Bons Motivos para Cometer Um assassinato escrita por Sixpence Angel


Capítulo 12
Capítulo 12: Falando Sobre Homens e Ratos...




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Incrível pensar que Marie agiu com muito mais prudência do que eu. Na hora, até tive dó, achando que todo aquele jeito dela era rebeldia da juventude. Coisas assim são comuns nessa fase da vida, sabe? e Marie tinha muitos motivos para isso, ao contrário de mim em sua idade.

Falo desse jeito, mas não é que ter vinte e cinco anos me tornasse um ancião (até mesmo porque minha idade não diferia da de Marie mais que cinco anos), é que tanto fiz que já não tinha por quê ou por quem ser rebelde, e a idade agora me mostrava isso... (idade ou tempo? Nunca tive muita certeza.)

Ruim era ter que pensar nisso, agora que eu não podia tirar ela dali... Bem, poder ainda não era a palavra certa para isso! Poder, eu podia, as circunstâncias é que não deixavam.

E foi pensando nisso, com a consciência pesada, que troquei de roupa e fiz minhas malas. Marie não sabia, é claro!, ela havia se trancado em seu quarto, não me lembro por que motivo, e foi então que comecei a agir.

Pus a cabeça pra fora da janela de meu quarto. Nada de janelas, nada de grades... Certamente eu ia tomar uma boa queda.

Resolvi descer a escada novamente e por um desses motivos que não compreendemos no mesmo instante, parei no meio dela e olhei, meio estatelado, para a cena que estava na minha frente.

Difícil vai ser explicar o que senti. Um desses pensamentos irremediaveis me ocorrera, coisa que nunca esperamos de nós mesmos: "Um a mais, um a menos... Que diferença faz?"

Pode ser que pareça ao leitor (ou leitores; não sei quantos estão lendo de uma vez só, nem sei se esta história está sendo ditada para um próximo) que isso seja uma coisa sem importância, mas após assimilar o significado disso, tal pensamento me aflingiu.

Emily tinha os olhos abertos como os de um peixe, numa expressão de morte. À essa hora me pergunto: Será que tinha família? Será que tinha pai, mãe, filho, noivo ou alguém que se preocupasse com ela? Que esperasse suas correspondências? Por isso, pensar "que um a mais ou a menos não faria diferença" era tão horrível.

Tão horrível que que na pressa desci os degraus de dois em dois e tropecei em alguma coisa antes de chegar à cozinha.

Na janela da cozinha havia espaço suficiente para mim... Mais alguns passos e tudo o quê me preocupava viraria pó...

Trancada.

Sem problemas. Eu tinha meus truques; não foi difícil abri-la.

Eu já estava do lado de fora quando ouvi alguém gritar por socorro lá dentro e voltei às pressas. E como era de se imaginar: Marie, na hora certa, no lugar certo...

- O que está fazendo, sua louca?! - ralhei, meio irritado.

- Se tentar fugir, chamo a todos e ainda por cima digo que me fez algum mal! Não será difícil fazê-los acreditarem em mim...

- Não acha que já sou bem ruim às vistas deles para um "ainda por cima"? - suspirei, por fim - De uma forma ou de outra, vão me dar uma bela surra se eu ficar aqui.

- Então, morra como um homem.

- Prefiro ser um rato - respondi, no mesmo tom indiferente dela. - Não vê que está sendo egoísta? Não era isso que queria?

- Se você fugir, vão achar que fui eu que deixei. Não terei coragem de andar de cabeça erguida entre eles.

- Simples: chore um pouco, diga que estava apaixonada, foi um ato impensado e que está arrependida. Tudo ficará bem.

Ela não deu a mínima. Tomei suas mãos, como última e desesperada tentativa. Tentei tornar meu tom de voz melancólico e doce e o olhar apaixonado (ou mesmo de coitado, não me lembro, mas se fosse isso, serviria). Supliquei que ela me deixasse ir.

- Não - respondeu ela, secamente, franzindo o cenho. - Você me deu sua palavra.

- Ser um homem honrado jamais foi um de meus objetivos de vida - ironizei, vendo que dali eu não ia conseguir nada. - Não vê que está sendo egoísta? Estou certo de que, antes de tudo, vão me dar uma esplêndida surra. Se tiverem um pouco de bom senso, vão chamar a polícia. Mas, se me deixar ir, posso preparar alguma coisa de antemão, se algo me acontecer mais tarde.

Ela continuou me olhando, sem nada responder, mantendou seu firme ar de superioridade.

Tive vontade de retomar os velhos hábitos caipiras e cuspir no chão, mostrando-me ofendido, mas a mão fria da razão não me deixou.

- Espere! - disse ela, notando minha impaciência - O que vai fazer agora?

- Vou aceitar as consequências. - Ela ia começar com um "Mas", mas eu elevei a voz, abafando a dela - Não tenho como provar, mas sei que foi você. Eu consigo sair de um tribunal, com arranhões, mas consigo, já você... Não quero isso pra você (por mais que mereça, às vezes...), se for para um julgamento e for condenada, ou vai para a perpétua ou vai pegar a pena de morte. Se não, vai ser uma nova Lizzie Borden.[1]

Eu já ia sair da cozinha, quando ela me chamou. Ignorei. Já não tinha mais vontade alguma de ouvir suas criancices.

- Você não pode me deixar falando sozinha deste jeito! - Vendo que não teve resultados, ela começou a berrar palavras incompreensíveis e a bater os pés no chão como uma criança mimada.

- Está bem! Está bem! Fale, e fale de uma vez!

Neste momento, fez-se ouvir a voz de Scott perguntando à Marie se estava tudo bem lá dentro.

- Sim, Scott - respondeu ela -, mas fique na porta, sim? É mais seguro.

Senso de humor realmente era o forte de Marie!

- Escute aqui - sussurou ela -, você entrou nisso comigo e vai sair disso comigo. Sejamos sinceros um com o outro: foi você, não foi?

- Por que sempre voltamos para essa pergunta? E não, não fui eu.

- Fale a verdade! Ouvi alguém descer as escadas quando... aquilo lá aconteceu.

- Por que não abriu a porta?

- Quando ouvi o tiro, pensei que era você. Achei que não devia atrapalhar. Mas, depois, Emily desceu...

- Por que não abriu a porta desta vez? - interrompi.

- Deixe-me terminar! - exclamou ela - Ela deu um grito (provavelmente viu o corpo e a arma e... Oh! Você sabe que há umas fracotes para essas coisas) - Eu teria rido dessa observação, se não estivesse tão irritado. - e em seguida ouvi um outro tiro...

- E você é suficientemente controlada para não abrir a porta e ver o que estava acontecendo.

- Pare com isso! Eu tive medo! Medo! Não pode compreender isso? Você sabe o quão assustador é ter uma bala cravada na parede de seu quarto e um defunto na porta dele? Então não deve nem ter ideia do quão chocante foi pra mim chegar em um país totalmente desconhecido como este, quando eu mal sabia falar seu idioma e tinha de me acostumar a cada assalto à mão armada que visse pela janela do meu quarto! Porque se eu gritasse, meu padrastro bêbado ia me bater por estar incomodano ele!

Depois disso, ela me deu as costas e começou a chorar baixinho...

Havia algo de diferente no seu tom de voz e no jeito de agir. Não foram poucas as vezes que a vi chorar, mas acho que, dessa vez, seu choro era mais verdadeiro. Não que das outras fosse falso, mas agora não havia nada em seu proveito, foi só um choro. Simples, sem palavras premeditadas.

Scott entrou na cozinha num rompante, mas, ao ouvi-la dizer que fosse embora, não teve coragem de desobedecê-la.

- Marie, eu... - Ia tentar pedir desculpas, mas meu impulso foi de abraçá-la como fiz da outra vez.

- Não encosta em mim! - Ela me repeliu com as mãos. - Espere! Deixe-me terminar o que eu ia dizer: depois que eu ouvi o segundo tiro, alguém subiu as escadas, e aí eu abri a porta!

Sem perceber, eu segurei umas das mão dela, quando já estava mais calma.

- Desculpe, meu bem, eu não queria... - Resolvi não continuar o que ia falar. A história que ela me contou bem poderia ser uma lorota, quando ela, na verdade, poderia ter aberto a porta e matado os dois. Eu já não sabia em quê acreditar.

- Já entendi... Desculpe a mim, sou uma tola... - Havia um certo amargor na voz dela.

- Não, Marie, você... - Tentar consertar o incidente foi uma tentativa vã. Achei um lenço dentro da mala e estendi à ela, no entanto, essa não aceitou. Parecia querer esconder o rosto de mim.

Deixei-a em seu silêncio até que se sentisse melhor para falar comigo. Seria mais confortante para ela.

Engraçado ver que os olhos que tanto choraram na meu ombro agora se escondiam de mim. Entender a mente femina foi um passatempo do qual eu já havia desistido...

- Se assumir a culpa diante deles, consigo livrar você com a minha palavra - murmurou ela numa voz rouca.

Assenti. Não foi isso o que eu disse que ia fazer mesmo?

- E se você, por um acaso, resolver se calar depois que eu fizer isso? - inquiri num tom de brincadeira.

- É um risco que vai ter que correr. - Ela virou o rosto para mim e os primeiros sinais de um sorriso se desenharam no rosto dela.

- A propósito, Marie... - murmurei depois de um tempo - você imaginava que eu ia tentar fugir, não é?

- Não. Foi azar o seu mesmo, porque eu só vim aqui para buscar um copo d'água. Você é realmente um descuidado.

Ela sorriu. Me agradeceu com um beijo no rosto e saiu da cozinha em passos largos e altivos.

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Continua...

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Notas finais do capítulo

[1] Lizzie Borden foi uma solteirona da Nova Inglaterra e suspeita de matar seu pai e sua madrasta com machadadas, em 4 de agosto de 1892, em Fall River, EUA. Mesmo absolvida dos crimes, Lizzie Borden foi condenada ao ostracismo por vizinhos. Na época, o caso de Borden foi memorizado numa popular rima de corda de pular:

Lizzie Borden took an axe
And gave her mother forty whacks.
When she saw what she had done,
She gave her father forty-one.
(Lizzie Borden pegou um machado
E deu quarenta golpes em sua mãe.
Quando viu o que havia feito,
Ela deu em seu pai quarenta e um.)

P.S.: O número de machadadas descrito pelo autor da música não é o mesmo do que na realidade ocorreu. Na verdade, foram por volta de dezoito ou dezenove na madrasta de Lizzie e onze em seu pai.

Fonte: Wikipedia.


N/A: Bem, o prazo de duas semanas que eu estipulei venceu uns dias, mas acho que já é um progresso em comparação ao tempo que levei pra atualizar da última vez ^^"



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