O relógio marcava exatamente quatro horas da manhã, quando Uchiha Sasuke entrou no Mercedes clássico pelo qual dava a vida parcelando (e nem relativamente novo era) e cerrou com força as mãos no volante encapado, batendo ali a testa em busca de apoio.

Havia levantado uma hora atrás com Bono Vox cantando "The heart is a bloom / Shoots up through the stoning and ground" e percebeu que a intenção de usar essa música de toque de chamada para acalmá-lo fora falha. Seu estômago estava rodando e uma dor de cabeça pulsante tentava perfurar sua testa e sair pelo ouvido, enquanto o Uchiha imaginava todas as formas possíveis de enforcar o vocalista do U2 com o fio de seu microfone.

Sasuke escalou seu caminho pela cama batendo as mãos sobre o colchão, fazendo o celular saltar de um lado para o outro fora de alcance. Vendo a luz azul do visor se tornar visível e depois oculta nas dobras do lençol, fez uma lista mental de todas as pessoas que poderiam ter a audácia de ligar para ele àquela hora.

Curiosamente, esta lista se resumia a uma só pessoa.

– Itachi. – Silabou furioso ao abrir o flip do celular.

– Bom dia para você também, irmãozinho.

– Ah, vai se ferrar. – Afastou o celular decidido a desligá-lo ali mesmo e voltar a dormir, mas se impediu no último momento. Não parecia uma boa ideia. – O que é que você quer?

– Que bom que perguntou. – Itachi fez uma pausa e seu sensível descaso do outro lado da linha deixava seu irmão cada vez mais irritado. – Nós tivemos um problema e eu preciso que você venha pra cá.

Sasuke bufou ao se jogar de costas na cama e enfiou a mão no cabelo.

– E você não pode mandar ninguém no meu lugar, Itachi? Pede pro Shikamaru e me deixa dormir.

– Claro. Você sugere o quê? Que eu mande ele cruzar o país inteiro para resolver esse problema? Talvez ele chegue semana que vem pra lidar com uma coisa urgente.

– Ele já não devia ter voltado da lua-de-mel? – Impacientou-se.

– Ele foi ontem, se você se esqueceu.

– Foda-se! Acho que você é quem esqueceu que concordou em me deixar ir embora e cuidar das coisas aqui. Eu vim pra cá justo para evitar essa encheção, e olhe só quem é que me liga às quatro da manhã me pedindo pra voltar pra casa. Por favor, Itachi, eu não tenho tempo pra sua hipocrisia.

– Nós dois sabemos que você não foi embora por causa disso. – Jogado na cama, Sasuke rosnou – E veja só quem está sendo hipócrita, fugindo dos problemas como uma criancinha se fazendo de mártir.

– Não quero falar disso.

– Ótimo, porque eu não quero falar disso também. – Uma pausa. – Apenas confirme que vai estar aqui.

– E eu tenho escolha?

– Não realmente.

– Então vou estar aí pro almoço.

– Se cuida.

Mas Sasuke já não estava mais ouvindo.

O mau-humor baixara ao desligar o telefone e levantar-se para cuidar da própria vida. Passara metade daquela hora debaixo do chuveiro e a outra metade tomando um café sem açúcar, sozinho na cozinha. Agora, sentado no banco do carro, ele sentia a temperatura fria da manhã entrando por cada uma das frestas da porta e sentia a si mesmo congelado demais para girar a chave e dar a partida. Ali, com a testa apoiada no volante frio, pensava em como sua vida estivera perfeita até receber aquele telefonema e ouvir o decreto que arruinara todas as mentiras até o presente momento.

(hora de voltar para casa)

Era hora de voltar pra casa, mas já havia se passado um ano. Um ano em que mentira para si mesmo, um ano em que tentara fingir que nada havia acontecido ou estava acontecendo, fingir estar bem, fingir lidar com seus problemas ao invés de evitá-los. Havia conseguido enganar a si mesmo, com suas mentiras repetidas todos os dias como mantras. Havia conseguido convencer-se. E agora teria que deixar essa segurança para trás e voltar, retroceder ao olho do furacão para encarar pela primeira vez em um ano aquilo que não queria ver.

Teria que encarar Uzumaki Naruto.