Ertrankt escrita por petit_desir


Capítulo 6
Capítulo 6 - A Transformação.




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1938: é neste ano qual eu me encontro.

Wone havia trazido muitos problemas. Sua mãe ficara possessa de raiva e seu pai queria deserdar-la. Xingamentos não bastavam para aquele imundo, queria tirar tudo que era dela, por ter fugido com um homem, e eu, ser esse homem... Bem, piorava mais as coisas. Ter o tipo de vida que eu tinha, não facilitava muito as coisas. Não importa onde você viva, as pessoas vão falar. Seja cidade pequena ou não, as pessoas vão falar. No meu caso, a cidade era grande o suficiente para que muitos falassem juntos.

Seu pai chegou a vir bater na porta de casa, querendo obrigar-me a me casar com sua linda filha desonrada. Não aceitei, não deixei que me obrigasse. Suas ameaças nada significavam para mim. Ela era completamente responsável por seus atos, eu também... O que ele queria que eu fizesse? Ele que cuidasse daquilo que cultivou. Minhas palavras eram claras e agressivas...

“Um pai bom, chefe de família, jamais deveria ter deixado isso acontecer. Mas, onde estava você quando tudo isso aconteceu? Bebendo, claro. Deveria cuidar melhor da sua esposa também.”

Não devo falar que isso o deixou completamente irado em sua raiva. Mas, o que ele esperava de mim? Eu me casaria com Wone, mil vezes se fosse preciso, mas, diante dessas circunstâncias? Não, jamais. Muitas pessoas demoram para entender, mas, eu entendi rápido: Ninguém mandava em mim.

Wone foi enviada a um convento, aonde realmente se perverteu. Saia escondida a noite para fazer o que uma freira normalmente não faria. Não digo que ela se prostituiu, porque, jamais a vi cobrar, entretanto, isso não mudava o fato dela ter passado em mão em mão. Cheguei a vê-la algumas vezes pelas ruas, mas, ela nunca me viu – ou nunca quis ver, não sei.

Eu gostava dela, meu ressentimento e raiva havia ido embora, mas com o tempo ela se tornou enjoativa e fresca, e isso não me agradava. Ela havia deixado de ser aquela menininha que um dia eu cheguei a amar, então, apenas sua lembrança foi alimentada em minha memória. Nada mais.

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A Grande Segunda Guerra estava chegando, todos sabiam.

Os jantares na minha casa estavam se tornando silenciosos e desagradáveis. Minhas irmãs eram novas demais para entender o que estava acontecendo e meus pais perdiam a paciência muito fácil quando elas perguntavam o que estava se passando. Meus pais estavam em crise, porque tinham adquirido o trauma da Primeira Grande Guerra. Tinham medo de tudo voltar novamente, verem que eles amam indo embora, tudo que eles haviam conquistado, tirado deles... isso era o que mais os deixava aflitos.

Culpá-los por se sentir assim era inaceitável, julgando pelas perdas que ambos os dois haviam passado, anos antes. Mas como sempre, preferiam não ter uma opinião ativa com tudo isso; acredito que tinham mais medo do que tudo, o que levou-nos, também, a não ter um caráter nazi-fascista tão forte como a maioria dos alemães do nosso país. Jamais se envolvendo nos discursos do Partido Alemão Nazistas, ficamos a parte de tudo isso.


Tudo aconteceu extremamente rápido. Alguns anos se passaram, e eu consegui fugir da obrigação de me alistar, tanto porque meu pai não permitiria e eu também não queria. Sou um ser extremamente pacifico e abomino guerras ou qualquer outra coisa do tipo, e bem, cá entre nós... Segurar em uma arma nunca foi meu forte.

Então, em 1942, perto de Maio, fui forçado a ir. Logo ocorreria uma batalha... Stalingrado. Mais de 400 mil alemães foram mortos nessa batalha, que durou quase 122 dias. Não lembro o dia qual eu morri, apenas, lembro que foi no começo. Um dos primeiros batalhões da Ofensiva Alemão, estava eu, com minha imponente arma contra o peito, marchando, indo direto ao próprio destino... As conseqüências eram as de se esperar... Tão fácil como olhar em água cristalina...

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Eu sendo jeito que sou, desastrado ao extremo; mal conseguia segurar em uma arma, quem dirá apontar e atirar. Alguns soldados eram ótimos guerreiros, outros eram como eu. Meus companheiros eram todos a favor da idéia do Nazismo e defendiam com unhas e dentes o seu adorado líder Hitler. Normalmente eu apenas ouvia durante as refeições onde eles discutiam sobre as conquistas da Alemanha, e só tomava voz quando o assunto era qualquer outra coisa. Normalmente, acontecia brigas nos refeitórios e eu também me matinha afastado. Eu tentava fugir dos treinamentos para ficar dormindo no compartimento, e normalmente não conseguia. Esperava ansioso para que tudo aquilo terminasse, e eu pudesse voltar para casa logo. Eu realmente achava que eles vissem tão ruim guerreiro eu era, e me mandassem embora. Estava errado. Tudo que consegui foi meu número tatuado no braço e, junto a mim, uma arma em repouso.

Quando o grande dia foi chegando, mas eu ficava calado e entrava em um pânico interno terrivelmente assustador. Ir a guerra, lutar, como eles imaginavam que EU fizesse isso?

Era verão, o nosso exercito estava preparado para o tempo. Tudo havia sido calculado e meticulosamente, planejado.

Operação Barborossa.

Caminhávamos pelas ruas até nos darmos conta que havia milhares de soldados russos nos aguardando. Acho, que em um curto momento, eu achei que não estávamos andando para travar uma batalha em si, e sim, para descobrirmos nossos destinos atrás de fuzis. A cidade parecia deserta, só ouvia os nossos passos pesados ao tocar o chão.

Marche. Marche.

Quando vimos todos os soltados russos começando um ataque forte contra nós, no primeiro golpe já fui ao chão. O tiro no estômago foi exato e eu tinha certeza que morreria em poucas horas. O batalhão foi agüentado firme até que não tive mais visão dele por aquela rua. Vários companheiros já estavam mortos no chão juntamente com os russos.

Entre 1943 e 1955:

400 mil alemães, 200 mil romenos, 130 mil italianos e 120 mil húngaros morreram, foram feridos ou capturados pelos russos.

Era nisso exatamente que nós, humanos, nos tornamos.

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Ratos nos rodeavam e comiam as vestimentas de alguns soldados, sentindo o cheiro de sangue fresco. Alguns deles se aproximavam de mim, e eu, os espantava batendo no chão... Atirando, quando conseguia puxar o gatilho... Mas... Nem sempre os afastava. Não conseguia me mexer de tanta dor, até que ouvi alguns passos misturados com os tiros que se ouvia de longe. Não me lembro mais nada além de ter apagado na hora.

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Quando dei por mim, estava deitado em um lugar estranho e desconhecido. Não sabia aonde era e como havia chegado ali. Era um celeiro muito velho, apesar de ter achado que era um moinho. O som de engrenagens rodando do lado de fora me deram essa idéia... O cheiro de trigo era forte, o de água também...

Talvez estivesse na Holanda, mas como havia chegado lá tão rápido? Era impossível. Eram apenas devaneios... A sensação que eu sentia era tão estranha, era pior do que estar bêbado...

 

Estava deitado por uma palha antiga, muito seca e áspera. Observava tudo, mas sem me levantar... Estava curioso, mas não a esse ponto. Olhava para todos os lados, em busca de alguém, e tentei gritar, mas não conseguia. Percebi que ainda era dia, por que alguns filetes de luz passavam pelas madeiras, fazendo que partículas de poeira dançassem no ar.

Soltava longos suspiros até perceber que minha barriga estava totalmente curada e a dor havia passado. Pelo menos... Naquele local... Estava começando a ficar realmente assustado. Meus olhos se fecharam, pesados... E eu voltei a dormir... Algumas horas após, meus olhos se abriram e eu novamente ouvi os passos... Eu já conhecia aqueles passos. Como... Não conhecer?

Lá fora já estava escuro e uma brisa fria envolvia meu corpo. Senti ele se arrepiar por inteiro, quando ouvi sua voz pela priemira vez...

- Boa Noite, Raphaël.

Sua voz ecoou de uma forma sinistra. Eu tentava buscar donde saia àquela voz, mas não via nada além de escuridão. Apenas escuridão... Então o vi parado bem a minha frente. Estava totalmente trajado de preto, pelo pouco que pude identificar. Alguns passos e agachou-se, olhando bem na minha face, então deu uma tapinha de leve nela.

- Sabe o que eu sou, criança?

Olhei-o assustado de novo. Sem saber o que dizer.

- Será igual a mim, a partir... – olhou no seu relógio de pulso -, agora.

Ele me segurou e ergueu-me para cima dele, então consegui ver sua face com mais facilidade. Tinha traços egípcios, que vim a identificar mais tarde, enquanto relembrava o processo... Ele tinha um olhar penetrante e macabro. Olhos totalmente pretos.

Ele abriu a boca e eu vi com clareza os caninos... Grandes, brancos... Cruéis... Ele mordeu meu pescoço, logo me jogando no chão e drenando meu sangue por completo. Seu peso sobre mim me machucava... Vi meus braços murchos e os ossos dos dedos apenas encapados com a pele. Estava preste a morrer, quando ele rasgou o próprio pulso e colocou sobre a minha boca para que eu bebesse o sangue viscoso que saia dele.

Relutei nos primeiros instantes, mas logo bebi... Bebi tudo que conseguia, até me embriagar. Foi a primeira vez que senti ânsia por algo, ânsia de verdade... E até então, qualquer desejo havia se tornado tão fútil... Ele puxou o braço com força, afastando-me aquilo que havia despertado algo tão... Forte.

Quando me dei conta que estava ardendo por dentro, minha carne se desprendia da pele trazendo a sensação de formigamento. Sentia enjôo, nojo. Sentia tantas coisas, que eu não sabia nem mais o que eu realmente sentia.

- Não se assuste, isso é completamente normal, Raphaël. Você irá morrer agora, será muito doloroso – deu uma risada -, mas daqui uns dias não sentirá mais dor. Você tem duas presas, as usará para morder e tirar sangue de suas vitimas, esse é seu alimento. Sim, viverá da vida dos outros humanos.

Ele me olhava com dó mais ao mesmo tempo com frieza. Acho que era deboche, enquanto eu me contorcia no chão, sentindo aquilo tudo corroer meu estômago, feito ácido.

- Será para sempre um bebedor de sangue como eu, criança. De dia ache um lugar para dormir, o sol pode lhe matar e o fogo também, fuja dele. Sei que gosta de desafios, Raphaël... Supere esse.

Ele se virou uma última vez e soltou uma gargalha. Sádico, hoje desconfio que aquele monstro era um sádico... Minha expressão era totalmente de dor.

Quando ele finalmente foi embora me deixando lá, sozinho, sentindo todas essas sensações novas dentro do meu corpo. Agonia, talvez seja isso que descreva melhor aquele momento. Fiquei lembrando de suas palavras durante todos os dias da minha difícil transformação. Os cheiros me enjoavam, os fluídos saiam de meu corpo em abundância e me davam ânsias, vomitava tudo que estava no meu estômago, que eram apenas mais fluídos do meu corpo. Quando dei por mim, estava no sétimo dia de transformação.

E não foi Deus que levou sete dias para criar a Terra...? Talvez levasse sete dias para a destruí-La também. Sete dias foram necessários para que o mal renasce e se chamasse Raphaël.
- - -


Minha primeira caça foi engraçada olhando agora para trás. Não ter controle da minha própria força, andar sem notar a rapidez... Os olhares curiosos... Eu estava morto e eu não havia reparado nesta verdade ainda. Acabei matando os seres humanos no quais me deleitava com uma rapidez incrível, quebrando-lhes as vértebras em um só reflexo. Era desajeitado ao extremo, e demorei um pouco para pegar uma certa prática, afinal... Todos demoram... Era um pouco patético.


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Notas finais do capítulo

Continua.



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