O sol banhava as ruas da cidade, entupidas de carcaças queimadas de carro, corpos, aparelhos domésticos, e até pedaços dos prédios que tinham sido incendiados. O ambiente estava completamente morto. Nas paredes podiam se ver manchas de sangue, algumas com o formato de mãos, outra irregulares, e algumas que se estendiam até outras ruas. Inúmeros buracos no asfalto preenchiam as ruas, para onde quer que se fosse, e eram um convite aberto para os descuidados caírem. Uma breve, e suave névoa de poeira banhava a toda a cidade, dando-lhe um aspecto que beirava a completa desolação.

Se não fosse por eles.

Caminhando, rastejando, se arrastando sobre uma só perna, ou simplesmente parados, observando o nada, eles eram os novos habitantes desta cidade morta.

Com olhos inexpressivos, uma pele já verde, de tanto tempo já apodrecida, vários hematomas e buracos em seus corpos, deixados pelas lutas, fosse em essa, ou em sua vida passada, eles estavam ali, apenas á espera.

Um pouco mais distante, na rodovia, três vultos se movimentavam, através a plantação de milho, já completamente seca, e amarela.

— Putz ... que sede que deu agora. — Disse o moreno alto, que andava a esquerda, próximo a rodovia. — Lass, tem algo diferente de água da chuva para se beber ai?
O rapaz da outra ponta, fitou o moreno.

— Conforme-se Sieg, a não ser que queria beber é sangue, é melhor se contentar com a água da chuva...

Os passos do jovem albino foram parando lentamente, enquanto seu tênis fazia um crac ao pisar nas plantas mortas. O olhar dele se dirigiu até o outro lado da pista, onde havia uma loja de conveniência, e pousou, sob a superfície brilhante, da máquina de refrigerantes... não sem antes cruzar através dos zumbis.

O moreno acompanhou o olhar dele, e assim que viu, abafou um riso em seu blazer.

— Hahahaha, sério mesmo? Logo uma máquina de pepsi twist aqui?! Hahahahaha, só rindo mesmo. — A pequena garota que andava entre eles, até agora de cabeça baixa, virou o rosto na direção do moreno, e assim que o viu sorrindo, corou e voltou a abaixar a cabeça, o mesmo decidiu fingir que não viu o gesto dela, e voltou a falar. — E então Lass, quem agora vai querer beber sangue hein? — O sorriso no rosto dele ainda não tinha desaparecido, e sua face demonstrava logo que estava só a espera de um deslize do outro, para poder tirar sarro.

— Pois é... creio que vamos ter que deixar essas latinhas para os zumbis, creio que eles vão se divertir com elas, vamos. — O albino virou, e segui caminhando, até ouvir a voz brincalhona de novo.

— Vejo mechas amarelas em seu cabelo? Mas que coisa, achei que fosse capaz de ir pegar seu refrigerante preferido.

O sorriso alargou-se ainda mais no rosto do moreno, quando Lass virou-se para lançar um olhar congelante pra ele, enquanto cruzava os braços.

— Challenge accepted.

Sieghart ficou boquiaberto, enquanto Lass soltava sua mochila no chão, e pegava seu taco de cricket, cuja ponta já havia se partido, deixando-o com um aspecto ameaçador de lança, o lugar onde se partira, estava sujo de sangue, já seco pelo tempo.

— Lass... não precisa fazer isso. — A pequena agora olhava para cima, na direção do albino, já determinado a fazer o que pretendia. — Você não precisa provar nada a nimguém... não precisa provar nada a gente.

— Se engana, se acha que estou fazendo isso para provar alguma coisa, eu simplesmente quero aquele refrigerante, e vou pegar ele. — E assim deu as costas a garota, que voltou a murmurar baixinho, enquanto abaixava a cabeça novamente.

Lass sequer teve tempo de ouvir as provocações de Sieghart. Ele girou a moeda em sua mão, e saiu correndo.

Seus passos eram longos, e a medida que ele andava, deixava a ponta de seu bastão roçar no chão, fazendo um barulho chamativo, e logo, os dois ex-humanos já haviam notado a sua presença, e iam em sua direção. Felizmente, Lass já tinha o seu plano. Assim que chegou na frente da máquina de refrigerantes, inseriu sua moeda, e voltou a correr. Os zumbis estavam a uma boa distância ainda, e ele possúia muito mais velocidade que eles. Ele seguiu dando uma volta pelos fundos da loja, enquanto os zumbis vinham atrás dele, com uma fome insaciável. Assim que chegou na frente da loja novamente, passou correndo pela máquina, estendendo a mão apenas para tocar o botão para escolher seu refrigerante, e logo estava dando voltas novamente, entretanto, assim que olhou para trás, viu apenas um zumbi. Um zumbi?

Antes que tivesse tempo para raciocinar, sentiu seu corpo se chocar contra algo flácido, e soube o que era, por instinto, levou seu bastão até a frente de seu rosto, a tempo de ver a boca do monstro cravar na madeira. Rapidamente, chutou o zumbi para o lado, enquanto apenas pensava em se preparar para o próximo que vinha, rolou para o lado, se pondo então de pé. Assim que seus olhos subiram, e avistaram o morto-vivo vindo em sua direção, ele pôs o bastão em sua frente, entretanto pôs o lado errado... tarde de mais, o zumbi bateu na base do bastão, empurrando a ponta na direção de Lass, que apenas teve tempo de desviar um pouco.

— Ahhhhh! — Lass se contorceu quando a ponta lhe raspara a parte inferior do braço, e logo sentiu o sangue escorrendo pela camisa. Olhou para trás e viu que na queda, o zumbi quebrara o pescoço, e agora estava realmente morto, porém não se deu ao luxo de conferir a respeito do outro, simplesmente pegou o bastão e cravou a ponta na cabeça dele.

Lass se levantou, cambaleando ainda, porém, satisfeito. Andou até a frente da loja, e seus olhos então se estacionaram, em um certo indivíduo de cabelos negros, sentado na frente da máquina de refrigerantes, bebendo uma lata de pepsi.

— Como eu disse, estava morto de sede.


O moreno deu um sorriso, enquanto via a fúria crescer nos olhos do albino.