Sempre

- Peeta – escuto ela me chamar, mas tudo o que sei e que vejo são imagens horríveis na minha cabeça, o distrito 12 bombardeado e fogo e mais fogo, e ela a causadora, espremo minhas mãos na algema e sinto a dor, tentando me trazer de volta a realidade – Peeta? – ela volta a me chamar, assustada com meu estado. Minha vontade de mata-la aumenta e tudo que quero é erguer meus pulsos e apertar seu pescoço a enforcando.

- Me deixa – sussurro implorando ferindo cada vez mais meus pulsos na algema – Não aguento seguir em frente.

As imagens manipuladas pioram, misturas de coisas implantadas pela Capital e lembranças na maioria das vezes de nós dois. Como saberei o que são reais?

- Aguenta, aguenta sim! – a voz dela penetra na minha mente tentando me trazer a razão.

- Estou perdendo a noção, vou ficar maluco. Como eles – eu nego veemente com a cabeça.

Porque ela não me mata de uma vez? Poupa o trabalho enorme de lutar contra essas imagens que me atormentam, não sei mais qual é o chão que piso, não sei mais o que é realidade, tudo está cada vez pior. Que tipo de pessoa eu sou?

Então me lembro de uma conversa.

- É que... quero morrer como eu mesmo, isso faz algum sentido? – visualizo Katniss negando com a cabeça – Não quero que eles mudem meu jeito de ser na arena. Não quero ser transformado em algum tipo de monstro que sei que não sou.

- Você está querendo dizer que não vai matar ninguém? – ela pergunta confusa.

- Não, quando surgir a oportunidade, tenho certeza que vou matar como qualquer outro tributo. Não posso cair sem lutar. Só fico desejando que haja alguma maneira de...de mostrar à Capital que eles não mandam em mim. Que sou mais que somente uma peça nos jogos deles.

No fim, sou isso mesmo não é? Mais uma peça dos jogos deles.

Enquanto luto cada vez mais com alucinações e recordações do que é real e não real sinto uma coisa que só existia dentro de mim de forma bem enterrada, que jamais imaginaria que viria a superfície novamente, não assim.

Katniss se inclina até mim e me beija.

Todos os músculos do meu corpo lutam contra mim, tenho vontade de ataca-la e machuca-la, fazer o que for preciso para que ela sinta a dor que um dia ela me fez sentir. Mas isso não é real, é? Tudo que sei o que é real, são viagens de trem que a Capital não tocou.

- Vamos começar com uma coisa mais básica. Não é estranho o fato de eu saber que você arriscaria a sua vida para salvar a minha... e ao mesmo tempo não saber qual é sua cor favorita?

Vejo um sorriso se formar em seus lábios.

- Verde e a sua?

- Laranja.

- Laranja? Como os cabelos de Effie?

- Um pouco menos intenso – eu respondo – É mais tipo... o pôr do sol.

Sinto Katniss abaixar suas mãos e segurarem meu pulso quando percebe que eu não tenho controle mais do meu corpo, mas mesmo assim, ela não desgruda nossos lábios.

Vejo imagens horríveis, misturadas com o que é real, percebo todas pessoas que já convivi no Distrito 12, aquelas que fazem parte da minha história, mortas no chão, ninguém mais sobrou. Sei que isso tudo é real, afinal, todos de fato estão mortos agora, mas tudo que sei na minha mente, é que a culpa é dela.

Meu corpo inteiro treme, não consigo mais me controlar, a Capital está me vencendo.

- Não deixe que ele o tire de mim.

Escuto a voz gentil dela assim que nossos lábios se desgrudam, tenho consciência que estou arfando, como se estivesse lutando esse tempo todo contra outro Tributo, talvez até estou lutando, mas é na minha mente, e este Tributo é mais forte do que qualquer coisa que já lutei na vida.

- Não eu não quero...

Tudo que consigo dizer, e tento me concentrar em lembranças boas entre nós dois, mas tudo que vejo é a destruição e meu ódio não se dissipar.

Parece que Katniss percebe minha luta e segura minhas mãos com tanta força que chego a sair da minha luta por míseros segundos.

- Fique comigo.

Ela diz, e isso é suficiente, eu me lembro claramente de um dia que a Capital jamais tocou, um dia no Distrito 12 em que ela havia pulado uma cerca enorme e machucado o pé. Lembro dela implorar para eu me sentar com ela na cama, a fazendo dormir. Lembro de uma frase, e uma resposta que eu lhe dei:

- Fique comigo – diz sonolenta, sentindo o perfume de minhas mãos, quase se entregando ao sono que o remédio que havia tomado lhe proporciona.

- Sempre – eu digo sabendo que ela não pode mais me ouvir.

De repente não estou mais arfando, não estou mais lutando contra pesadelos, sei que só ela é capaz de me fazer lutar contra uma causa já perdida, é somente por causa dela que digo:

- Sempre.

Sei que isso é capaz para fazer ambos de nós acreditar que venceremos está luta contra a Capital.