Capítulo 18

Christina pegou o carro de Ethan e foi levar Nara para um médico o mais rápido possível. Ethan ficou parado comigo, apenas me abraçando e esperando que eu me acalmasse. Toda vez que lembrava das palavras cortantes de Nara, sobre Ethan me matar no instante que soubesse quem eu sou, agarrava sua jaqueta e recomeçava o choro. Ele acariciava meus cabelos e beijava o topo de minha cabeça, tentando me reconfortar.

“Calma, Jordan.”, ele sussurrou. “Está tudo bem.”

Agarrei sua jaqueta com mais força e senti uma pontada nas palmas de minha mão. As olhei, vendo os cortes superficiais, de quando segurei a lâmina da faca. Ethan segurou-as por entre as suas e as observou, quieto. O sangue tinha se estancado, mas as marcas seriam boas cicatrizes. Tomando coragem, me levantei. Meus olhos perdidos na escuridão ao nosso redor. Minha mente perdida nos acontecimentos anteriores. Eu havia esfaqueado uma pessoa que só queria proteger o amado. Que tipo de pessoa imunda eu era? Comecei a me afastar de Ethan, ainda em estado de torpor, mas ele me puxou de volta para o círculo protetor de seus braços. Eu nem hesitei ao envolver meus braços em torno de seu corpo.

“Vai ficar tudo bem, eu prometo.”, ele sussurrou em meus cabelos.

Eu só pude assentir e deixar que ele me levasse para casa. Minha cabeça parecia pesar uma tonelada. Memórias das palavras cruéis de Nara queimavam no fundo de minha mente. Por mais que eu tentasse bloquear a dor, pelo menos na frente de Ethan, não sabia por quanto tempo mais poderia segurar. Ethan entrelaçou nossas mãos e me puxou em direção a minha casa. Sentia frio por dentro. Era como se eu estivesse fazia. Um buraco começando a se formar lentamente. Tentei evitar de me encolher, mas foi quase inevitável.

Ethan parou, me olhando com preocupação evidente em seus olhos verdes. Com a impossibilidade de ler seus pensamentos, me fiz aprender a ler as suas emoções. E pelo que estava vendo era óbvio o que estava pensando. Queria que seus poderes funcionasse comigo, apenas para me livrar daquela dor fantasma. Ah, o desejo era mútuo. Mas, para me tirar aquela dor, teria que apagar da minha mente muitos mais do que apenas aquela noite. Talvez pudesse apagar a minha inteira.

Seus olhos se desviaram dos meus com um tom de azulado neles. Ele engoliu a seco e continuamos o caminho. Eu queria tanto ser apenas a garota nova e estranha com que os poderes Carmim não tinham efeitos. Pelo menos o dele. Mas, para todo ato, tinha uma explicação. E a minha explicação era que Ethan nunca poderia saber o que eu era. Pelo menos, não por enquanto. Talvez eu ganhasse tempo com Nara apagada. Seria pouco, mas fundamental.

“Chegamos.”, ele me disse.

Levantei meus olhos, surpreendida com a rapidez da nossa chegada. Estávamos parados do outro lado da rua, em frente a minha varanda. A luz da sala acesa e os pensamentos de Megan bem despertos. Fiz uma careta. Ela iria me dar a bronca do século. Isso se ela não tivesse um surto por ver o estado em que tinha entrado em casa. Não seria bonito de se ver.

“Quer que eu te espere no quarto?”, Ethan perguntou me tirando dos pensamentos.

O olhei, vendo aquela pequena ruga de preocupação entre os seus olhos. Toquei com a ponta dos dedos bem ali, sorrindo quando a minha pele ardeu. Mas era uma ardência boa. Mordi o lábio enquanto procurava a razão em mim e via se realmente queria que ele viesse comigo. Então o buraco ameaçou abrir novamente e eu recuei com sua força.

“Não.”, respondi um pouco rude, por conta da dor.

Ethan pareceu decepcionado, mas não insistiu.

“Vou ficar bem.”, dizer aquelas palavras trouxe um nó na minha garganta, indicando a mentira evidente. Ele pegou uma das minha mãos e pôs por entre as suas.

“Quando posso vir te ver?”, ele perguntou.

“Te ligarei, assim que estiver boa.”

Ethan ficou frustrado e rosnou de raiva. Pensei que ele estava com raiva de mim, mas depois de passar a mão pelo cabelo loiro e me encara com os olhos animalescos, percebi que ele estava com raiva de si mesmo.

“Eu nunca deveria ter te envolvido nesse meu mundo louco.”

Dei um sorriso triste. Ele querendo ou não, eu já estava mais que envolvida. Toquei seu rosto e ele suspirou. Então eu percebi que aquela poderia ser a última vez que eu o veria. Depois que Megan me contar direito essa história de Princesa Mestiça, eu não teria coragem o suficiente para guardar um segredo desse tamanho de Ethan e Christina. Isso se eles não descobrissem antes. Nara era dura na queda. Se eu não a tivesse esfaqueado, eu que estaria no carro em direção a um hospital. Ou a um necrotério.

Meus olhos começaram a pesar com as possibilidades do meu futuro com Ethan. Isso se ainda tivéssemos futuro juntos. Era engraçado como as decisões de nossa vida conseguiam nos fazer recuar. Mas, não importava o que eu escolhesse, Ethan saberia de um jeito e de outro. E quando soubesse... Fechei meus olhos por um momento, deixando uma brecha para que o buraco se abrisse bem mais e eu arfei com as revelações que se instalaram na minha mente. Levantei os olhos marejados para Ethan e funguei um pouco. Ele franziu o cenho, um pouco confuso. Acariciei seu rosto.

“Ethan.”, sorri. “Eu te amo.”

Dizer aquilo em alto e bom som me fez sentir meu coração acelerando em um ritmo quase impossível. Como diziam, o amor e o ódio são duas faces da mesma moeda. Ethan abriu e fechou a boca, espantado com a minha declaração. Soltou uma de suas mãos da minha e limpou o rastro das lágrimas de minha bochecha, sorrindo de volta. Então segurou meu rosto entre as suas mãos e aproximou nossos rostos.

“Eu também te amo, Jordan.”

Seus lábios tocaram os meus com cuidado, quase como se eu pudesse quebrar a qualquer instante. Coloquei meus braços ao redor do seu pescoço, fechando o espaço entre nós dois e entreabrindo os lábios. Ethan pôs os braços ao redor de minha cintura, e me puxou mais contra o seu corpo. Eu suspirei em seus lábios, sentindo como se estivesse voando. Sentindo um frio na barriga como se estivesse caindo. Estava começando a me acostumar com esse misto de emoções.

Rápido demais para o meu gosto, nos separamos. Ethan traçou meu rosto com a ponta dos dedos e suspirou, feliz. Sua boca em ponto avermelhada. Ele me olhava como se eu fosse a coisa mais linda daquele lugar, mesmo sabendo do meu estado deplorável.

Eu não sabia se aquela nossa declaração iria facilitar ou piorar as coisas quando ele soubesse a verdade. Algo no fundo de meu peito começou a se agitar, sussurrando que eu deveria matar Nara antes que ela abrisse a boca, mas eu empurrei essa voz para o fundo de minha consciência. Pousei minha mão no peito de Ethan, sentindo seu coração agitado na palma de minha mão. Por um curto momento, ele bateria por mim. E por amor. Não ódio.

Ele pôs uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e eu suspirei com o calor do seu toque. Era como se Ethan estivesse mais visível para mim. Eu estava mais ciente de sua presença masculina perto de mim. Um tipo de vinculo estava forjado entre nós. E era tão forte que eu quase lamentei por ter dito aquelas palavras em um momento tão crítico. Passei a língua pelos lábios seco e olhei em direção a minha casa.

“Tenho que ir.”, sussurrei.

“Eu sei.”

Mas continuamos ali por mais alguns segundos. Apenas nos olhando como se fôssemos a obra de artes mais impressionante do mundo. Até que eu suspirei e dei um passo para trás, me afastando de seu toque. Ethan fez uma careta, mas assentiu, entendendo. Ele respirou fundo e se virou começando a correr para longe de mim. Então parou, me olhando por cima de seus ombros e voltou como um raio, me pegando em seus braços e me dando outro beijo de tirar o fôlego. Quando me colocou de volta no chão, pousou sua testa na minha e sorriu.

“Me ligue.”, ele sussurrou e seu hálito quente me fez delirar. “Voltarei mais rápido do que isso.”

Eu assenti e ele começou a se afastar novamente, mas não sem dar um beijo em minha testa antes. Fiquei ali fora até ver Ethan desaparecendo rua abaixo. Só então deixei que a dor me tomasse. Uma mão foi automaticamente em direção ao meu peito, enquanto a outra tapava minha boca, abafando os gritos de dor. Como eu me odiava por fazer Ethan sofrer. Eu realmente era um criatura horrível. Limpava as lágrimas enquanto andava em direção a minha casa. Girei a maçaneta lentamente, esperando que Megan tivesse adormecido no sofá.

Minha esperança se evaporou, quando, ao entrar em casa, encontrei o olhar preocupado de Megan. Em sua mente, pude ver meu estado. Cabelo desgrenhados, mãos com sangue, roupas sujas e óculos tortos. Só de pensar que Ethan tinha se declarado comigo naquele estado, tinha vontade de me jogar da janela do meu quarto. Megan me abraçou apertado, quase que impossibilitando o ar de entrar em meus pulmões.

“Ah, Jô.”, ela lamentou. “Eu estava tão preocupada.”, então pôs suas mãos em meus ombros, me afastando e me dando um olhar de cima a baixo. “Meu Deus, o que aconteceu com você? Isso é sangue?”, então sua preocupação se tornou raiva. “Jordan Leight, onde a senhorita estava?”

Eu não consegui responder. Estava tensa. Girei minha cabeça lentamente pela sala, captando outros pensamentos. Meus olhos pousaram primeiro no garoto parado no outro lado da sala com os braços cruzados. Os olhos escuros sustentaram meu olhar de surpresa. Ele passou a mão pelos cabelos enrolados e sorriu. O reconhecimento bateu forte em mim. Me livrando das mãos de Megan, caminhei até ele e pendi minha cabeça para o lado. De perto, aparentava ter uns 19 anos. Mas ele era tão alto.

“Dimitri?”, perguntei.

Ele sorriu, feliz pelo reconhecimento, mesmo não sabendo de onde havia vindo. Eu sorriu em resposta, vendo o garoto por quem Christina tinha se apaixonado bem na minha frente. Minha surpresa era evidente. O olhei de cima a baixo, vendo o suéter e as calças escuras, junto com os tênis surrados. Não parecia o tipo de cara que Christina namoraria. Na verdade, era o tipo de cara que eu a imaginava evitando. Dimitri fez uma mesura para mim e olhou algo atrás de mim.

Me virei, atraída pela curiosidade. Uma moça que estava sentada no sofá se levantou. Os cabelos longos e negros soltos, os olhos escuros pareciam apreensivos e a pele morena clara quase brilhava. Enquanto caminhava até mim, o seu vestido longo azul fluía ao redor de seu corpo. Demorei alguns segundos para reconhecê-la. Estava encantada demais com a sua beleza. A palavra a seguir foi a mais difícil de dizer em toda minha vida.

“Mãe.”

Rosemary Carmim sorriu para mim e me abraçou. Eu estava tão surpresa que nem retribuí. Ela era tão baixa quanto eu, o que me fez fazer uma careta. Pelo menos agora eu sabia da onde tinha herdado a minha altura e os meus cabelos. Ela deu um passo para trás, me estudando de cima a baixo e dando um olhar assustado com meu estado. Tocou meu rosto, com carinho.

“Oh, Jordana.”, ela suspirou meu suposto nome.

Então, um sentimento estranho começou a aparecer em meu peito. Saudades misturada com outra coisa. E, dessa vez não doía. O sorriso que apareceu em meu rosto, junto com as lágrimas de alegria, vieram automaticamente. Sem o meu comando. Minha mãe, vendo a emoção em meus olhos , me abraçou novamente e, dessa vez, eu retribuí. Senti-me como uma criança novamente e aspirei o cheiro doce de minha mãe. Ela riu por entre meus cabelos, feliz.

“Sinto tanto ter te abandonado, querida.”, ela murmurou em meus cabelos. “Eu deveria ter ficado com você, mas seu pai disse que era mais seguro a distância. E ele tinha razão. Iriam matar a nós três se ficássemos juntos.”, eu tremi em seus braços. Ela acariciou meus cabelos, me acalmando. “Não se preocupe. Estamos seguros. Por isso eu vim buscá-la.”

Isso me fez recuar e encará-la, confusa. Megan estava sentada no sofá, com o rosto entre as mãos, chorando baixo. Dimitri havia sumido. Os olhos de minha mãe estavam tão marejados quantos os meus, mas eu não liguei para isso, quando o peso de suas palavras me tocou lentamente. A soltei e andei com autoridade até Megan e toquei em seu ombro com cuidado.

“Meg, o que isso quer dizer?”, eu perguntei, com uma esperança de ter entendido errado. “Nós vamos nos mudar novamente?”

“Não, querida.”, minha mãe disse atrás de mim. “Isso quer dizer que você está indo morar comigo e com os Carmim.”

“Não.”, eu quase gritei e me ajoelhei ao lado de Megan. Ela estava tão devastada com a verdade que nem conseguia dizer nada. Seus olhos azuis estavam ficando inchados. “Megan, por favor.”

“É o mais seguro, Jô.”, ela disse com a voz rouca de choro, então limpou a garganta. “Eles podem vir atrás de nós a qualquer segundo.”, ela pegou em minha mão. “Pode vir me visitar a hora que quiser.”

Eu me joguei nos braços de Megan e lamentei. Não tinha mais lágrimas em mim. Com tudo isso acontecendo de uma vez, eu nem estava mais lembrando do meu estado e o que tinha acontecido a poucos minutos atrás com Nara. Eu sabia que Megan estava falando a verdade. Se eu fosse embora seria mais seguro para todos. Principalmente para ela. Então, Megan poderia ter uma vida normal com Dean.

Quando Dimitri desceu com a minha mala em seu mão e parou ao lado de Rosemary, esperando minha decisão, eu me levantei, secando as lágrimas e me preparando mentalmente para a despedida. Ele sorriu , só que dessa vez para me dar força e eu assenti. Parecia que nos conhecíamos a um longo tempo.

“Dimitri será seu guardião enquanto estiver conosco.”, minha mãe disse e Dimitri fez outra mesura. “Claro, se aceitar vir conosco.”

Engoli a seco e olhei para Megan. Fechei os olhos por um momento vendo que era a melhor coisa que poderia fazer por ela. Protegê-la, assim como tinha feito comigo por todos aqueles anos. Abri meus olhos com determinação.

“Eu irei.”