Romances Sem Romance - Henrique escrita por Constance


Capítulo 2
Parte II - Primeiro Caderno de Couro




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            Aos onze anos deixei de usar as folhas avulsas para escrever em meu primeiro caderno de couro, presente de um tio distante que vinha visitar mamãe uma vez a cada três anos para ajudá-la na papelada da casa, tentar convencê-la a vendê-la. Nunca dei muita atenção a sua presença, até que um dia entrou em meu quarto, por educação, suponho, enquanto eu, perdido entre minhas centenas de folhas repletas de escritos minúsculos, continuava a escrever perdidamente. Colocou a mão em meu ombro e sorriu-me afetuosamente como se encontrasse em mim uma ligação de extrema semelhança ou admiração. Foi com aquele olhar, tão direto e sensível, que, pela primeira vez, senti que existia alguém no mundo além de mim mesmo e minhas personagens.     

            -O que tanto escreve? – ele perguntou com um sorriso que apoiava seu bigode nas bochechas gordas e rosadas.
            -Não é nada importante. – disse em voz baixa, seus olhinhos brilhavam ao me encarar.
            -Tenho que admitir que sou um grande amante dos livros, de todos eles, todos! E me seria uma honra ter um escritor na família... sim seria. Oh, como seria maravilhoso exclamar no clube “Conhecem Henrique Cortês, autor de obras magníficas de nossa época?” e todos balançariam a cabeça obviamente, diria eu em seguida com grandíssima satisfação “Pois esse jovem é meu sobrinho! E fui eu o primeiro a dar-lhe um caderno de couro!” – enchia o peito para dizer como se estivesse realizando a ação citada – e aqui está.
            Tirou do bolso um caderno de couro lustroso, magnífico e com um sorriso enorme e muito orgulhoso de si mesmo, me entregou.
            -Minha nossa, muito obrigado... eu...
            -Não sabe nem o que dizer? Pessoas como você não têm de dizer muito, apenas escrever! – ele sorriu mais uma vez, divertido com as próprias palavras – agora quero que me escute, se precisar de alguma coisa, qualquer coisa pode escrever-me. Um lugar silencioso, penas, tinteiro, máquina de escrever, uma cadeira mais confortável ou até mesmo qualquer bobagem que possa te trazer inspiração, não hesite, entre em contato comigo! – todo o esforço que fazia, era sem dúvidas, para tornar realidade os curtos momentos no clube que fantasiava.
            -Pode deixar, o farei, mas, tio Leopoldo... – tentava me acostumar a chamá-lo de “tio”, estranha a familiaridade com pessoas que se sabe da existência, mas que se acaba de conhecer – como comprara o caderno, antes de saber que eu escrevia?
            -Sua mãe comentou, por um acaso... – sentava-se agora na cadeira ao meu lado – disse que perdia grande parte do seu tempo com livros e escritos. Disse que não habitava esse mundo. – sua voz perdera o ar divertido, tomou então um tom de alerta, enquanto encarava-me seriamente – Disse que fazia o possível para despistá-lo desse tipo de coisa. Mas Henrique, espero que entenda uma coisa, seu pai era um trabalhador rural que jamais teve nas mãos um bilhete, quem dirá um livro. A igreja enche a cabeça da sua mãe de bobagens, se não for a bíblia, qualquer outro livro tem algo ligado às forças malignas. O que estou querendo dizer é, você não vai a igreja, não gosta dos afazeres religiosos, tampouco rurais, o que dá a sua mãe todo o direito de pensar que o que faz é algo terrível, não a culpe, ela não entende. Por ora, terá de lidar com a situação, mas ao menos sabe que tem um aliado em mim. Quando precisar de algo, basta escrever-me. Ah sim, mas voltando ao caderno... sua mãe disse também com ar irritado que costumava deixar muitas folhas espalhadas pelo quarto, o que já é o bastante para irritá-la, então, quando fui para cidade comprar meias de seda para minhas filhinhas, comprei este caderno de couro legítimo e mandei escrever seu nome. – Reparei que havia meu nome gravado na capa – é apenas um presente de um tio que não quer ser esquecido quando um de seus livros estiver nas vitrines das maiores livrarias do mundo!
            Sorri abertamente, ele falava como se pudesse tatear a possibilidade. Fiz uma nota mental de dedicar-lhe minha primeira obra.
            -Agora preciso ir pequeno Henrique, cuide-se e escreva. Tente conter sua mãe indo uma vez à igreja, quando puder. 


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