– Você não me responda!

Reneé separou a briga do jeito que sabia que funcionava:

– Deixe seu pai Jasper! Ele vai dar o ataque!

Charlie encarou Reneé" É só chegar perto do queridinho dela, que Reneé fala do tal ataque".A epilepsia era a única coisa que fazia Charlie se sentir fraco.

– Vire essa boca de sapo pra la, mulher! Faz pra mais de trinta anos que eu não tenho esse ataque!

– Mas se ficar nesse estado de nervos é capaz de ter.

Reneé foi conduzindo Jasper para dentro da casa. "Sabe me parar essa danada", constatou Charlie. Ela falava com o filho, mas alto bastante para que o marido ouvisse:

– Deixe Jasper, deixa o futuro a Deus pertence. A cada um a sua cruz. Que a de Bella lhe seja leve.

- Amém, mamãe!

" Cambada de papa-hóstia",pensou. E gritou para os dois:

- E me chamem a Bella!

A última palavra tinha que ser sempre dele. Charlie jogou-se na rede, mirando o morro. Era mesmo uma excelente proposta, a de James: as terras entre o rio e o morro em troca da mão de Isabella. Haviam de serférteis essas terras. E o James não seria louco de maltratar Isabella, a sua Bella, bem ali, nas suas barbas.' Ele me respeita. Bebe, mas não come merda nem rasga dinheiro. Não é doido. Não seria besta em fazer Bella sofrer. Se fizer eu mato ele.

A sua Bella. Já havia completado dezesseis anos, era uma moça feita. E linda. Uma estampa mesmo. Pele branca, nariz fino, olhos cor de chocolates, cabelhos castanhos avermelhados e encaracolados, com todos os dentes e quadril de boa parrideira.

" A escandalosa da Reneé nunca que deixou eu segurar Bella no colo",lembrava Charlie com amargura. Era a caçula e a única menina, mas a mulher não o deixava carregá-lá no colo." Se você tem o ataque cai em cima dela e mata a criança",era o que ela dizia. Nem os irmãos mais velhos podiam  ficar sozinhos com Bella." Pra não fazer maldade",era a desculpa. Só o calça-frouxa podia chegar perto dela.

- Chamou, meu pai? - perguntou Isabella, atrás dele, na soleira da porta.

- Chamei. Você demorou.

- O senhor me desculpe.

- O James...

Ela interrompeu, sentando-se na mureta onde, uma hora atrás, estava James.

- Já sei. Jasper contou.

- Aquele calça-frouxa!

- Não gosto do James, meu pai. Ele fede a pinga.

- Ele bebe porque é homem solteiro. Quando tiver mulher e filho, há de criar juizo.

- Ele é velho.

- Não é, não. E moço muito novo, é mau negócio. Não tem experiencia da vida.

- Mas eu não gosto dele.

- Não gosta agora. Com o tempo aprende a gostar.

Isabella virou - se na direção do morropara onde Charlie estava olhando. O sol já tinha quase sumido atrás dele.

- O senhor vai me trocar por essa terra, meu pai?

As palavras dela lhe doeram, mas Charlie não consegui olhar para a filha. Já tinha tomado sua decisão. Já tinha até discutido com Reneé e Jasper por causa disso, não podia voltar atras. Não podia dar prova de farqueza. Era ele quem mandava naquela casa.

- Não é uma troca você vai ser sempre minha.

" Minha Bella...",ele pensou. Mas não falou. Não era homem de demonstrar sentimentos.

- E a terra também vais ser do senhor. Vai ficar com tudo não é, meu pai?

" Vou", pensou ele. Mas também não falou. Desta vez, não teve o orgulho de ganhar. Só que ele não podia mesmo voltar atrás. Tinha que impor respeito. Pela primeira vez na vida, perdeu as palavras. Isabella continuou:

- Lhe devo obediencia. Caso com James. Só queria uma coisa pra mim.

" Foi por isso que ela demorou; estava pensando numa condição. Isso é idéia daquele calça-frouxa, na certa",concluiu Charlie.

- Diga.

- Antes de casar, o senhor deixa eu fazer a faculdade, com a bolsa que eu ganhei, em Yale?

- E pra que você quer mais estudo, Bella? Não precisa de faculdade pra ter filho nem pra cuidar de casa e marido.

- Eu sei, meu pai. Mas é só pra viver um pouco.

Charlie olhou bem para Isabella. Olhou como não tinha olhado até então: olhou como se fosse a primeira vez.Viu uma moça linda, forte e senhadora. E que só queria viver um pouco. De repente as terras pra lá do rio, a fazenda, o James, seus outros filhos, sua mulher, ele mesmo, tudo pareceu morto. Tudo era podre, pobre e pequeno diante daquela moça que só queria viver um pouco. Charlie teve uma vontade imensa de abrir a cancela e deixar aquela moça, a sua Bella, sair daqueles cafundó e viver muito, muito e para sempre. Mas ele não podia voltar atrás:

- Então vá. Faça essa tal de faculdade. Acerto o casório pra depois da sua formatura.

- Obrigada, meu pai - e beijou a mão de Charlie. - A sua benção.

- Deus te abençõe - e disse essas palavras tão gastas com o coração como nunca havia dito antes.

Isabella entrou em casa. Charlie ficou olhando o contorno do morro no lusco-fusco da noitinha. Tudo parecia morto.

- Mas Bella vai viver um pouco - disse para si mesmo.