O menino arregalou os olhos, sentindo as suas mãos tremerem enquanto tentava acalmar a sua respiração acelerada. Era a terceira vez naquela semana que tinha o mesmo sonho, apesar de que ele chamaria aquilo de pesadelo... Ele queria saber quem era o garotinho tão parecido com si mesmo que aparecia cada vez que ele pregava os olhos e vinha sussurrar-lhe sobre como ele não deveria estar ali, como aquele quarto era seu e coisas parecidas. Se fosse só isso, estaria tudo bem, mas era a aparência do garoto do sonho – pálido, com os cabelos escuros caindo-lhe sobre o rosto, molhados, assim como as suas roupas, que pingavam água, lábios azulados e grandes olheiras ao redor dos olhos claros – e o tom ameaçador que ele usava.

“É só um sonho, Tom,” ele murmurou para si mesmo, voltando a fechar os olhos e ordenando a si mesmo a esquecer a imagem do menino desconhecido, mas foi apenas uma questão de segundos até que sentisse uma sensação esquisita invadir o seu corpo. Era como se todo o quarto tivesse esfriado subitamente. Pequenas nuvens de fumaça saiam de sua boca enquanto respirava e ele podia sentir os seus dedos ficarem gelados. “É só um sonho.”

Fechou os olhos com força e respirou fundo, apertando o cobertor ao redor de seu corpo, tentando afastar o frio, e dizendo a si mesmo que era só pegar no sono e o frio iria sumir, assim como aquela sensação estranha de estar sendo observado.

***

“Pai...” O homem sentiu o lençol sendo puxado e resmungou algo incompreensível, antes de finalmente abrir os olhos.

“O que houve, Tom?” Ele perguntou, passando a mão pelo rosto, finalmente vendo a imagem do filho entrar em foco. O menino estava parado ao lado da cama, encarando-o com os olhos azuis arregalados.

“Posso dormir aqui?” O garoto apontou para a metade vazia da cama de casal que deveria estar sendo ocupada por sua mãe, caso ela não estivesse em Londres visitando uma antiga amiga do colégio.

“Tom...”

“Por favor, pai.” O menino segurou-lhe a mão e o homem se assustou com o quão gelados estavam os seus dedos.

“O que houve?” Perguntou Thomas, sentando-se e olhando o filho.

“Não consigo dormir, só isso,” a criança murmurou.

“Você está tremendo, Tom, apenas não sei se é de frio ou medo... Venha aqui.”

O garoto deu um leve sorriso, antes de subir na cama e acomodar-se ao lado do mais velho. O homem o encarou por um tempo, antes de segurar as suas mãos novamente, sentindo os dedos gelados do outro tremerem contra a sua palma.

“Não gosto de vir aqui.”

“É a casa dos seus avós, Tom...”

“Eu sei, mas não gosto daqui,” seu filho falou, virando-se e fechando os olhos.

Não demorou muito para que o menino adormecesse. Thomas suspirou, passando a mão sobre os cabelos escuros do filho e sorrindo sutilmente. É claro que ele não admitiria aquilo em voz alta, mas sabia muito bem o que Tom estava querendo dizer sobre não gostar do lugar. Apesar de ter crescido ali, o homem não gostava daquela casa nem um pouco, muito menos o quarto de hóspedes onde seu filho normalmente dormia quando ele e Mary iam visitar seus pais. Para ele, aquele desconforto que sentia àquele lugar era uma coisa pessoal, mas não havia muito sentido Tom ter o mesmo desgosto pela casa.

Balançou a cabeça, rindo baixinho e dizendo si mesmo que aquilo tudo era apenas uma paranóia sua. Ele não gostava da casa e pronto. Seu filho não gostava dali simplesmente porque não era a sua casa. E é claro que aquele estado de medo do garoto não era por conta da casa, mas sim por causa de algum sonho ruim ou coisa parecida.

*** 

Ele cerrou os punhos, olhando para menino estranho que, há pouco, estava ocupando o seu quarto, deitado na sua cama, tomando o seu lugar. Estreitou os olhos enquanto observava o homem deitado ao lago do garoto... Ele sabia muito bem que conseguiria machucar pai e filho caso quisesse, seria fácil e nenhum dos dois perceberia o que estava acontecendo, afinal, quem morre por hipotermia morre dormindo. Mas aquele homem era a única pessoa a qual ele não machucava. Não porque gostava dele ou coisa assim, muito pelo contrário...

Ele detestava Thomas Riddle. Sempre detestou e sempre detestaria. Afinal, seus pais o haviam trocado por ele. Thomas, o filho mais novo. Tom, o irmãozinho. Tommy, o substituto... Pelo menos aquilo. Ele sabia que seu irmão sempre seria apenas um substituto para aquilo que ele fora para os seus pais. Mas, ainda assim, sua mãe gostava do outro... Talvez por eles serem tão parecidos fisicamente, quem sabe, mas o que importava era que mamãe gostava de cuidar de Thomas e machucá-lo seria machucá-la.

Respirou fundo – se é que aquilo poderia ser chamado de respirar – e deu as costas para pai e filho, decidindo que o melhor a fazer era voltar para o seu quarto e ficar lá, guardando o cômodo que uma vez fora seu, como sempre fazia noite e dia nos últimos quarenta e quatro anos.