A Esperança Dos Renegados escrita por Aldneo


Capítulo 27
CAPÍTULO V: Os fantasmas de Al-Naum




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O dia amanhece, o sol passa a iluminar aquela região devastada e desértica. Na base do EROS, em seu quarto, no andar superior, Al-Naum observava uma velha e desbotada foto, com a imagem de um militar de aparência intimidadora e séria. Ele comenta consigo mesmo, como se conversasse com a pessoa da foto: - “Sei que isto é necessário, sei que tenho que fazê-lo... Mas estou cansado... Sei de tudo o que é dito pelas pessoas, o ódio delas por mim, as vezes penso que deveria deixá-las que se matem. Esta parece ser a vontade de todos, se matarem uns aos outros para sobreviver, como se fossem animais... Ah, meu pai, você achou que eu estava preparado e que eu saberia o que fazer para continuar o que começou, mas agora, eu já não tenho certeza...” E aquele homem aparentemente inabalável e invulnerável permanecia ali, refletindo, quase que como fazendo uma prece por ajuda a seu falecido pai. Algum tempo se passa até que um de seus homens bate à porta, chamando-o: - “Grande Al-Naum, já está tudo preparado, apenas aguardam sua chegada e suas ordens.” No interior do quarto, o grande líder, após respirar profundamente, reassume sua postura austera, sai e acompanha seu subordinado.

 

Os dois homens caminham pelo longo corredor, descem algumas escadas, que dão em um outro corredor, e seguem avançando. Pelo caminho, encontram diversos outros homens do EROS, alguns pareciam vigiar o caminho e outros estarem de passagem, geralmente em duplas, os quais ao verem a inexorável figura de seu líder se aproximar, abriam caminho para ele, enquanto o saudavam, sempre chamando-o “Grande Al-Naum”, como se 'Grande' houvesse se convertido em seu primeiro nome e não fosse apenas uma titularidade.

 

Enquanto se aproximavam do final do corredor onde estavam, de onde já se via a abertura que conduzia ao lado externo, próxima da qual um grupo de homens da EROS se mantinha, como que esperando-os; Al-Naum, sem parar ou diminuir sua marcha, e também sem mudar seu sério e fixo olhar, questiona aquele que o acompanhava: - “Você realmente acredita que tudo isto é necessário?”, ao que o homem, ainda que um pouco receoso, prontamente lhe responde: - “Meu senhor, tudo o que fazemos, o fazemos por ser necessário fazer. E se nós não aceitarmos isto, como faremos o povo aceitar?”, porém Al-Naum o censura rispidamente: - “E nós realmente convencemos o povo de algo?”, ao que o homem, assumindo um tom mais sério na voz apenas argumenta: - “Senhor, o que fazemos, fazemos por eles, e não para eles, é pedir demais que todos compreendam isto... Mas se não fizéssemos, estariam numa situação ainda pior.” Após a resposta, Al-Naum, por alguns mínimos instantes, deixa transparecer um discreto sorriso antes de comentar: - “Deve ser difícil ser meu conselheiro, não é Zafron?”, ao que, também com um sorriso discreto, este lhe responde: - “Como tal, devo apenas dizer o que considero o certo a ser feito, não o cômodo ou o conveniente.”, ao que o grande líder finda a conversa: “E é por isto que você é meu conselheiro.”

 

Ao chegarem próximos à saída, os dois se juntam ao grupo que os aguardava ali, misturando-se ao pequeno grupo (que, no total, era formado por 6 homens) que se dispunham em duas filas paralelas. Todos se vestiam com mantos semelhantes e, antes de saírem, cobriram a cabeça com capuzes, de forma que, para qualquer um que observasse o grupo, não seria possível diferenciar qualquer um deles dos demais (de fato, esta era uma das estratégias do EROS e representava também uma de suas doutrinas, de que todos os seus membros, ainda que com posições e tarefas distintas, eram iguais). O grupo sai do corredor, seguindo juntos, e adentram um grande espaço aberto, uma espécie de arena (que um dia havia sido o campo de um ginásio esportivo, sendo que ainda se viam as traves de ambos os lados, embora o gramado já não existiria a um bom tempo e o solo já se mostrava bem irregular). Ali se viam diversas pessoas na “arquibancada” lateral, como se esperando para assistir. No campo, viam-se diversos membros do EROS pelas laterias, como que vigiando, e mais alguns, no meio do campo, preparando uma metralhadora do tipo MAG sobre um suporte. O cano da arma estava apontando para o lado do campo onde se viam quatro pessoas amarradas, cada uma em um poste, sendo um homem, uma mulher, outro homem e por ultimo um jovem.

 

Ao ver o grupo adentrar, um dos homens, uma espécie de arauto, toma à frente e se dirige a multidão imperativamente: - “Saúdem o Grande Al-Naum!” As pessoas na plateia começam a ovacionar enquanto o grupo chega a extremidade do 'campo-arena' e se põe lado a lado, formando uma linha. Al-Naum toma a frente do grupo, descobre a cabeça, mostrando sua face com as típicas feições inelutáveis, e ergue os braços, saudando a multidão. Seus treinados ouvidos eram capazes de distinguir facilmente na multidão, por entre as ovações, gritos com críticas e acusações, tais como “Assassino!”, "Hipócrita!" e “Você que deveria estar sendo executado!”. Porém, Al-Naum simplesmente os ignora e inicia seu discurso:

 

— “Anos atrás, meu pai fundou o EROS com o objetivo de trazer um pouco de paz e ordem à estas terras devastadas, e ele conseguiu. Conseguiu, ainda que com muitas dificuldades, restabelecer a sociedade dos homens. Irmãos, assim como vocês, eu sei o quanto é difícil vivermos neste mundo, porém, para mantermos a frágil paz e ordem social que conseguimos e nos ajudar a sobrevivermos em face a todas as dificuldades que nos sobrevêm, todos temos que nos esforçar e fazer sacrifícios. E, infelizmente, nem todos compreendem tais esforços, por isso nos reunimos nesta manhã. Aqui, diante de todos, estão alguns dos que não dão valor aos nossos esforços e a nossa luta. Estão aqui, diante de nós, para pagar por seus erros, o ladrão, a adultera, o homófilo e aquele a quem, dentre nós, ele corrompeu. Estas pessoas não entendem o que é necessário que seja feito, não se esforçam e não buscam o bem comum, buscando, ao contrário, apenas apenas seguir seus interesses egoístas e gananciosos, em prol apenas do próprio bem e prazer, não se deixem enganar com suas mentirosas e ilusórias promessas libertinas e anárquicas, pois, por estes, todos estaríamos nos matando uns aos outros por comida, água ou remédios, e isto não seria um sociedade. Somos homens e não bestas irracionais, vivemos de acordo com regras e leis que visam o bem estar geral e não segundo instintos primitivos e selvagens, isto é o que nos diferencia dos monstros que se espalham por este mundo. O mal e a corrupção devem ser eliminados de nosso meio, por isso, estas pessoas serão punidas exemplarmente diante de todos, para que fique claro que, em nossa sociedade, aquele que abre mão de cumprir com seus deveres, também está abrindo mão de seus direitos.”

 

Após o afamado discurso, Al-Naum se volta para seus companheiros que estavam posicionados em torno da metralhadora e lhes dá a ordem de execução. A arma é carregada, engatilhada e apontada na direção do primeiro dos quatro condenados. O soldado atrás dela se abaixa e mira, o gatilho é pressionado e a arma inicia o disparo com um forte tranco, os primeiros tiros erram o homem, porém ele é rapidamente atingido. Os grandes projeteis de calibre 7,62 lhe atingem inicialmente na coxa e abdômen, causando grande estrago e derramando muito sangue, o qual espirrava a considerável distância. Do outro lado, no ultimo poste, o jovem, apavorado com tal ocorrido, fecha apertadamente os olhos e cerra os dentes apenas esperando que lhe ocorresse o mesmo destino. O primeiro homem é atingido também na altura do peito, de forma a confirmar seu óbito, então a arma é movida lentamente para a esquerda indo na direção da mulher, o grotesco espetáculo se repete, sendo que a mulher é atingida também na cabeça, despedaçando seu cranio. A arma é novamente deslocada lentamente, enquanto ainda em fogo, para o próximo poste. O primeiro tiro atinge seu pulso, decepando sua mão direita, depois a linha de tiro passa por seu abdômen, banhando suas pernas em sangue. A arma continua avançando, porém seu atirador percebe que o sujeito ainda permanecia com vida, e retorna com a arma, os disparos lhe tornam a atingir em diversas partes do corpo, mutilando-o, chegando inclusive a decepar seu braço esquerdo. O jovem do ultimo poste, já percebia a aproximação de sua hora a medida que o som dos disparos se aproximava mais e mais dele. Ele sequer percebe que, em tal situação, não conseguira segurar a bexiga ou o ventre, de forma que a urina escorria por suas calças, enquanto o cheiro fecal lhe tomava. De fato o medo era tamanho, que nem lhe ocorrera que o aterrorizante som de disparos havia cessado. Ele abre os olhos lentamente, a visão, embaçada por lágrimas, inicialmente contempla o chão à sua esquerda, tingido em sangue, depois se volta para seus executores e vê alguns deles em torno da metralhadora.

 

— “O que está ocorrendo?!”, um dos homens grita para os que mexiam na arma, ao que um deles responde: - “Travou.”, prontamente o oficial ordena: - “Então arrumem ela logo, e terminem com isso!”, o homem simplesmente solta um “Estamos fazendo o mais rápido possível” enquanto volta a tentar mexer na arma, que estava extremamente quente devido ao uso. Nisto, Al-Naum ordena a um de seus comandantes que terminasse logo com tudo aquilo. O comandante, então, toma a frente, apanha um fúsil com um dos soldados e segue até o jovem preso no poste, parando diante dele, a apenas alguns passos dele. O rosto apavorado e molhado de lágrimas do jovem encara a fria e inexpressiva face do comandante, que respira fundo, empunha o rifle, quase encostando a boca do cano na testa do garoto. Um único disparo, a bala acerta em cheio a cabeça do jovem, lhe atravessando, fazendo-lhe bater contra o poste no qual estava amarrado. O sangue esguicha do ferimento, antes de deixar a cabeça pendendo acima do corpo desfalecido.

 

— “A justiça foi feita!”, o arauto da execução grita a multidão, na qual, muitos ovacionam. Al-Naum torna a cobrir a cabeça com o capuz de seu manto e volta para o meio de sua 'comitiva', deixando o local com o grupo, assim como entraram. Após deixarem a arena, Al-Naum questiona seu conselheiro: - “Diga-me, Zafron, por quanto tempo acha que estas execuções exemplares manterão o povo sobre controle?”, “Creio que pelo tempo que for preciso, meu senhor. O povo vê o que acontece com aqueles que violam as leis, e então passam a respeitá-las”, lhe é respondido, ao que Al-Naum concluí friamente: - “Eles não respeitam nada, eles temem. E é sempre apenas uma questão de tempo até que o medo se converta em ódio. E quanto eles se revoltarem contra nós, o que faremos? Mataremos todos? Mataremos todos os que dizemos estar protegendo?” O conselheiro inicia uma resposta, porém Al-Naum lhe corta: - “Não precisa se esforçar para me dar uma resposta convincente, pois sei que não conseguirá. E não o culpo, creio que ninguém o conseguiria.” Assim Al-Naum retorna a seus aposentos.


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