na cabeça, mas nenhuma delas foram ditas. Memórias arrombaram os pensamentos de Alexandre Ramos, que há muito tempo atrás era conhecido como Ramos dos Santos.

            - Eu gostei do nome, é em homenagem a ela? – Alexandre disse, contendo o choro.

            - É tão linda quanto ela, não é?

            ‘Lex olhou para o lado. Uma Glock 9mm cromada estava apontada para a sua cabeça. Tinha o cabo com detalhes de couro. Era uma ironia usar o nome de uma menina para batizar uma arma. Mas, de maneira estranha, elas tinham muito em comum. Alexia fora o amor da vida de Gregório dos Santos e sempre fora apaixonada por Alexandre. A menina era linda. Vestia roupas ousadas, blusas apertadas, com barriga de fora, realçando os seios fartos. Saias curtas e leves, que fazia todos os meninos darem a vida por uma leve brisa, que mostraria os quadris mais cobiçados da cidade. No final das contas, Gregório nunca pôs as mãos na sua amada. Alexandre a namorou por três meses, até a menina descobrir que tinha câncer. Ela morrera há nove meses atrás.

            - Exatamente quando eu ganhei essa belezinha. Foi uma jogada de sorte. Cartas, você gosta?

            - Ah, Gregório, você era meu pato, não era?

            - Há! A morte da namoradinha te deixou louco, não é?

            A grande questão era que a amizade dos dois parecia inquebrável. Como é cruel o mar dos sonhos: nos deixa construir barcos enormes para acha que podemos nos aventurar. Mas, na verdade, descobrimos que construímos apenas caixões imensos. Quando Alexandre começou a namorar Alexia, Gregório ficou louco. Parou de falar com o amigo, o ameaçou de morte, mas achou que nunca mataria um amigo. Como o destino é irônico. No fundo, talvez, ele estivesse apenas, esses anos todos, procurando motivos para apontar uma arma para a cabeça do rival. Agora, Alexandre morreria ali e seria pela linda Alexia.

            - Cara, a gente precisa conversar... – Alexandre tentava argumentar

            - Dirige – Disse Gregório enquanto entrava no carro.

            Os dois foram para uma parte separada da cidade. Na periferia. Pessoas morriam ali quase todos os dias. Mais um não faria diferença. Pararam embaixo de uma ponte não muito movimentada. Era pouco provável que algum carro parasse ali.

            - Sai do carro. – Gregório não queria perder tempo – Sai do carro, porra!

            Alexandre obedeceu. O coração palpitava. O silencio do lugar congelava a cena. Mil memórias na cabeça. Abraços, risadas e conversas. “Você vai ser meu amigo pra sempre, não vai?”. Vida de merda! “Cara, eu gosto da Alexia, mas não conta pra ninguém, ta bom?”. Gregório sempre confiara nele. Vida de merda, mundo injusto! Depois da morte da amada, Alexandre e Gregório de meteram com drogas, cada um com a sua turma. Não eram mais amigos.

            - Cara, ta tudo bem. Não precisa me dar a grana, okay? Deixa eu ir, eu pago tudo. Não sei como eu vou arranjar o dinheiro, mas eu pago. Não precisa me matar só por que você resolveu dar uma festa com pó liberado, cara.

            - Cala a boca! Vou matar você e vai ser agora!

            Uma sirene de polícia cortou o silêncio do lugar. Gregório olhou para o lado. Uma viatura se aproximava. Merda! Hora errada! Gregório tinha uma arma apontada na direção da cabeça de Alexandre. Longe o bastante para evitar um combate corpo a corpo e perto o bastante para não errar o tiro. O policial não teria muita coisa pra fazer.

            O carro parou, um policial saiu de dentro dele e, antes que puxasse a arma, Gregório avisou.

            - Se você se meter eu estouro os miolos dele!

            - Calma, garoto! De que adianta tomar uma vida e perder a sua? Você vai aproveitar alguma delas?

            - Cala essa porra dessa boca! Você não tem nada com isso! Vaza!

            - Você me pede pra, simplesmente, virar as costas e deixar que você mate uma pessoa? Garoto, você vai apertar esse gatinho e vai matar o grandão aí. Mas eu garanto que, aos poucos, você vai morrer por dentro. Se não for de arrependimento, você vai morrer de porrada na delegacia. Se sobreviver, vai morrer de porrada na prisão. Você não tem saída, joga a arma pra mim que tudo isso acaba bem.

            Merda! Gregório não sabia o que fazer. Não podia ser preso. A mãe não sabia de seu envolvimento com as drogas, como reagiria? Morreria! Mas e agora? Já seria preso! Merda! Por que não matara Alexandre na porta de casa?! Depois era só jogar o carro num rio. Mas que merda! Pensou por um instante. Não queria ir pra cadeia. Se apontasse a arma na direção do guarda? Não, não. Má idéia, Alexandre poderia reagir. Eram dois contra um, a coisa podia complicar. Nada garantia que Alexandre não tinha uma arma na cintura. Merda! “Melhor pensar rápido”.

            - Olha só, se eu deixar ele ir, não vou ser preso, certo?

            - Garoto, se você deixar o grandão ir, eu vou pra sua casa, converso com seus pais, podemos ver o que é melhor pra você. Cadê teu pai?

            - Não! Eu moro sozinho com a minha mãe, ela não pode saber! Meu pai mora no Rio, você não pode falar com ele.

            Alexandre se limitava a prestar atenção no desenrolar da conversa. Algumas vezes, tentou tirar a cabeça da minha de Alexia, mas Gregório tinha a atenção facada nele também. Se tivesse tempo, puxaria a sua arma. Daria um tiro nas pernas de Gregório. Mas mataria o ex-amigo e poderia alegar autodefesa.

            - Tudo bem garoto. Larga a arma que eu só te levo pra casa. – o policial começou a andar na direção de Gregório, com a mão estendida.

            Passos cautelosos em sua direção. A cabeça parecia explodir. Olhou para Alexandre. Suado como um porco. O que fazer? Achava que o policial mentia. Não poderia ser preso, certo? Era menor de idade. Mas não tinha certeza, estava nervoso. Merda. Não queria ser preso. O policial iria prendê-lo, claro que iria! Não podia ser preso, tinha que fazer alguma coisa.

            Alexandre se assustou quando Gregório tirou a mira de sua cabeça. O amigo havia ficado louco! Apontava a arma para o policia. “Droga, Gregório, seu burro!”. O policial foi mais rápido. Era treinado para isso. Quando a arma saiu da reta da cabeça do rapaz alto, ele sacou a arma e, com um movimento veloz, disparou contra a barriga do pequeno garoto. O som do tiro ecoou pelo lugar. Não era apenas o som do eco, era um segundo disparo, acertando sua perna direita. Gregório tentou manter a concentração, mirou o policial. Um terceiro disparo, acertando o antebraço da arma. Alexia caiu no chão, sem apresentar mais perigo. Gregório de joelhos, cedendo, em seguida, o corpo. Estava de bruços, derrotado.

            - Ah, moleque. Já apaguei mais de dez da sua laia, você sempre fazem as escolhas erradas. Mas suas crônicas de marginalzinho terminam aqui.

            O policial apontou a arma para a cabeça de Gregório, que estava indefeso. Abriu um sorriso. “Mais um caso resolvido sem burocracia”. Alexandre se apressou, seu amigo morreria. Tirou a arma da cintura, mirou na cabeça do policial. Exitou um segundo, nunca havia matado ninguém, mas sabia atirar. Estourara alguns joelhos por aí.

            Gregório só pensava na mãe, em casa. Doente do coração. Como reagiria? Que Deus guardasse um lugar pra ela. Ele não merecia, jogara a vida fora. Mas ela batalhou bastante a vida inteira, merecia descansar ao lado do Pai Celestial.

            - Ah, ‘Lex. Se eu tivesse uma segunda chance. Só mais uma chance. Só mais uma, pra concertar tudo. – Disse Gregório sem nem ver o amigo. Não tinha o direito de pedir mais vida, não depois de quase matar o amigo. – Eu concertaria tudo. Deixaria Alexia pra você. Talvez eu levasse a Carina a sério. Ela sempre me amou, não é? E eu sempre a usei. Há, como essa vida é irônica não é, amigão?

            A arma disparou. A bala cortou o ar por longos milésimos. Gregório já aceitara a morte, o policial queria mais sangue e Alexandre não queria perder a chance de pedir desculpas ao amigo. Foi por esse pedido de desculpas que faltava, que os miolos do policial explodiram. O pejétil atirado por Alexandre foi preciso e rápido o suficiente para salvar a vida do amigo.

            Uma mancha longa de sangue sujou Gregório. Que fechou os olhos, assustado. Girou a cabeça, fraco, quase desfalecido. O amigo lhe salvara a vida. Via Alexandre de pé, com a arma ainda estendida, lágrimas nos olhos.

            - Obrigado, meu amigo. Mas não sou digno de nem mais um segundo nessa vida.

            - Cala essa boca, Gregório. Vou te levar para um hospital. Não vá perder a porra da segunda chance que você tanto queria e eu estou te dando. Segura essa merda de vida e não me faz ficar arrependido pelo que acabei de fazer.

            Alexandre Pegou a carteira do policial. “Paulo Miguel Freitas”, tinha o mesmo tipo sanguíneo que o seu. “Há, como se seu fosse precisar”.

            O grande amigo botou o pequeno idiota no banco de trás do carro. Correu até um hospital, onde deixou o amigo. Seria mais uma vítima de balas perdidas. Tinha mais um problema, agora. Sabia como se livrar das armas. Mas não se livraria de Alexia. Queria uma ironia, queria poder, no futuro e pela segunda vez, dizer que roubara Alexia de Gregório. “Há, há... Espero que ele não me mate”.

 

 


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Notas finais do capítulo

Esta história continua. Não esqueça de comenta-la.
Criticas ajudam na evolução da estória.