Ertrankt escrita por petit_desir


Capítulo 4
Capítulo 4 - Demétria.




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Uma das senhoras que mais me recordo foi aquela, com qual atingi minha maturidade. Era uma linda francesa, parisiense de nascença – o que era bem perceptível pelo sotaque, coisa que reparei de imediato quando a conheci. Havia se mudado para Alemanha, há pouco tempo, aliás. Era deslumbrante, a forma que andava, a sensualidade que usava quando falava o alemão com certa dificuldade, e era até mesmo um apelo sexual quando ela tentava fazer a pronuncia correta chamando toda atenção para seus lábios carnudos e sempre pintados com o carmim. Chegava ser obsceno. Chamava-se Demétria.

 

Madame Demétria, para mim, como exigia sempre, mesmo na cama.


Ela era muito calma e séria, serena diria. Tinha cada frase de efeito planejada e sabia calar qualquer um com a maior sutileza, até mesmo meu pai – o que era bem difícil, eu devo confessar. A primeira vez que a vi, ela estava saindo do escritório dele agradecendo-o por serviços prestados. Sua voz invadiu a sala de espera, e seu olhar tomou a atenção de todos que se sentavam naquele velho sofá de couro.


Quando ela colocou os olhos em mim, abriu um imenso sorriso emoldurado por aqueles lábios... Ah! Aqueles lábios eram desejáveis, poderiam dar alucinações a qualquer um que se quer os olhasse... Na verdade, não sabia dizer que tipo sorriso era, pois estava misto de intenções. Intenções que iam muito além de qualquer uma que já tinha tido contato até então. Era novo e tentador. Uma sedução nova. Um jogo novo.

Cumprimentei-a e ela saiu pela porta com um rebolado que chamava muito a minha atenção, não só a minha, mas sim de todos a nossa volta a não ser meu pai.

Perguntei-o quem era ela... Ele não respondeu. Então, alguns dias se passaram até que eu a visse novamente. Esses dias foram um pouco vazios, ela não saia da minha mente. Foi a primeira que me interessou de forma diferente. Contava horas, minutos para vê-la, mas meu pai, que havia percebido minha fascinação, fez de tudo para que eu não a visse. Porém, certo dia ele precisou me mandar.


Era um dia bem gelado, a neve caia pelas ruas enquanto eu caminhava calmamente pelas calçadas. Berlim continuava agitada, mesmo com o frio. Essa cidade nunca parava, mesmo em tempos pós-guerra ela parou. Sempre amei minha cidade. Berlim geralmente freqüenta meus sonhos até hoje.

Lembro-me daquele dia muito bem, como se o vivesse todo tempo em minha memória.

Não era um dia muito agitado no escritório, então entregaria isso e voltaria para casa, estava calmo e ao mesmo tempo ansioso. Vê-la novamente... Deus havia sido piedoso comigo, e fazendo meu pai me dar essa encomenda - pensava. Eu estava louco para revê-la novamente.


Quando cheguei em seu prédio, pedi para o porteiro deixar-me entrar. Era um edifício de luxo e de bom nome, muito conhecido – já hoje esquecido pelo tempo. Preferi não subir pelo elevador porque além de medo, ela morava no segundo andar. Sempre fui um pouco medroso, em relações a alturas. Nunca fui muito adapto a elas, e talvez até hoje eu evite-as, apesar de todos os apartamentos que hospedo serem coberturas.

Lembro-me até hoje o número de sua casa... Apartamento N° 12. Quando bati na porta, um homem alto e magro veio, parecia meio corcunda e era velho, pelo que pude perceber. Seu mordomo. Atendeu e arqueou a sobrancelha, com o ar entediado, até mesmo negligente. Ele deveria ter uns setenta anos para mais. Seu rosto estava caído pela velhice, e os olhos eram tristes e cansados. Parecia exausto. As mãos também tremiam ao segurar na maçaneta da porta, enquanto ele mantinha fixa seu olhar em mim com uma interrogativa no rosto.

Ele perguntou se poderia me ajudar – sua voz me saiu tão arrogante naquele momento -, e mostrei o recado que tinha para entregar. Falou que ele mesmo entregaria à Senhorita – não precisa comentar como fiquei feliz ao saber que ela era solteira? E eu disse que não, que estava sob minha responsabilidade em um tom bem cínico.

Deixou-me entrar, meio contrariado, mas deixou... Acho que se dependesse dele me mandaria aguardar no corredor, mas a Dona da casa poderia ficar brava. Esperei durante alguns minutos na sala sentando no sofá olhando para o teto distraído, quando ela apareceu na porta apoiando-se em sua lateral, com um sorriso radiante.

Então disse: “Menino Vigée-Lebrun”, em um sotaque francês bem carregado, o que me fez sorrir. Sempre adorei o francês, e posso dizer que depois conhecer Demétria, eu fiquei ainda mais apaixonado.

Fui ao seu encontro e beija-lhe a mão como uma forma de comprimento, via sempre em teatros e em peças, achava bem agradável. Foi a primeira vez que fiz isso e ela riu, um pouco convencida que lidava com um principiante.

Mostrei-lhe o papel de meu pai e ela pediu para que eu me sentasse sem dar a mínima importância a minha missão. Nem eu dava, na verdade.

O apartamento era de fato muito bem mobilhado e aconchegante, os sofás eram grandes e macios, afundei-me em um deles, enquanto a observava. Era tão felina. Ela se dirigiu ao bar e perguntou se eu bebia algo... Então respondi o que ela quisesse me oferecer eu aceitaria. Bem, ela deu um sorriso malicioso nessa hora. Olhava-a desmedidamente, sem me importar se estaria sendo mal-educado ou não. Trazia um copo de porte alto e fino, bem detalhado com fios de ouro e entalhado lindamente, para mim com alguma bebida destilada, que eu ainda não sabia o nome.

Ela disse seu nome, enquanto ia buscar outras coisas no bar. Absinto. Ela se sentou ao meu lado, enquanto colocava o açúcar no copo e logo água. Sorridente, deu um dos copos em minha mão. Não tinha idéia do que aquela bebida poderia ser, só mais tarde naquela noite eu descobri seus efeitos reais.

Perguntei-lhe porque havia deixado a Paris e ela simplesmente não respondeu, e estava começando a me irritar todo mundo ignorar minhas perguntas. Meu pai fazia o mesmo quando tocava em seu nome. Ela também era uma máscara de mistérios.

Ela então me perguntou minha idade.


-16 quase 17... – disse-lhe quase gaguejando, já um pouco tonto com a bebida.


Ela olhou com um rosto quase materno e começou a fazer perguntar indiscretas. Eu sempre fui firme com todas as mulheres que me assediavam, mas essa... Essa era diferente. Ela mexia o cabelo de forma diferente, sorria de forma diferente, andava e falava de forma diferente. Até seu cheiro era diferente – vim a descobrir que era uma fragrância japonesa, usada por gueixas da época. Era algo extremamente sensual.

Então, em poucos minutos já estávamos pelo chão rolando feitos dois animaizinhos selvagens. Devo confessar que ela me iniciou, verdadeiramente na minha vida de homem. Foi a primeira mulher da minha vida. Tudo mudou, não gostava mais de jogos com senhoras ou suas filhas, jogos de olhar. Eu queria mais. Queria sempre mais, ela me fez perceber que eu não deveria me prestar como objeto mais, mas sim como manipulador.

Quando voltei para casa naquela noite bem mais tarde, quase ao amanhecer, meu pai esperava-me na sala com um rosto desinteressado e a me ver passar pela porta arqueio as sobrancelhas. Então perguntou por que eu havia demorado tanto. Sua voz sempre foi séria, fria e inflexível e naquele momento parecia mais cortante do que nunca. Não era a toa que era tão bom advogado, ele intimidava as pessoas naturalmente só com se jeito de ser. Mas, não queria falar para ele o que tinha acontecido.

Inventei uma desculpa qualquer de ter ido beber com uns amigos e acabei perdendo a hora. Além do mais ele nunca aprovaria, do que me valia levar uma bronca naquele momento também? Ele sabia do meu interesse por Demétria, aliás, sabia de todas as minha aventuras. Nem sempre se importava, até ajudava às vezes quando eu pedia. Mas ela em questão, ele reprovava terminantemente em todos os aspectos possíveis e impossíveis. Ele se levantou e me rodeou. Observava-me da cabeça aos pés, procurando algum vestígio que me incriminasse. Finalmente disse que eu estava cheirando a bebida mesmo, mas não entendia das roupas amassadas. Estava quase suando quando lhe disse que nos havíamos ido a um bordel também. Estranhou, por que nunca havia visto prostituas com perfumes importados. Cheque-mate. Quase quis perguntar se por o caso ele conhecia o cheiro delas tão bem para saber, mas seria uma falta de respeito intolerável. Preferi me calar, e naquele momento foi o que me pareceu mais sensato.

Ele novamente arqueou as sobrancelhas e deu uma risada debochada de mim, aliás, deu até um tapinha nas minhas costas. Então foi para o quarto dormir, alegando estar cansado. A noite foi passada inteiramente desacordada, ficava pensando nela e na mentira que havia contado ao meu pai, que sempre fora um grande amigo. Eu sempre tive um grande respeito por ele. Hoje em dia, falando, é algo raro... Algo que eu acabei reparando, naqueles tempos certas coisas que fizéssemos e falássemos era muito desrespeitoso, mas agora... É tão banal.


Então, na manhã seguinte no escritório quando seu primeiro cliente saiu, entrei para conversar com ele sobre o ocorrido. Ele simplesmente continuou a ler o livro que precisava ser relido e disse que já sabia, e que tinha observado o olhar dela a me ver na primeira vez que esteve aqui. Fiquei pasmo então, dei uma risada, já devia imaginar que ele sabia. Era mais astuto do que eu jamais seria. Ele conseguia saber se alguém mentia ou não só pela sua voz ou pelo vocabulário que usava – as pessoas tendem a ficar mais sérias ou mais desleixadas quando estão nervosas.

Ele olhou por baixo para mim e disse que não era para me envolver com ela... Além de ser uma mulher bem mais velha, era uma cortesã francesa muito conhecia porque havia se mudado para cá para ser amante de um político importante na época, não vou citar nomes, seria como revirar um passado já esquecido.

Disse que não a veria mais, mas... Digamos...Nunca fui de acatar ordens impostas pelos outros, e isso incluía meu pai, infelizmente.

Algumas vezes ao mês ia a sua casa lhe fazer uma visita, o que era agradável para ambos. Demétria sempre era carinhosa comigo, e de certo modo... Muito envolvente. Sentava-se ao piano, nua logo após de termos relações e tocava. Às vezes e mostrava algumas partituras que escrevera. Subestimavam muito seu talento, devo confessar, por isso nunca chegou a mostrar a ninguém suas lindas músicas, a não ser para mim. Ela se apaixonava por. E eu estava encantado com ela, mas logo... Perdeu a magia. Criei grande afeto por ela, a desejava, mas não a amei com ela chegou a me amar.

Foi com ela que ouvi pela primeira vez Sonata ao Luar... O que virou uma obsessão para mim. Havia algo naquela música que me envolvia, além de que Beethoven era um grande compositor, sabia como tocar a alma das pessoas, especificamente a minha naquele momento. Ela tinha um jeito de mulher madura e ao mesmo tempo de menina sapeca (com os íntimos e isso não incluía seus clientes). Gostava de estar com ela, e não necessariamente estar nela. Eu cheguei a amá-la, mas nada que me machucasse por inteiro se ela partisse (Mentira, eu sentiria muito a sua falta).

Meu pai sabia dos encontros e cada vez que percebia as marcas de batom – um vermelho escarlate, que apenas ela usava -, me olhava de forma distante e irritada, evitando falar comigo o tempo todo que freqüentei a casa dela. Até o dia que completei 18 anos, ela voltou para França se despedindo de mim com um longo beijo e uma noite inesquecível, ao amanhecer antes de ir embora sussurrou em meu ouvido que me amava e um dia voltaria.

Ela nunca voltou.

Foi morta durante o caminho por um assassino de aluguel, mandado pelos inimigos do político, qual que era amante, eu vim, a saber, bem mais tarde. A única coisa que me restou dela foi em um caderno um versinho que ela fizera para mim, uma flor seca e murcha ente as folhas amareladas. E ainda o tenho, está guardado na minha propriedade em Berlim, a antiga casa de meus pais, escondido em meu quarto.

 


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Notas finais do capítulo

Continua.



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