Papai não disse uma palavra pelo caminho. Ficava apenas me encarando pelo retrovisor interno do carro, com certa preocupação em seu rosto. Talvez ainda esperasse que eu dissesse algo também.

Limitei-me a fechar os olhos, que já estavam vermelhos e cansados, mesmo que as lágrimas demorassem a cessar, e fui respirando fundo para tentar parar os soluços. No final deu certo. Apenas suspirava alto e fungava de vez em quando.

Certamente minha mãe ficaria surpresa ao ver-me voltando para casa tão cedo – ainda nem havia escurecido – mas eu realmente não sabia que ela seria tão surpreendida. Muito menos eu.

~Frank’s off~

- Sabe que deveríamos aproveitar essa chance, Linda. Não tente se enganar, esses garotos só ajudam em uma coisa: prejuízo!

- Mas Chris... – Segurou suas mãos – É pelo Frank... E além do mais, se os dois não gostassem dele, ou tivessem algum lugar para ir, já teriam feito algo...

- Eles têm comida, roupas limpas, novas, água quente, cama... Uma casa. Tudo de graça e sem nenhum esforço. Acha mesmo que iriam embora?

- Christiann!

- Acha?

- Eu... Eu...

- O mais velho não diz ao menos seu nome! Como podemos confiar neles?

O silêncio tomou conta da sala. Aconteceu que Linda acabou cedendo seu lado emocional e se aproximou de Gerard, mesmo que só um pouco.

Inicialmente, foi familiar. O garoto tentava se afastar, escapar de Linda em meio ao pânico, mas também deixou-se levar, pois a moça só queria saber o que Frank via de tão especial neles.

“Vocês já se conheciam, já se viram alguma outra vez?” Perguntava. Gerard balançou a cabeça negativamente.

Voltara também para as perguntas sobre onde estavam antes de chegar lá, o que aconteceu para estarem daquele jeito e tudo mais, porém, foi como sempre.

Só que ao perguntar “Você é mudo, então?” e obter uma resposta negativa, Linda retrucou um “Então é porque não confia em nós?” que foi seguido pelos olhos arregalados do ruivo e seu silêncio agonizante.

~Gerard~

Esta tarde tudo começou a ficar um pouco estranho. Eu estava com Mikey, desenhando, quando Christiann chegou do trabalho. Pelo que aprendi até aqui, ele é um tipo de salva vidas. Trabalha longe.

Assim que chegou, ouvi a televisão da sala sendo desligada como de costume, e o andar de baixo ficar silencioso. Ouvi seus passos e os de Linda se afastando; provavelmente indo para a cozinha. Os dois conversavam muito por lá, já que Christiann sempre chegava sem jantar.

Normalmente eu os ouvia rindo, e mesmo que no silêncio na casa, o clima era bom e aconchegante. Era um lugar feliz.

Se olhasse para Michael, ele estaria sorrindo. Tinha certeza de que ele sentia o mesmo que eu. Sentia-se em casa de novo.

Mas não naquela tarde. O padrasto de Frank chegou mais cedo, havia sido liberado de um de seus turnos. Linda assistia a algum noticiário quando a TV foi desligada e eles foram para o outro cômodo.

Nós ignoramos e eu voltei a atenção para a folha do caderno. Estava desenhando a parte da frente de nossa casa para Mikey. Era uma casa bonita. Eu gostava. Mas o pequeno não se lembrava, e como não tínhamos fotos desse tipo, às vezes ele me pedia para desenhar.

Porém o clima começou a ficar tenso lá em baixo. Não sabia, simplesmente senti um desconforto momentâneo, quase com o que sentia em casa.

“- Vá para o quarto, Gerard. – Donna disse, escondendo a pressa na voz doce.

- Mas, mas... Mãe, eu quero falar com o papai!

- A-amanhã querido – Ela olhava aflita para a porta, já vendo a silhueta masculina cambaleando – Amanhã papai fala com você, bem cedo.

A mulher o empurrava pelos ombros até as escadas que levavam ao seu quarto. Segurava Mikey no colo. Havia um pequeno corte em sua boca, mas Gerard não perguntaria o que tinham feito à sua mãe.

De repente, a porta da entrada de casa bateu forte e um resmungo alto foi ouvido.

Um olhar de pânico veio de Donna, que deixou o menor no colo do irmão e o empurrou mais forte para que subisse as escadas.

- Amanhã, querido – Deu um beijo estalado na testa do maior e afagou os cabelos claros do pequeno - Tranque o quarto, amor. Boa noite.

- Mas, mamãe...

- Boa noite.

- ...Boa noite. – Suspirou e subiu correndo. Depois de trancar o quarto, como pedido, colocou Michael em sua cama e foi para a janela. Apoiou os cotovelos na sacada e apenas fitou a noite.

As luzes pela cidade, o céu escuro, porém infestado de estrelas e a movimentação no centro, enquanto pela vizinhança tudo permanecia quieto.

Chegou a fechar os olhos, respirando fundo na brisa gelada que entrava lentamente, mas o barulho de vidro se quebrando e um grito abafado no andar de baixo fizeram o maior levar um susto. “Mamãe...” Pensou.

Mais barulhos. Pareciam pratos sendo jogados ao chão, entre palavras emboladas.

Quando toda a calmaria se transformou em terror no primeiro andar, e do quarto de Gerard transformavam-se apenas em sons abafados, ouviu o choro de Michael, acordando em pânico depois de uma panela sendo atirada contra a parede.

O Way mais velho correu até a cama, abraçando o pequeno e sussurrando:

-Vai ficar tudo bem, Mi... Vai ficar tudo bem... Não vou deixar ninguém te machucar – Soluçou – Nunca.

Chorando em silêncio, ao lado do irmão, acabaram pegando no sono até o dia seguinte.”

Não que Linda e Christiann estivessem brigando, porque não estavam. Linda não iria querer brigar com ele. Ela não queria um fim igual ao que teve com o pai de Frank.

Apenas o clima era parecido. Tenso, até que algo acontecesse.

Sem perceber, acabei largando meu lápis no chão e me peguei de olhos fechados.

- Gee? O que houve? – Mikey pegou o lápis de volta e o recolocou em minha mão. Abri os olhos.

- Não sei… Está estranho por aqui...

- Por quê?

- Ah, não é nada. Deixa pra-

- Meninos? – Linda entrou tímida no quarto.

Abaixou-se para ver o que fazíamos no chão, com as costas apoiadas na cama de Frank e olhou para o caderno de desenhos.

Corei imediatamente e fechei os o caderno rapidamente, colocando-o ao meu lado. Me senti idiota e grosseiro... “Ela só olhou seu desenho, que saco… Linda não vai fazer nada…Nada.” Ah, meu rosto estava queimando, não tinha jeito.

“Vamos Gerard, respire fundo e concerte isso, vamos” Repetia para mim mesmo, até pegar o caderno novamente e colocá-lo em meu colo, junto de Michael.

Mas não, não parecia seguro mostrar aquelas folhas para Linda. Ela parecia guardar alguma coisa.

E eu queria mostrá-lo a Frank primeiro.

Ah, Frank. Até agora acho que ainda não falei muito dele por aqui. Talvez eu possa interromper isso para falar um pouco sobre ele.

Vamos lá.

Acho que estou com saudades.

Acho que já estava me acostumando com ele e de repente, uma semana termina com um rápido encostar de lábios e dois garotos completamente vermelhos.

Talvez eu esteja sentido sua falta, porque tudo isso aconteceu muito rápido.

Talvez eu queria mais, e isso me assusta.

É, mas não posso mentir. A verdade é que é realmente bom acordar e ver Frank dormindo na cama ao lado. É bom ouvir sua voz tentando concertar alguma situação constrangedora. É bom, muito bom passar o tempo fitando seus olhos castanho-esverdeados, brilhantes e sei lá, puros.

Não preciso falar sobre isso, mas você pode querer saber e é muito bom senti-lo me tocando quando me ajuda a fazer alguma coisa difícil ou onde simplesmente sou desajeitado.

Então, isso é gostar de alguém?

Se sentir seguro quando ele está perto? Ficar feliz pelo simples fato de poder olhar para ele? Uma semana parecer um ano porque você não o vê pela casa? Aproveitar esse dias para treinar tudo o que eu tenho a dizer na frente de um espelho, só para poder falar com ele? Essa vontade de sentir sua boca na minha ao menos uma última vez?

Então, isso é amar alguém?

Caramba, que gay. Mas enfim, aí está, a verdade. E acho que já é o bastante sobre Frank, não é?

A propósito, estou feliz porque ele volta hoje. Linda realmente comprou tinta e meu cabelo está vermelho de novo.

Espero que Frank goste.

Vamos voltar? Certo, sim.

É, eu não podia mostrá-lo a Linda. Não agora.

Balancei negativamente a cabeça e guardei o caderno na mochila de Mikey, que também estava ao nosso lado. A mulher pareceu entender e sorriu quando tentei pronunciar um “Me desculpe”.

Ela se levantou e rodou pelo quarto algumas vezes. Abria a boca, mas não falava nada. Notei que seu sorriso havia ido embora.

Meu irmão me perguntava baixo o que era aquilo, mas eu também não conseguia respondê-lo. “Isso não pode estar acontecendo, não pode…” Sussurrei para mim mesmo. O menor me ouvia e preferiu não perguntar o quê que não pode estar acontecendo?, pois já suspeitava que não obtivesse resposta.

Então, a mais velha se apoiou na janela e, olhando para o lado de fora, disse:

- Não podemos mais.

Arregalei os olhos e apertei Michael em meu colo. Não, não, não, não faça isso, não, não... não... por favor, não, não...

Ela se virou mim, triste, e continuou:

- Desculpe, nós não podemos mais fazer isso com vocês. Precisam… - Respirou fundo – Precisam ir embora.

Meu irmão olhou para mim pedindo por uma explicação, esta que não tinha como chegar.

- Precisam ir, agora.