Peeta já estava cansado de suas memórias. Eram demasiadamente confusas, difíceis, simplesmente insuportáveis. Já entendera, a Capital o queria assim, pessoas realmente alteraram sua mente para que ele pensasse daquele jeito, mas não era isso que o enojava. Era o fato de ter sido tão vulnerável, tão facilmente maleável e usável.

Se odiava.

E se isso era possível, odiava ainda mais a garota em chamas. Katniss. Por que não o deixava em paz?

Paz? O que era paz? Mais uma palavra esquecida pelo tempo, assim como amor, diversão, vida… Peeta não podia se dar ao luxo de tentar lembrar-se, sabia que esses sentimentos, se assim fossem, nunca voltariam.

Bufou. Katniss, Katniss, Katniss… Amiga? Não. Não, não era. Nunca foi. Ou foi? Mais do que amiga? Não era possível… Ou era?

Soltou um berro afim de abafar seus pensamentos masoquistas e fechou os olhos com força. Não queria parecer acordado para os médicos, não queria conversar, já não aguentava mais ter que ouvi-los falando o que era verdadeiro ou não. Ele devia saber. Se irritava por ser tão inútil a ponto de não saber destinguir a realidade.

– Peeta? – um deles o chamou, mas ele ignorou.

“Peeta? Peeta, você está bem? Peeta, você teve mais um pesadelo? Peeta, você lembrou de alguma coisa? Peeta, Peeta, Peeta…. “ Eram sempre as mesmas coisas, as mesmas perguntas que não levavam a nada. Nada o faria voltar ao normal, ele sabia.

Já o convenceram que Katniss não era uma bestante, do que mais o convenceriam? Como ele ia saber se não estavam mentindo, como poderia confiar em alguém? Confiança? Outra palavra perdida…

Então, assim, de repente, lembrou-se de uma cena que ele tinha certeza que aconteceu, que era real, ele simplesmente sabia.

“Fora logo depois que foi ele foi selecionado para os Jogos Vorazes. Seus dois irmãos mais velhos o fitavam com apreensão, quase pena.

– O que vocês estão olhando? – Peeta retrucou, já se sentia injustiçado demais, exposto demais, não precisava de seus irmãos o julgando.

– Aquela menina… Ela se voluntariou para que a irmã mais nova… - o primeiro começou, mas hesitou.

– Você sabe, não é, Peeta? Se nós pudéssemos… Se não tivesse o limite de idade, nós… - o segundo completou, mas também deixou as palavras se perderem na atmosfera, não era capaz de fitar o irmão mais novo e completar a frase.

Peeta entendeu. Não precisava mais ouvir. Suspirou e tentou se expressar em vão. Os três ficaram vários minutos em silêncio, apenas emersos na tensão do momento.

– Obrigado. – foi o máximo que conseguiu se forçar a dizer no momento, mas seus irmãos sabiam o quanto ele estava agradecido por aquelas palavras, pelo apoio.

Então, virou-se e subiu as escadas, se condenando por deixar seus olhos brilhando.”

A mesma sensação do passado transportou-se para o presente. Os olhos de Peeta não conteram a emoção e logo ele estava lacrimejando, tentando impedir ao máximo o escorrer da água pelo seu rosto.

Então por um breve momento, chegou a pensar que sua família estivesse bem, que o Distrito 12 estivesse intacto, com todos andando tranquilamente pelas ruas, talvez não felizes, mas pelo menos vivos.

Mas então finalmente cedeu e, com dificuldades, deixou a imagem esvair-se, junto com o seu pequeno momento de alegria momentânea. Tinha que deixá-la ir, pois até ele sabia que aquele cenário era tão falso, que nem a Capital podia implantá-lo em sua mente bipolar.