Amargo Regresso escrita por Aki Nara


Capítulo 24
Capítulo 24 - Esclarecimento




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A sombra de Ângelo apareceu cobrindo a sua visão do céu para dar lugar aos olhos, não mais furiosos, porém conhecia aquele sentimento, tristeza e dor se mesclavam entre eles. Uma folha com o resultado do ultra-som lhe foi entregue.

_ Isso só prova que fiz o exame, não é? – disse amarga sem abrir o papel e se levantou para ir embora. – Não me inocenta de ter estado com Augusto.

_ Mai... – ele pegou sua mão impedindo-a de se afastar. – Eu fui um idiota a pouco, mas não se vá sem que tenhamos resolvido isso... Você não acha que uma vez já foi o suficiente? Veja quanto tempo nós perdemos...

_ Você não perdeu tempo – jogou-lhe na cara.

Ele respirou fundo e se calou por um momento antes de voltar a falar.

_ Não posso voltar no tempo, não é como um traçado a lápis que você possa apagar... Deus, Mai – ele passou as mãos pelos cabelos como se tentasse recobrar a memória. – Eu lembro que nos encontramos numa festa de Revelion e que bebi muito, mas não lembro de ter dormido com ela. O fato é que acordei na cama dela. É a minha palavra contra a dela. Em quem você prefere acreditar?

_ Sempre em você. E eu esperava o mesmo de você – as lágrimas verteram novamente como contas.

_ Você é a única que consegue me deixar inseguro... Eu não gosto de estar sem controle. Viver com você é como uma roleta russa, eu não sei o que esperar... Mas mesmo assim, eu sinto a sua falta como sinto do ar que respiro – o tom era de desespero. – Eu não gostaria de estar com mais ninguém... Desde que te conheci, eu nunca consegui esquecê-la. Você sempre povoou meus sonhos de criança, minhas fantasias na adolescência e meus pesadelos quando foi embora...

_ Desde criança? – voltava os olhos para ele.

_ Quando vim morar com o meu pai, eu era um garoto solitário e vinha para essa árvore, só para espiar você e sua irmã. No começo, eu não sabia distinguir, mas aos poucos fui percebendo as diferenças entre vocês duas. Você sempre acabava chorando por causa das brincadeiras que Mia aprontava.

_ Por que nunca apareceu para brincarmos juntos? – enxugou as lágrimas com as costas da mão.

_ Por que além de solitário era tímido. Era difícil se acostumar com uma vida nova. Observar de longe estava bom para mim até aquele dia em que você se machucou.

_ Você também fez parte dos meus melhores sonhos. Aquele lenço está guardado.

_ Mas... você se esqueceu de mim – ele estava magoado.

_ Eu esqueci. Por muito tempo tentei viver a vida por Mia.

_ Eu passei a minha infância toda lembrando de você... No dia da missa... Eu sei que não era um dia propício, mas era a chance que tinha para me aproximar e...

_ E eu disse que não me lembrava de você.

_ Eu me senti um completo idiota. Naquele dia eu decidi esquecê-la e Juliana foi uma dessas tentativas.

_ Eu me sentia culpada pela morte de mamãe e de Mia. No início, era bom fugir da dor, era meu jeito de viver sem culpa, mas fingir ser Mia acabou sendo um meio de fugir das decisões, das responsabilidades e de mim. Eu tinha medo de me apegar e com isso perdi amigos. Procurei a ajuda de Augusto porque estava no fundo do poço e não conseguia sair sozinha.

_ Então... nos encontramos?

_ Um dia antes da formatura, Augusto me liberou da terapia e eu estava apta a caminhar com meus próprios pés, sem precisar de Mia como muleta. Eu estava insegura e com muito medo.

_ Quer dizer que você... Tinha escolhido ser você novamente.

_ Sim, Ângelo. Você veio sabatinado por meu pai e preparado para encontrar uma desequilibrada e eu me escondi em meu casulo. Era mais cômodo deixar você decidir quem eu era e agir como você queria, do que me arriscar a ser eu mesma e ser rejeitada.

_ Eu tentei esquecê-la, mas não consegui. Estar ao lado do senhor Nagano foi uma forma de resgatá-la. Seu pai nunca falou de você como uma filha problemática ou como uma desequilibrada. Ele queria protegê-la e eu queria a chance de fazê-la feliz. No dia da formatura, eu fui com tudo planejado para impressioná-la.

_ E impressionou porque jamais imaginaria que andava com um anel de noivado no bolso.

_ Sei lá. Comprei pensando em você sem mesmo saber se um dia chegaríamos a isso.

_ Nosso começo foi tão inesperado...

_ Você também sentiu dúvidas? Toda vez que você me lembrava que estávamos “ficando”, eu arranjava mais motivos para “ficarmos” mais. O falecimento de seu pai nos deixou mais próximos e não sei o que teria feito se você não aceitasse se casar.

_ Deixei você decidir as coisas importantes para nós dois porque era uma forma de me proteger da rejeição. Boas ou más, todas as decisões eram suas.

_ E eu gostava disso. De decidir por nós... Eu me sentia no controle. Mas quando você sumiu... Eu vi que construímos uma base de sonhos e elas ruíram na primeira crise.

_ No dia de nosso casamento... Eu estava no escritório e ouvi Gilberto...

_ Eu estava tão nervoso, Mai. Nem me lembro o que aquele imbecil falou.

_ Ele disse que você foi esperto por conseguir de graça o que seu pai nunca conseguiu pagando, a fazenda e de quebra ainda teria uma mulher para esquentar suas noites.

_ Por que não me contou? – disse abraçando-a de repente.

_ Perdemos tanto tempo quando podíamos apenas ter conversado sobre nossos medos.

_ Nunca mais quero estar no inferno. No primeiro ano, tinha a esperança que voltaria. Mesmo te procurando... Eu tinha certeza que você voltaria assim que sua crise passasse. No segundo ano, eu reformava nossa casa pensando no que você gostaria, os dias se arrastavam e eu me entreguei ao trabalho para não pensar. O terceiro ano, o trabalho havia dado frutos, mas foi difícil e eu teria perdido todas as esperanças se não tivesse sido sua avó...

_ Vovó? – surpresa olhou-o.

_ As cartas começaram a chegar no início do ano, ela mandava uma carta por mês, mas como pensava em se tratar de um parente seu, passei um ano inteiro recebendo sem abri-lo. Empilhei um monte sobre a mesa e num desatino de desespero eu derrubei tudo. Foi quando percebi pela primeira vez que eram para mim. Ela me mandou fotos de você grávida e eu pirei. As cartas estavam todas escritas em japonês, ainda levei alguns meses para tomar coragem e procurar um tradutor. Catarina foi crucial nisso. Ela queria que eu parasse de me torturar.

_ Oh, Ângelo. Ajudaria se eu disser que vivi remoendo os meus passos todos os dias. Estar grávida e esperando um filho nosso... Sem você... Eu me arrependi tanto por ter sido precipitada.

_ À medida que lia as traduções fui percebendo a preocupação dela em informar que você estava bem, eu nunca fiquei tão feliz por saber que tinha um filho e tão furioso por não ter acompanhado seu crescimento. Estava decidido a dar um basta, mas era tempo demais para estar dentro do avião. E quando cheguei à casa de sua avó, eu já tinha traçado todos os passos para obrigá-la a voltar comigo. Ainda tem dúvidas sobre nós?

_ Não quero mais ter dúvidas, mas não quero que fique comigo por causa deste bebê – alisou a barriga.

_ Nunca foi por causa de nossos pais. Nunca foi por causa desta fazenda. Posso ter usado Ken para tê-la de volta, mas nunca será somente por nossos filhos. Eu preciso de você, Mai. Eu posso inventar um milhão de motivos para você ficar comigo, mas não consigo, não quero... Pensar que você não queira estar comigo – os olhos se encontraram. – Amo você para o resto de nossas vidas.

_ Eu esperei tanto por essas palavras – beijou-o sofregamente. – Mas Catarina me ensinou que o que você não diz com as palavras demonstra em dobro com suas ações.

_ Mulher sábia, mas eu sempre lhe direi quando quiser ouvir.

_ E eu sempre lhe direi quando quiser falar. Amo você, amor.

Ele debruçou-se deitando sobre ela. Foi um beijo cálido, mas possessivo. Um toque brando, mas avassalador. A vida valia à pena porque os opostos se atraem na medida certa, feita de altos e baixo do que podemos aprender e ensinar. Se amargo foi o regresso, doce estava sendo o despertar para um novo recomeço.


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Notas finais do capítulo

Obrigado a todos que acompanharam esta fic. Principalmente para Moni e Ghostlove. Amei seus reviews. Espero encontrar todos vocês em minha outra fic. Lágrimas Por Amor.Beijos