Chantelle pdv

Enquanto eu andava sem rumo pelas ruas tão desprezíveis daquele lugar, de longe avistei algumas pessoas do colégio: um casal estava se drogando, uma outra garota se prostituía, tudo uma verdadeira zona. Como se eu realmente me importasse com eles, agora eu sequer conseguia me importar comigo mesma...

Na verdade, eu não gostava de ninguém naquela escola. Assim que comecei a estudar lá, percebi que as amizades que ali se formavam eram apenas por "status". Também descobri que muitas garotas queriam ser minhas amigas, apenas porque eu era considerada a mais bonita da escola, e que muitos garotos queriam ficar comigo. E eles eram fúteis e uns verdadeiros canalhas, o único interesse que eles realmente tinham por mim eram apenas sexuais. Por isso logo me isolei de todos, o único amigo que eu tinha era o Josh, mas em menos de um mês de convivência perdemos o contato, já que ele tinha se mudado para Los Angeles, sorte a dele.

Já era de noite, e eu já tinha caminhado muito. Como estava carregando duas mochilas, meus ombros doíam muito e meu corpo pedia por descanso. Como já era esperado, começou a chover com muita força, e eu precisava de abrigo. Depois de andar por alguns minutos, e ficando totalmente ensopada, achei um lugar coberto para descansar um pouco, e assim que a chuva parasse, eu continuaria a minha peregrinação. Me sentei no chão, e apoiei minha cabeça sobre as mochilas. Por conta do cansaço, acabei dormindo. Mas logo meu sono foi interrompido por latidos bem finos e irritados de um cachorro.

/Chantelle

Robyn

Era o fim de uma sexta-feira qualquer. Passei o dia todo lendo alguns livros que Brittany me deu logo quando passei a morar aqui, e em seguida fui tirar um cochilo, e o que era pra durar apenas duas horas acabou durando a tarde toda.

Acordei com os latidos do Spike. No começo eu ignorei, já que ele late por qualquer coisa, mas normalmente o showzinho dele não durava mais do que dois minutos. Mas ele já latia a uns dez minutos, e comecei a estranhar.

Fui para o lado de fora, e logo descobri o porquê que ele latia tanto. Avistei uma garota sentada, um pouco sonolenta e assustada com os latidos do meu cachorro. Assim que ela me viu, corou um pouco, e deu para perceber que estava com medo.

- Desculpa... Só estou esperando a chuva passar.

Vi que ela estava encharcada, e tremia muito. Eu não ia deixar uma garota naquela situação, e ao ver as mochilas, vi que ela não tinha onde ficar. Me aproximei, e ao tocar seu rosto, senti que sua pele estava muito fria e se ela ficasse mais algum tempo ali, adoeceria na certa.

- Você tá muito gelada... Vem aqui, você precisa de um banho quente.

- Não, não precisa... Já teve incômodo demais por hoje.

- Mas eu faço questão... - Ela podia dar a desculpa que fosse, eu não deixaria ela ir embora - Está com fome?

- Não, não estou... - Eu sabia que ela estava mentindo, e não a culpo... No lugar dela, eu diria a mesma coisa.

Estendi minha mão para ajudá-la a se levantar, mas quando ela deu dois passos, se sentiu fraca e quase caiu no chão. Levei ela para dentro de casa, e já que a comida ainda estava quente, servi um prato bem clichê (arroz, feijão, bife e batata frita), e torci para que ela gostasse. Para o meu alívio, ela gostou e comeu tudinho, mesmo estando morrendo de vergonha.

Enquanto ela observava a casa ainda receosa, enchi uma das banheiras que tinha na casa com água quente, e coloquei outras frescurinhas pra ela se sentir mais à vontade. Peguei uma toalha e um sabonete e deixei lá, tudo organizado para fazer com que ela se sentisse em casa.

-  Agora vá tomar um banho e coloque roupas secas. Não quero ninguém doente aqui, tá? - Brinquei e ela sorriu, corando levemente. Ela pegou uma muda de roupas de sua mochila e eu a guiei para o banheiro.

Enquanto ela tomava banho, fiquei arrumando o resto da casa e depois brinquei com Spike. Alguns minutos depois, ela surgiu na sala um pouco tensa, como se quisesse dizer algo.

- Aconteceu alguma coisa?

- Er... - Ela corou intensamente e não conseguia mais olhar nos meus olhos - Posso dormir aqui hoje?

Me surpreendi ao ouvir aquilo, mas se ela pedisse ou não, não faria diferença nenhuma, porque eu pediria para ela ficar.

- Mas é claro que pode... Eu sei que você não tem onde ficar. Pode ficar aqui o tempo que precisar.

- Obrigada... er... Qual é o seu nome? - Foi quando me dei conta de que não tínhamos nos apresentado ainda.

- Ah, meu nome é Robyn... E o seu?

- O meu é Chantelle... E como se chama esse chiwawa que me assustou? - Sorriu e fez carinho nele.

- Spike... Me desculpe pelo escândalo que ele fez...

- Imagina, isso é completamente normal quando se tem uma intrusa dormindo no seu quintal...

Sorrimos e ficamos conversando por um bom tempo. Ela tinha 17 anos e tinha fugido de casa por problemas na família, mas o que me chamou mesmo a atenção foi a sua beleza. Ela tinha a pele branca, seu cabelo era roxo, seus olhos eram verdes, um pouco mais claros que os meus, e ela tinha um rosto angelical, como se cada traço dele tivesse sido desenhado com muita cautela. Nunca fui do tipo de achar garotas bonitas, mas ela era diferente... Talvez porque as garotas da redondeza sempre foram muito vulgares, então não tinha muito o que apreciar. E ela era tão diferente, ao meus olhos era tão ingênua, e isso era a beleza dela, além da física... Senti uma angústia por saber que mesmo sendo tão nova, ela tinha que enfrentar tanta coisa ruim.

Levei ela ao quarto que era da Brittany. Estava tudo do mesmo jeito que ela deixou antes de ir ao hospital. A cama estava arrumada, os quadros que ela pintava estavam num cantinho... Chantelle olhava tudo com atenção e até com um certo carinho.

- Robyn... Tem certeza de que não estou incomodando?

- Mas é lógico que não está... - Ela sorriu, e eu automaticamente sorri de volta. - Precisa de alguma coisa?

- Não, agora está tudo bem... Ah, gostei do patinho de borracha. - Ela corou, e pegou um ursinho de sua mochila, me deixando mais encantada ainda com tanta meiguice - Pode parecer besteira, mas eu gosto dessas coisas...

- Que isso, eu também gosto dessas coisinhas... Bem, eu já vou indo. Se precisar de algo, é só chamar, ok?

- Ok... Boa noite e... Muito obrigada por tudo... - Ela se deitou na cama e fechou os olhos, agarrando o seu ursinho.

- Boa noite, Chantelle... - Disse bem baixinho, enquanto deixei um beijo em sua testa.

Fui para o meu quarto e fiquei pensando no dia de hoje. Talvez ela tenha surgido para amenizar a minha dor pela perda da Brittany. Naquela noite eu prometi a mim mesma que cuidaria de Chantelle até que ela tomasse o seu rumo, e que enquanto esse dia não chegasse, eu estaria sempre ao seu lado, levando suas angústias para longe, fazer seu lindo sorriso brotar quantas vezes fosse preciso... Faria o possível e o impossível por ela, assim como Brittany fez por mim.