O sol estava se escondendo entre algumas poucas nuvens, quando eu tomava rumo ao colégio. Antes de sair, vi os convites para o parque. Era no sábado. Caminhava sorrindo, e era cedo demais. Não parecia ter ninguém nos territórios de Namimori.
Deixei minhas coisas na sala e fui andar, procurar o gatinho. Fazia tempo que não o via, me sentia até mal por isso. Levava comigo só um pouco de comida para gato, que havia comprado há uns dias.
Procurei-o nos lugares mais prováveis, e nada de achá-lo. Até que, passando por trás da quadra, ouvi um barulho baixinho. Um miado. Mas era um miado carente, de quem pede um afago. Segui aquele miado, que se perdeu no som e num lugar meio escondido ali atrás da quadra, vi o gatinho. Não só o gatinho, como três potinhos. Um com leite, outro com água e o terceiro com ração. Havia uma caixa também, com um paninho rasgado. E quando me aproximei mais, havia um rapaz. De cabelos pretos, abaixado perto do gato. Sua mão acariciava a barriga dele.
– H-Hibari! - Falei, um pouco surpresa.
– Ah, é você. - Ele virou um pouco a cabeça. Já tinha uma tonfa empunhada. Provavelmente escutou meus passos. Seu rosto parecia ter um leve tom rubro. Não sabia ao certo, ele havia virado o rosto assim que me viu.
– Fazia tempo que não o via. - Sorri, me referindo ao gato. - Que bom que ele está sendo bem cuidado... - Me abaixei perto dele, bem ao lado de Hibari, Encarando o gatinho com um sorriso bobo. - Kuroi! Você lembra de mim! - Falei, ao ver o gato me olhando e tentando se desvirar, já que estava de barriga para cima. Ele roçou a cabeçinha em minha mão. O gatinho estava mais gordinho. Queria saber o motivo, mas Hibari foi mais rápido.
– Ele ficava miando na minha janela. Deve ter me visto levando sua garrafa naquele dia. Achei essas coisas por ai e tem um lugar onde vende ração no meu caminho. - Ele disse, olhando para o gato. De fato, estava um pouco corado. Nada muito notável. Quando foi tocar nele, nossas mãos se tocaram. Senti um choque percorrer pelo meu corpo. Mas ao invés de fazer o que eu pensei que ele faria, tiraria a mão rapidamente, ele segurou meus dedos, mexendo-os, até entrelaçá-los nos meus e segurar minha mão. Seu rosto virou-se para o meu, e agora realmente corado, mas sério como sempre, Hibari olhou nos meus olhos e falou com uma voz calma:
– Não quero quitar minhas dividas com você. - Eu corei, 'saindo' daquele contato visual e olhando nossas mãos. Olhando o gatinho, que brincava sozinho, mas voltando para nossas mãos. - Então... Pensei em várias coisas. E cheguei a uma conclusão.
– U-uma conclu-? - Ele levantou meu queixo, me fazendo parar de falar e se aproximou com aquela bela expressão séria e corada. Puxou um pouco o meu queixo, avançando vagarosamente, praticamente me dando chances de sair dali. Eu não o fiz. Hibari fechou os olhos e tocou meus lábios delicadamente com os dele.
O beijo de Hibari, apesar de nenhuma pessoa no mundo, que não o conhecia como eu, imaginar, era gentil. Ele não fez nada além de tocar nossos lábios por alguns segundos e separá-los logo em seguida.
Apesar da frieza, de nem me tocar ou abraçar enquanto o fazia, tinha sido doce. Abri meus olhos devagar, ao sentir que ele tinha se afastado, e ele já olhava para o gatinho, na mesma distância que quando cheguei.
– Q-qual foi sua conclusão? - Falei, com os dedos em cima dos lábios, olhando para o lado oposto que ele estava.
– Te roubei um beijo. Te devo algo agora. - Ele se levantou. - E por favor, tente não me fazer pagar esse favor. - Ele se levantou e foi embora. Distraída, fiquei até o toque ali, alisando a cabeça do gatinho com uma mão, enquanto a minha outra continuava em cima dos meus lábios.

Depois de almoçar com Kyoko esclarecer os detalhes sobre as coisas, resolvi dar uma volta. Kyoko era uma ótima ouvinte, e nunca criticava meus atos. Não tinha contado apenas o que aconteceu pela manhã... Agora ela iria ensinar Tsuna uns exercícios, e eu queria ver o gatinho novamente. Minha mente estava agoniada como que aconteceu pela manhã, eu precisava ficar um pouco sozinha.
Rodei o colégio durante o almoço, até achar o gatinho dormindo no canto da quadra. Expulsariam-no se o achassem, então tirei-o dali eu mesma, pegando-o delicadamente. Indo para perto do prédio da escola onde o deixaria, vi Mukuro passar. Uma estranha sensação de dejavu. Mas não corria perigo agora, eu acho. Mukuro andou, vagarosamente até eu, que estava sentada , e se abaixou, perto de onde eu estava.
– Ainda cuidando desse gatinho? - Ele disse, me observando espalhar um pouco de comida ali no chão.
– Sim. Fazia um tempo que não o via... - não continuei. Não falei sobre aquela manhã. O único motivo de não estar no 'esconderijo' de Hibari era por estar cansada de andar.
– Deixe ele na sua casa. Vamos, eu te acompanho. - Ele disse, olhando o relógio de pulso que usava. - Dá tempo, eu acho.
Acendi e peguei o gato no colo, caminhando para fora, eu realmente já deveria ter pensado nisso. Teria de lembrar de avisar a Hibari, depois.
Logo chegamos lá e eu deixei Mukuro entrar. Peguei um cobertor velho e o enrolei, colocando no chão, e o gatinho em cima. Preparei três potinhos, um com leite, um com água e o outro com a comida, assim como Hibari, deixando tudo ali. Deixei a janela da pia aberta, caso ele quisesse sair. Alisei ele um pouco e fui indo em direção a porta. Quando cheguei no final do corredor, Mukuro colocou a mão na parede, me fazendo chegar mais perto dela.
– O-o que está fazendo? - Perguntei, vendo que ele fazia o mesmo que no inicio. Ele apenas sorrio, puxando o sobretudo dele, que estava no pendurador, atrás de mim. Sorri sem graça e segui ele, que estava indo para fora.
– Devia confiar mais em mim. - Ele disse. - Mais do que isso, não deveria deixar alguém que não confia entrar na sua casa. - Ele sorria como sempre, mais agora parecia mais feliz que o normal.
– Por que esse sorriso?
– Você acabou de sorrir pra mim. Não foi feliz, mas foi para mim. - Ele disse, se referindo ao meu sorriso sem graça. Apenas corei e continuei andando, em direção a porta.

A situação, dessa vez, foi pior. Faltavam 10 minutos para as aulas de depois do almoço, e muitas pessoas estavam chegando. Muitas pessoas que não conseguiram ter atenção em mais nada ou ninguém entrando, que não fosse eu e Mukuro. Mesmo sem ele tocar em mim, ou pelo menos trocar palavras, todos, de alguma forma, sabiam que eu estava com ele.
– T-todos estão olhando para nós. - Finalmente pude fazer todos comprovarem que estávamos juntos, mesmo sem nem olhar para ele ao falar.
– Não são todos. Alguns estão olhando para... Ele. - Ele disse, exatamente quando me virei a ele, que apontou para a direita com o rosto, mostrando Hibari. - Ele não deveria dormir num lugar tão publico. Tsc.
– Talvez ele tenha parado de dormir lá em cima por sua causa. - Falei para Mukuro, olhando para Hibari, distante, debaixo de uma arvore. Alguns segundos, ouvi alguém gritar meu nome.
– Chrome-chan!
– Eu preciso ir, Mukuro. Até outra hora. - Falei, virando-me para Kyoko, que tinha gritado meu nome. Mukuro disse algo como 'Ciao' e continuou seguindo em frente, enquanto eu voltava um pouco.
Falei com Kyoko e fomos para a aula.
Eu estava confusa, muito confusa. Mukuro e Hibari mexiam comigo, mexiam com meus pensamentos. Não eram como as outras pessoas. Eu precisava descansar. Precisava ficar mais tempo sozinha. Mas... Eu simplesmente não queria. Esperava que aquele dia não tivesse mais surpresas, mas infelizmente, quase nada é como eu espero.