P.D.V Reneé

6 ANOS DEPOIS

Reneé torrava castanhas de caju nos fundos da casa, na tranquilidade das duas da tarde, hora em que o movimento do almoço já tinha acabado e o do jantar ainda não tinha começado, horas sem homens para servir nem empregados para dar ordens, a hora de que ela mais gostava. Com uma colher grande de pau, mexia as castanhas e cantava hinos religiosos com sua voz forte:

- Mãezinha do céu, eu não sei rezar... Eu só sei dizer quero lhe amar... Azul é seu manto, branco é seu véu... Mãezinha eu quero lhe ver lá no ceu...

Ou estava concentrada demais no que estava fazendo, ou estava muito desligada do mundo. O fato é que Reneé só viu que Isabella havia chegado com Nessie, Bella morava numa casinha lá atrás do morro, já estava ao seu lado:

- Mamãe, me acuda!

-Bella?! Mas o que foi...

- O James tentou matar a Nessie!

- Oh, my God!

Reneé examinou o rosto da neta. A menina, normalmente manhosa e birrenta, não estava com cara de ter acabado de escapar da morte: inteira e rosadinha, dormia no colo da mãe, com os cabelinhos cor de bronze caindo em cascata encaracolados.

Isabella sempre tinha sido correta com o seu dever de esposa e acima de tudo amava muito sua filha, Vanessa agora com dois aninhos e meio de idade, apesar de ter sido casada forçada, com um homem bêbado e violento.

Mas a pequena Nessie não estava com cara de ter acabado de escapar da morte.

- Tentou matar como, Bella?

Ela explodiu num choro soluçado:

- Não aguento mais, mãe! Não agüento mais.

Bella não era de se queixar. Era jovem e sonhadora, fez um casamento forçado, tinha um marido que não prestava, uma vida dura, mas não era de se queixar. “ Bom cabrito, não berra”, dizia ela. Se estava se acabando de chorar daquele jeito, havia de ser coisa séria.

- Se acalme, Bella. Só a morte não tem conserto. Pro resto, sempre tem um jeito. Venha.

Foram para o quarto de Reneé e Charlie. Isabella deitou Nessie na rede do pai. A menininha continuou dormindo. Reneé comentou, como quem não queria nada:

- Tá calminha, né? Nunca foi assim...

- Dei chá de ervas pra ela se acalmar. Agora ta aí, dormindo como se nada fosse... – voltou a chorar. – Mas ainda há pouco... Ainda a pouco foi um inferno, mãe! Um verdadeiro inferno.

Bella desabou sentada na cama do casal, soluçando alto. Reneé sentou-se ao lado dela:

- O que é isso, Bella? O que aconteceu, filha?

Isabella só chorava. Reneé revolveu deixa-lá desabafar. Encostou o rosto da filha no seu ombro; aos poucos, Bella foi escorregando e se aninhou no colo da mãe. Reneé lembrou-se então de Isabella criança, e se deu conta de que nunca a tinha visto chorar daquele jeito quando ela era pequena. Sempre foi esperta. Não perdia tempo discutindo, mas tinha lá suas idéias, e quando cismava alguma coisa, não sossegava até conseguir o que queria. Era independente também; era só terminar o serviço, sumia e ninguém sabia dela até a noite. Montava melhor que os meninos; rodava tudo e voltava pra casa imunda e feliz. E ainda tinha cabeça para os livros; formou-se professora em uma das melhores  escolas. Tivesse nascido homem, e a história de Isabella seria bem outra, Reneé tinha certeza.

Reneé foi acariciar o braço de Bella e só aí reparou que ela estava usando o vestido de missa. De mangas compridas. Em janeiro. Quando sua mão reslavou nas costas da filha, ela se arqueou e gemeu. Reneé tentou acariciar seus cabelos e sentiu um calombo debaixo dos dedos que, quando tocado, fez Isabella tirar a cabeça do seu colo, num reflexo. Reneé tentou de novo, desta vez com mais energia:

- Diga logo, Bella. O que ta acontecendo?

Isabella fungou e sentou-se, enxugando as lágrimas:

- James tentou matar Nessie!

- Como?

- No berço. Quando entrei no quarto, vi ele sufocando, minha bebê, com o traveisseiro.

- Virgem Santíssima, valei-me.

- Só a virgem mesmo, que sabe o  que é perder um filho. Fiquei cega. Pulei em cima do desgraçado, agarrei ele pelas costas, foi eu e ele pro chão. Levantei não sei como pra tirar Nessie dali. Ela já estava toda roxa e molinha.

- Se você demora mais um pouco...