Acabei de acordar, ainda são 9:30 da manhã e está um silêncio tão bom que me dá vontade de voltar a dormir.

Quem dera eu pudesse fazer isso.

Infelizmente, prometi que sairia com a Ingrid hoje... Os planos de dormir um pouco mais ficam para amanhã. Mas se não fosse isso, passaria a tarde toda conversando e perturbando o Erick e bajulando a fofa da Sabrina, que prefere ser chamada de Ninna, e que sabe fazer com que eu não me sinta triste e muito menos sozinha. Mas como o tempo não nos espera, é melhor eu deixar a preguiça dormindo mais um pouco e levantar sem que ela perceba, afinal, ainda tenho a Ingrid para aturar o dia inteiro, e com preguiça, vai ser difícil acompanhá-la.

E para minha sorte, terei que ir de ônibus e encontrá-la por lá mesmo... Não acredito que aceitei ir para esse evento anime. Mas agora, deixando a pequena quantidade de sarcasmo contida no trecho anterior, vai ser bom pra mim sair de casa um pouco... E acho melhor eu ligar pra ela logo antes que eu tenha que rodar pelo evento todo, procurando uma garota vestida de sweet lolita, o que com certeza eu não farei, é mais fácil voltar para minha casa, para minha cama, ela me quer e eu a quero então não terei nada a perder. E sim, eu já estou aqui na bilheteria... para meu azar.

–Ingrid, é a Isabella, então, onde você está?

–Ah, oi Isa! Eu estou aqui no segundo andar, nos stands com uma amiga, vem pra cá logo. — É verdade, eu me esqueço que ela conhece mais a Isa do que a mim mesma. Infelizmente a Isa não está aqui e minha cara de enterro deve estar realmente assustadora porque... porque tem tanta gente olhando pra mim? Oi, eu sou a mais normal daqui ok? Olhem a volta de vocês mesmos, tem pessoas bem piores do que eu e querem logo me bulinar?... Está bem, já parei com esse meu pequeno ataque de piti... Eu só queria que a Isa aparecesse e salvasse minha pele, ou melhor, meu dia.

–Falando de mim é?

–Isa! Mas... porque... Onde você esteve esse tempo todo?

–Ah, fui tirar umas férias... tava enjoada desse ambiente em que você sempre me mete.

–...

–Que foi? Só porque sou uma parte de sua consciência, isso não quer dizer que eu não fique cansada também.

–Não, eu não quis dizer isso, é que... senti saudades poxa.

–Aham, eu sei que sentiu.

Juro que se você fosse real e não fosse uma parte de mim, te batia.

–Agora chega de papo que eu quero me divertir... será que posso assumir o controle agora?

–Ah desculpe-me, mas é claro que pode...

Ah... Isa... Muito obrigada por isso, é nessas horas em que eu gostaria que você não fosse apenas uma parte de mim, queria poder te abraçar e caminhar ao seu lado. Mas apenas o fato de poder ouvir sua voz e somente eu poder te ver, me faz sentir privilegiada.

Para quem não entende esse negócio de troca de mentes, como agora que troquei de lugar com a Isa, é como se você estivesse ali, no lugar, e de repente você aparece sentada na frente do computador, assistindo aquela parte da sua vida passando como se fosse um simples vídeo no youtube e com outra pessoa controlando seu corpo sem que você possa interferir e tudo o que resta para fazer é dar palpites. É assim que estou agora, assistindo em uma "tela de computador" mais um episódio da minha vida. E assim ficamos eu e Bella, observando as palhaçadas e brincadeiras, junto das lindas palavras carinhosas trocadas entre ela e a Ingrid.

–É muito amor pra essas duas.

–Não brinca com isso Bella, esse corpo também me pertence e se não fosse por mim, vocês não existiriam.

–Ok, não é pra tanto também, só estou tentando me divertir um pouco, coisa que você deveria fazer também. Porque não pede umas aulas pra Isa? Ela parece entender bem desse assunto.

–Vou pensar no seu caso... apesar de você já saber a resposta.

E essa foi uma das poucas tardes em que passei fora de casa.

–Gostei muito de hoje... E trate de sair mais vezes.

–Farei o possível Isa, mas não lhe prometo nada.

–Hmm... Hora de ir, estou muito cansada, tchauzinho.

–Tchau. — Respondemos juntas, afinal, a Bella ainda se encontrara presente. Despediu-se de nós com um sorriso animado e feito criança quando acaba de ganhar doce.

–Estou cansada, ela gastou quase toda nossa energia. Precisa aprender a se controlar um pouco mais, esse corpo não é só dela.

–Tem razão, mas não adianta falar com ela. Sempre foi assim, não é agora que irá mudar. — A Bella tem razão.

É difícil lidar com uma pessoa extremamente agitada, se torna ainda mais difícil quando divide-se o mesmo corpo que ela.

–Então... vai me acompanhar essa noite? — A tanto tempo que não conversava com ela... Senti-me abandonada e excluída do mundo.

–Talvez... Mas tenho quase certeza que sim. Mas só se tiver Pringles, eu não vivo sem essa batata, é muito boa.

–Sim, terá Pringles. — Nos encaramos por um momento e rimos.

Chegando em casa, tomei um banho, peguei a Pringles e sentei-me na cama na companhia dela, afim de observar as estrelas.

A Bella está mais para uma espécie de amigo imaginário do que para uma parte de meu subconsciente. Me identifico até com a minissérie "A Mulher Invisível". Não posso evitar de rir quando penso dessa forma, eu não aguentaria se a Isa fosse como uma delas e ainda bem que nunca vai ser, assim eu espero.

x-x-x

O tempo passa tão rápido quando estou com a Bella. Ela me contou sobre o que fez durante esse tempo em que desapareceu sem avisar. E o que já era de se esperar, foi apenas se isolar um pouco para pensar na vida, o que eu deveria fazer também, pois estou completamente perdida em relação a minha.

Ah...! Só ela mesma para me trazer essa dose, mesmo que pequena, de tranquilidade e esperança. Apenas por ouvir seu tom de voz, me faz pensar que o mundo lá fora não é ninguém e que só com ela na minha vida já estaria ótimo, não precisaria de mais ninguém... Mas infelizmente não é assim e chegaria uma hora que eu enjoaria de alguns sermões dela e acabaríamos brigando, consequentemente eu ficaria sozinha.

Então eu não tenho mais o que falar a ela e a mesma já se esgotou de assuntos. Ficamos apenas olhando através da janela, a linda noite que se passava bem a nossa frente, faltando pouco para terminar e assim nos despediremos como sempre, em silêncio, e devagar, aos poucos e rodeada de pensamentos, adormeci.

Queria poder falar com o Erick agora.

Ele me livra desses pensamentos ruins.

Mas não quero ficar enchendo-o com meus problemas, tenho que aprender a me virar sozinha e isso precisa começar desde já, aliás, eu já deveria ter mudado a muito tempo... Que seja, só preciso descansar agora, é tudo que quero. E a hora que durmo, seria a hora em que eu precisaria me levantar, arrumar e ir pra escola, mas para minha felicidade, hoje, é apenas o início de um completo tedioso domingo.