A Bruxa De Liveway. escrita por belle_epoque


Capítulo 8
Capítulo 8 - David.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora.
Tenho que terminar de escrever o último chapie de T.the S.of M e estudar para não levar bomba na minha primeira avaliação - sem contar que eu me viciei de ficar brincando com o Paint.NET ou ficar reescrevendo e escrevendo A Bruxa de Liveway e o Lobisomem de Liveway.
Então, tou sobrecarregada xD Mas logo saio dessa.
...
Agradeço os reviews das lindas:
> Hina
> Lucy1997
> miss yuki
> Emanuelle
> Nathalia S
> LuLerman
Obrigada e aí vai um capítulo com revelações surpreendentes - acho.
...
Beijos,
EUQOPÉ-ELLE3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/174119/chapter/8

Capítulo Oito – David

Talvez eu deva ter desmaiado pela segunda vez no dia.

O resto não passava de um espaço vazio em que eu me desligara do mundo. Eu só conseguia pensar na carta e na caixa. Lembrava-me muito à lenda grega da Caixa De Pandora, uma de minhas histórias favoritas, cuja filosofia me fascinava. Porém, não havia nada de legal naquilo. Eu deveria ter me tocado antes. Estava tão na cara... Isso me acarretava várias lembranças.

Várias delas, com David...

Aprofundava meus lábios na deliciosa boca de meu namorado, David. Amassávamo-nos no sofá de casa como sempre fazíamos quando chegávamos da escola, no entanto, havia algo de especial naquele dia. Naquele dia, meu pai foi gravar um programa e somente voltaria de madrugada. Fazendo com que a mente guiada pelos hormônios dos dezesseis anos de David me beijassem com luxúria. Deixando bem claro suas segundas intenções.

Eu não queria fazer. Sentia que não estava pronta, mas ele insistira tanto, que eu mal conseguia dizer não àquele mar esverdeado de seus olhos intensos. Respondendo às suas expectativas, deixei que ele me deitasse no sofá e deslizasse seus lábios pelo meu pescoço. Mordiscando a pele e beijando-a.

Eu havia prometido à minha mãe que apenas faria isso com o garoto da minha vida. Não sei se David era isso, mas eu o amava. Tinha quase essa certeza. A verdade, é que para mim o amor era visto como algo fugaz e mudável, que um dia era uma coisa e no outro era outra. Por isso eu estava certa que o amava quando infiltrei meus dedos em seus cabelos escuros e sussurrei:

- David, eu te amo.

Sem medo, pois para mim, quem ama não deve ter medo.

- Tá gata – foi o que ele respondeu.

É em um momento desses que nós reconhecemos o que é um idiota. Isso me desanimou totalmente, não que eu estivesse verdadeiramente animada. O clima confortavelmente romântico ruiu como uma construção frágil. E eu o parei com indignação. Afinal, eu me declarava e ele só falou “Tá gata”?!

- Que foi? – ele perguntou olhando para mim com um olhar que demonstrava a sua frustração, temendo que eu dissesse “não estou pronta”, desculpa que venho usando durante um bom tempo.

- Bem, eu me declarei e você simplesmente diz “tá gata”? – respondi perguntando.

Ele revirou os olhos.

- E o que você espera que eu diga mulher! – brigou.

- Que me ama também oras! – respondi cruzando os braços.

- Eu não vou dizer isso é muita pieguice – ele respondeu. – Eu sou maneiro de mais para dizer isso.

Sentei-me no sofá, esquecendo completamente a excitação que eu não senti.

- Mas, se você não dizer, não vai rolar nada – eu chantageei.

- Qual é o seu problema gata? As pessoas hoje em dia não precisam falar uma baboseira como “eu te amo” para transar – ele reclamou. – Você quer, eu quero e ponto.

- Então você não me ama, é isso?! – exclamei ofendida, me levantando. – Mas eu não quero! Você é um egoísta insensível, Dave! Eu estou fazendo de tudo para te agradar e você simplesmente não tem nem coragem de dizer “Eu te amo”!

- Talvez eu não te ame! – ele respondeu se levantando.

Fiquei desarmada. Ele estava admitindo que queria apenas dormir comigo? Então por que ele havia se dado ao trabalho de me conquistar depois de tudo o que eu fiz por ele? Ele não me amava mesmo ou falou apenas de raiva?

- Não faça essa carinha de garota inocente, pois você sempre soube que eu nunca te amei Anabelle – ele disse com incredulidade, pensando que a minha decepção era fingimento.

- Então por que diabos você se deu ao trabalho de me seduzir? Por que você se deu ao trabalho de namorar comigo ou de aceitar conhecer o meu pai se você não queria nada sério?! – briguei sentindo uma pontada em minha auto-estima.

- Isso não é óbvio sua morena burra! – ele gritou irado. – Eu só queria te comer sua vadia! Sem contar que seu pai tem uma ótima influência no mundo da música, ele poderia facilmente conseguir uma gravadora para mim e para a minha banda.

Neguei com a cabeça não querendo acreditar naquela faceta assustadora de David.

- Vai embora da minha casa – eu mandei com os dentes cerrados. Tomada pela fúria que derramava como cachoeiras por meus olhos.

Eu abri a porta para que ele fosse embora e nem olhei na sua cara quando ele parou à minha frente.

- Belezoca, se você quiser podemos fingir que isso não aconteceu e ainda te dar a melhor noite da sua vida – ele disse com a voz mansa, a voz que sempre me faz ceder tudo para ele.

Naquele instante eu percebi qual era a minha maior falha naquele relacionamento. Eu não havia me dado o devido valor. E eu percebia isso agora. Ele me tratava como se eu fosse um objeto de adorno, apenas um espaço vazio ao seu lado que precisava ser preenchida por alguém inútil e submissa, como eu era.

- Você quer me dar à melhor noite da minha vida? – perguntei ainda com o rosto virado e mordendo o lábio inferior, sinal que ele interpretou errado.

Vir-me-ei para vê-lo melhor e vi a presunção em seu olhar. Peguei-o de surpresa quando minha mão voou para a sua face lhe dando uma tapa bem dado e merecido na face topetuda. Soltei um gemido de dor, ao sentir a ardência, e de prazer, ao me sentir “livre”.

- Obrigada, eu já me sinto melhor. Pode ir embora agora – eu disse firme.

Ele não acreditou naquilo e olhou para mim com ódio. Apontou na minha cara e disse “Isso vai ter volta, Malback” depois foi embora da minha vida.

Claro que ele transformou a minha vida um inferno na escola. Excluindo-me socialmente ao espalhar comentários horríveis ao meu respeito, um deles seria que eu tinha AIDS. Mas eu era adulta de mais para ligar para a sua brincadeirinha boba. Fiz-me de conformada com o meu pai, ele ficava feliz por achar que eu estava feliz e isso me deixava realmente feliz.

Tudo estava feliz, não?

Não.

No entanto a raiva que eu não sentia ia se acumulando dentro de mim. Ele arruinara a minha vida social, ficava se esfregando com a loira popular só para se mostrar para mim. E nunca eu quis tanto arrancar o coração podre dele para fora do seu peito. E foi em um dia como outro qualquer, em que eu acordei e vi aquela pequena caixa de pandora branca e preta, com um cartão branco dizendo:


Sua vingança foi completa.

           

Ao abri-la, encontrei um coração ainda vermelho lá dentro.

Mesmo não gostando dele, eu fui ao seu enterro e passei a usar preto. Tanto quanto passei a mentir para mim mesma dizendo que ele morreu por causas desconhecidas, ou por algum Serial Killer. Tudo isso fazia diminuir a culpa que eu carregava. A culpa que era pesada de mais para eu suportar. Era uma mentira deslavada, mas depois de um tempo, eu passava a acreditar nela.

David não merecia a minha compaixão ou a minha pena, muito menos a minha culpa. Mas eu não conseguia deixar de acreditar, internamente, que aquilo havia sido culpa minha. Eu não sabia de quem era aquela... urgh, coisa que havia dentro da caixa, mas algo me dizia que eu não ia gostar de saber.

Em algum momento eu havia acordado na cama do meu pai. Fiquei assustada e me lembrei que eu havia pedido para que ele não me deixasse dormir sozinha no meu quarto àquela noite. Seu quarto era do mesmo tamanho do meu, com a diferença que suas paredes eram de um belo tom de vermelho imperial, a cama de madeira escura e que geralmente fica bagunçada, havia um amplificador em um canto e uma guitarra vermelha e dourada junto.

Eu não havia ido para a escola, talvez meu pai achasse melhor assim. Não havia nem saído do quarto para comer um café da manhã descente, então meu pai trouxe para mim e me forçou a comer. Agora já era de tarde e recusei o almoço. Eu estava com medo. Ainda sentia tremores compulsivos percorrendo por meu corpo. Abracei minhas pernas trêmulas tentando me reconfortar.

Eu poderia mentir para mim mais uma vez, mas até quando isso duraria?

Encostei minha testa em meus joelhos e chorei silenciosamente, como fazia meses que eu não fazia. Apenas acontecia quando a chuva me aplacava. Ouvi batidas na porta e tratei de enxugar as minhas lágrimas, nem mandei para que entrassem, pois, minutos depois de eu acalmar a minha respiração, meu pai pôs a cabeça para dentro do seu quarto.

- Anabelle, você está acordada? – perguntou.

- Sim – eu respondi pigarreando para esconder o choro em minha voz.

Meu pai entrou em seu quarto e acendeu a luz. Encolhi-me ao perceber que eu ficara tempo de mais no escuro confortável de seu quarto. Ele me olhou preocupado.

- Como está se sentindo? – ele perguntou se sentando na beira da cama.

Eu sabia que, sempre que ele perguntava isso, era porque sabia que eu não estava nada bem.

- Acho que não preciso responder – eu disse dando de ombros. – Sinto que não devo mais mentir para mim mesma como eu tenho feito... Você sabe que essa não é a primeira vez que... isso acontece.

Em um ímpeto o abracei sobre os ombros largos. Senti-a me mal e culpada por meu pai ter que se preocupar comigo. Ele sempre passava noites em claros quando eu não estava bem, e nunca teve uma família normal. Uma esposa saudável, uma filha normal que fosse motivo de seu orgulho... E isso me fazia sentir mal.

- Pai, desculpe por não ser normal – pedi chorando em seu ombro.

- Não fale bobagem – ele pediu me dando uma tapa no ombro. – Você é normal Anabelle, claro, que não sabemos quem é o doido que está te perseguindo, mas é por isso que eu já contratei um detetive, O.K? Não se preocupe com besteiras. Se você quiser podemos nos mudar de novo...

- Nem pensar! – exclamei pulando do seu colo.

Ele me olhou espantando, surpreso por eu nunca antes ter defendido com tanto afinco um lugar. O fato era que, não criar raízes e parecer uma nômade, era cansativo e estressante. Antes eu não me importava, afinal, eram apenas amigos falsos que hora ou outra inventavam boatos maldosos, ninguém realmente se importava comigo. No entanto, eu havia me apegado aos garotos.

- Ér... eu gosto do que faço e gosto dos meus amigos. Faz apenas uma semana que eu cheguei, não posso ir embora assim – eu pedi desconcertada, coçando o meu braço direito.

Meu pai sorriu.

- Você diz que não é normal, mas é quase – ele disse sorrindo. – Falando em amigos, tem umas pessoas te esperando na sala de jantar.

- Quem são? – eu perguntei me sentindo um pouco mais animada.

Bani de vez os pensamentos de ontem à tarde e tentei me animar um pouco mais.

- Seus amigos – meu pai respondeu rindo de alguma coisa. – Eles são bem animados, não são?

- Eles estão aqui? – perguntei surpresa.

- Sim, acho que Roman espalhou para todo mundo o triste episódio – meu pai respondeu. – Sinto tanta falta da minha adolescência.

- Nem vêm que não tem, comedor de santinhas, eles são meus amigos, vai brincar com a Mery Nightray ou com a senhora Evelyn Rotunda e conforme-se com a sua idade – eu disse dispensando-o com minhas mãos, e indo para o seu banheiro. – Ahh, eu estou uma zona!

Ouvi a risada do meu pai e comecei a lavar meu rosto, peguei sua escova de cabelos e tentei ajeitar os meus que estavam um ninho de tanto que eu me revirei na cama.

- Às vezes acho que você é bipolar Anabelle, muda de sentimento muito rápido – ele disse me espiando da moldura da porta.

- Eu só tento não me abalar – eu respondi lutando contra um nó nos meus cabelos. – Sei que quando eu fico deprimida, o senhor fica deprimido. Então, se eu ficar feliz o senhor ficará feliz. É uma simples razão de pai sobre sentimentos é igual à filha sobre sentimentos.

- Então você deveria pensar com a cabeça da filha e não do pai – ele concluiu com o cenho franzido.

Eu o olhei

- Então o senhor quer que eu fique deprimida vegetando em sua cama? – perguntei ameaçadoramente.

- Não! Eu quero a minha cama de volta! – ele pediu.

- Ótimo – eu respondi ajeitando o meu vestido preto com estampas florais. – Agora vou lá fazer uma social com os meus amigos, preciso de apoio em um momento desses.

Eu havia me acostumado a chorar por dentro e a sorrir por fora, como uma máscara; como um palhaço*, por isso não foi tão difícil fingir que estava tudo bem quando, na verdade, não estava. Quando eu saí do quarto me deparei, realmente, com os meus amigos que em pouco tempo se tornaram especiais para mim. E eles pularam em cima de mim.

Foi um pesadelo.

As gêmeas me agarravam e perguntavam coisas do tipo: “Como assim você encontrou um pênis dentro de uma caixa de presente?!” ou “Como o seu pai é gato! Onde você o escondeu?! Não me admira que a senhorita Nightray o tenha pegado!”. Já Érika pulava em meu pescoço perguntando se eu estava bem e os garotos, mais acanhados, mantiveram uma distância razoável.

- Pessoal! – Roman gritou tentando conter a histeria de três garotas. – Por favor, Anabelle não está bem!

Elas me olharam envergonhadas e me soltaram.

Depois do ataque, quase caí mole no chão. Será que isso acontecia com meu pai quando ele encontrava suas fãs fanáticas?

- Obrigada – agradeci e então corei violentamente ao ver o clima tenso que se espalhara na sala de jantar. – Hm, por que vocês não se sentam? – eu pedi.

Todo mundo, ainda calado, sentaram-se nas cadeiras, que nunca pareceram tão poucas, da mesa e me fitaram esperando silenciosamente alguma coisa então eu me sentei na cabeceira e esperei alguma pergunta. Érika começou com uma fácil.

- Você está bem?

- Bem melhor agora, sem dúvida – respondi dando um sorriso mínimo.

- Tá, minha vez, - Anabeth pediu. – Onde foi que você enfiou a gostosura do seu pai?!

Todo mundo a fuzilou com o olhar de inconveniente e ela deu de ombros.

- Posso afirmar que sábado passado ele estava enfiado na senhorita Nightray – respondi fazendo uma mínima brincadeira. – Nesse canto aí mesmo.

Érika e Anabeth se levantaram com repulsa e todo mundo riu em conjunto.

- Não, sério. Eu estou bem agora. Mas fiquei apavorada quando eu encontrei... – minhas bochechas pegaram fogo – vocês sabem o quê.

- Bem, isso parece ter sido coisa de um doido da cabeça – Joshua comentou pensativo. – Alguém que definitivamente não gosta de você.

- Mas, depois que eu desmaiei naquele momento, o que aconteceu Roman? – eu perguntei.

Ele fez uma careta pensativa.

- Eu e seu pai entramos no seu quarto, e ele me mandou chamar a polícia. Fizeram umas perguntas absurdas e seu pai alegou que você não estava na capacidade de responder nada, pois estava muito abalada. Eles... acham que foi você ou algum amigo seu que fez isso – ele respondeu sem muitos rodeios.

- Sim, eles falaram com todos nós. Até comigo e agente nem se conhece direito – Daniel disse cruzando os braços.

- Desculpem os transtornos – eu pedi ao perceber que ele ficara perturbado com isso. – E por que eles acham que fui eu ou algum amigo meu que fez isso?

Roman olhou diretamente em meus olhos ao dizer:

- Bem, porque aquele brinquedinho era do Rudolph.

Eu não tenho duvidas de que, se eu estivesse bebendo água, a cena de quando eu vi a senhorita Nightray com o meu pai na mesa, se repetiria. Eu teria jogado a garrafa e cuspido tudo, mas limitei-me a apenas abaixar o olhar.

Vingança. Doce vingança” Ouvi a minha consciência deliciar-se.

Não. Isso não foi algo bom” eu respondi tentando controlar meus próprios pensamentos.

Não era irônico que alguém tão metido a besta quando David tenha sido alvo do cara que me persegue? Alguém que apenas se interessa em ficar passando a mão em mim, como se eu fosse sua, como se eu devesse agradecê-lo por colocar os olhos em mim... como David fazia. Como David sabia me diminuir para qualquer um. E eu nem o vi mais que duas vezes, o Rudolph.

Você faz essa pose Anabelle, mas sei que no fundo você está tão agradecida quanto ficou quando David morreu” minha mente me provocou.

Eu não estou agradecida! Estou com medo!” respondi de novo.

- E como ele está? – perguntei.

- Os policiais o encontrou em uma sala da escola – Érika comentou. – Parece que ele estava morrendo quando o acharam, estava tendo muito sangramento... mas, dizem os boatos, que ele dizia “foi ela, foi ela...” sem parar. Mas acho que é só para dramatizar.

- Então ele mor... – eu não consegui continuar.

- Sim, ele morreu – Josh respondeu como um golpe de misericórdia.

Sentei minha cabeça em cima da mesa e suspirei.

- Anabelle – Roman me chamou pondo a mão no meu ombro. – Nós sabemos que não foi você. Você ficou o tempo todo comigo e qualquer um de nós sabe que em momento nenhum você sumiu. Afinal, você ainda desmaiou.

- É verdade – Elizabeth concordou com Roman.

- Mas estou me sentindo tão culpada... – eu murmurei e o resto ficou no silencioso.

Alguém morreu por minha culpa, de novo” pensei triste.

Chega de hipocrisia Anabelle, eu sei que você gostou da notícia” minha consciência resmungou.

Roman, em um gesto nada mais do que consolador, colocou sua mão sobre a minha e disse:

- A culpa não foi sua.

Todo mundo concordou com ele, e, talvez só para descontrair o clima e rir das desgraças do outro, Roman maldosamente brincou:

- Só me admira que alguém, com algo tão pequeno, seja tão metido a pegador.

As gêmeas riram e o resto revirou os olhos.

- Claro, porque Roman entende dessas coisas – Érika respondeu.

E eu tive que rir.

...

Para não me chatearem mais, o pessoal resolveu parar de tocar no assunto. Fizeram pipoca e passamos a tarde assistindo um filme de comédia romântica, e eu fiquei aliviada – até consegui rir um pouco -, depois, antes de anoitecer, eles tiveram que ir para casa. Despediram-se de mim e eu agradeci pela companhia, garantido que amanhã eu ia para a escola, o que os deixou felizes.

Joguei-me no meu sofazinho do e acabei adormecendo ali por breves minutos. Até eu sentir uma presença estranha me observando e abrir os olhos. Deparei-me com duas safiras azuis brilhando intensamente enquanto me fitavam com curiosidade. Quase caí do sofá, e ela se afastou.

- Desculpe querida, não quis assustá-la – Alice Franklin disse se afastando e cruzando as mãos enfrente ao corpo. – Você estava dormindo e fica muito interessante enquanto dorme – sorriu.

- Ér... obrigada? – agradeci corando bruscamente. – Hm, desculpe a pergunta que vai soar rude, mas como a senhorita entrou aqui?

Ela sorriu apontando para a porta de vidro.

- Estava destrancada – explicou simplesmente. – Isso é perigoso, mas seu pai nos deixou entrar também.

- Sim, eu estou passando a acreditar em você, quanto à ser perigoso – eu suspirei dando um meio sorriso. – Sinto muito por ter faltado ao trabalho ontem e hoje também, é que...

- Tudo bem querida, Roman nos contou – ela disse serenamente, sentando-se em uma poltrona ao lado do sofá. – Está tudo bem, deve ter sido traumatizante para você, não é? – segurou minha mão com carinho.

- Foi – eu respondi dando um meio sorriso.

Ela acariciou o meu rosto de um jeito que ninguém nunca acariciou e que me deixou desconcertada. Era um jeito um tanto... materno. Ela tinha um sorriso sempre generoso nos lábios pequenos e bem desenhados e por algum motivo, me reconfortava.

- Seu sorriso está tão débil – ela murmurou como se sentisse pena por isso. – Bem, Anabelle, qualquer coisa, sabe que você pode contar comigo... e com Alex também – ela disse apontando para o garoto parado do lado de fora. eu nem havia o percebido ali. – Você pode faltar o tempo que for necessário, querida.

- Não pode não – Alexander disse saindo do seu cantinho escuro e se aproximando, mesmo que seu olhar fosse como o de um animal selvagem. – Pode faltar, mas não abuse também. Eu não quero voltar a fazer tudo sozinho, sem contar que...

Ele falava sobre alguma coisa, mas eu não escutei. Apenas observava o como ele se vestia estranho. Naquela noite ele usava uma camisa de babados na gola e uma calça de couro, junto com coturnos que pareciam se fundir à calça. Usava também um colete onde eu podia ver uma frágil e delicada corrente de prata que poderia dar em um relógio de bolso.

- Fui claro? – terminou.

- Desculpe-me, eu me distraí. O que você dizia? – perguntei desconcertada.

Eu pude ver em seus olhos a vontade de pular em cima de mim e arrancar minha cabeça fora, mas antes que ele o fizesse, a senhorita Franklin ergueu uma mão pedindo para que ele parasse.

- Alex, você já não acha que ela teve de mais com o que aconteceu ontem não? – ela brigou. – Não precisa ameaçá-la deste modo. Não ligue para ele querida, acho que ao invés de darem um banho com água quando ele nasceu, deram um banho com sangue. Ele é assustador não?

Eu resolvi nem responder, com medo do olhar que ele me lançava.

- Bem, por um lado fico feliz que vocês estejam de “pazes” – ela disse rindo, mais parecendo um tilintar de sinos. – Imagino como seria se vocês não estivessem... Mas não foi por isso que eu vim aqui, Anabelle.

Suas palavras me pegaram de surpresa. Mesmo o mesmo tom suave e delicado, eu me surpreendi por ter outro motivo pelo qual ela deveria estar ali. Mas para a minha surpresa, ela apenas pegou uma embalagem que Alexander segurava e me entregou.

- Eu mesma que fiz. Eu fiquei pensando que seria muita falta de educação aparecer de surpresa sem trazer nada, então eu fiz, eu espero que você goste – ela tagarelava, e quando abri me deparei com um delicioso cupcake. – Uma amiga minha disse que para quem passa por muito estresse, não há nada melhor do que comer um cupcake bem feito.

Bem, eu não podia negar que aquilo parecia deliciosamente bonito. Dava até pena de comer. Tinha uma cobertura de creme branco, com enfeites em azul – minha cor favorita – com borboletinhas, florezinhas... Realmente, eu tinha pena de morder.

- Ah, mas que gracinha! – eu exclamei mais alto do que eu pretendia.

- Ahá! Eu disse Alex! Está me devendo mil dólares – ela exclamou apontando acusadoramente para o garoto que via um dos quadros de minha mãe.

Ele olhou para ela e sorriu concordando com a cabeça.

- De quem é esse quadro? Ele tem os traços de Jane Marie Malback... É dela? – perguntou escondendo a curiosidade, mas eu percebi.

- É. Ela... era a minha mãe – respondi.

Ele me fitou por um tempo e começou a rir.

- A que morreu no seu parto? Você matou a melhor artista desse século – ele disse como se isso tivesse graça. – E ela tinha um futuro tão brilhante...

Ele está pedindo para ser morto... mas também salvou a sua vida...” pensou minha consciência.

Suas palavras arrogantes doeram. A morte da minha mãe agora era mais uma que eu teria que carregar em minhas costas?

- Alex, isso foi indelicado! – Alice Franklin o repreendeu.

- Desculpe, não foi a minha intenção – ele respondeu para Alice.

Eu me levantei e suspirei.

- Vocês querem alguma coisa? – perguntei com o olhar baixo. – Van Cruce, senhorita Franklin.

- Você pode me chamar de Alice, querida. Somos amigas – ela disse animada e fuzilou Alex com o olhar. – Apesar de algumas pessoas recusarem a sua amizade, eu a estimo como sendo preciosa.

- Você fala engraçado – eu disse.

- É algo que eu não posso mudar – ela suspirou como sendo uma causa perdida. – Eu adoraria ficar mais tempo, mas precisamos voltar. Deixamos o trabalho todo para o pobre coitado do Roman, ele ficou bem revoltado com isso – ela riu. – Ele não gosta de assumir compromissos ou responsabilidades.

- Eu imagino – respondi revirando os olhos.

- Mas você pode contar com pelo menos o meu apoio – ela disse dando um sorriso acolhedor e reconfortante. – Te vejo no trabalho então - despediu-se indo para a porta.

- Claro, nos vemos no trabalho – eu concordei deslizando-a para o lado.

Ela sorriu em despedida e puxou Alexander, que nem se despediu, para fora da minha casa. Meu pai entrou na sala no instante em que eu fechava a porta. Segurava uma sacola de roupas sujas, que eu teria que pôr para lavar, olhava-me mais aliviado.

- Você parece estar melhor – ele observou.

Olhei para um dos quadros da minha mãe. Nele, tinha uma garotinha andando por uma estrada colorida, onde para trás ficava um monte de imagens monocromáticas, de apenas uma cor. “Deixando o passado” era o título. E era graças a ela que eu seguia em frente.

- Deixando o passado – eu disse para o meu pai, e então sorri pegando suas roupas sujas. – Vou pôr na lavadora.

Lavei as roupas para o meu pai e fui para o meu quarto. Agora eu sabia por que as celas das cadeiras daqui estavam às moscas. Afinal, a polícia era uma merda naquela cidade. Ninguém se preocupou em isolar a cena do crime e só levaram a caixa e o cartão. E, adivinhem só, estão dizendo que fui eu!

O que, para mim, não deixa de ser verdade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Citação de Verônica - fic do meu melhor amigo Vincent De Leon.