Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 10
Assassino.




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O jantar naquela noite seria o prato predileto de Logan: estrogonofe de frango. Apesar de coisas horríveis terem começado a acontecer durante a sua estadia em Shavely, ele agora estava feliz por simplesmente poder se deliciar com um prato de comida. Para algumas pessoas, isso poderia ser algo sem importância, mas só Logan sabia o quanto ele queria uma vida pacata e sem os problemas que andavam assombrando sua mente.

No momento em que ele se sentou à mesa, juntamente com os amigos que ele havia construído desde que chegara ao internato, lembrou-se da noite em que seus pais foram assassinados. O pai de Logan estava preparando justamente o que ele estava prestes a comer naquele exato momento e uma angústia subiu pelo peito do garoto e seu estômago revirou. A coisa que ele mais queria era que aquela fatalidade nunca tivesse acontecido e ele pudesse ter uma vida normal, sem uma diretora maluca fazendo-o cumprir punições injustas e sem um assassino sobrenatural à solta pelo colégio. Ele gostaria de saber o que a mãe faria com Janeth se soubesse de sua última punição. Com certeza, a diretora não estaria mais viva para contar história.

— Logan e sua eterna mania de viver no mundo da lua. — disse Helena, que estava enchendo um copo com suco de laranja.

Logan piscou repetidas vezes e voltou sua atenção para os amigos sentados à mesa.

— Desculpe, eu estava pensando nos meus pais.

Sophia estava sentada ao seu lado e pousou a mão sobre a dele. Seus olhares se encontraram pela milésima vez desde que ele a conhecera.

— Deve ser difícil para você.

Ele acenou afirmativamente com a cabeça.

— Meu pai estava preparando estrogonofe para comemorar o aniversário da minha mãe no dia que eles foram assassinados. — uma lágrima já escorrera de seus olhos — Foi tudo tão horrível.

Olhares de compaixão preencheram os olhos de Sophia, Helena e Tommy, mas eles se mantiveram em silêncio. Eles sabiam que nada do que eles falassem poderia confortar Logan suficientemente.

Logan nunca havia contado a história da morte de seus pais para nenhum dos amigos. Ele não via necessidade de encher a cabeça deles com isso, já bastava a sua própria cabeça atormentada com os fantasmas dos pais. Eram raras as noites nas quais ele não sonhava com aquele fatídico dia em que sua vida se transformara completamente e ele se viu mergulhado em um mar de horrores.

Tommy foi o primeiro a pigarrear depois do silêncio profundo.

— O que acharam da conversa com a Sra. Strauss? — ele perguntou, tentando ao máximo mudar o rumo da conversa.

— Não serviu de nada. — respondeu Helena — Ela não falou quase nada que nos ajudasse.

— A única coisa que poderemos tirar proveito é que ela sabe que o assassinato ocorreu quando Logan estava com Janeth. — disse Sophia.

Todos que estavam à mesa assentiram.

— Mas ela está cega pela influência de Janeth. — disse Helena — Ela acredita piamente que Logan é o assassino e isso só piorará as coisas.

Logan olhou para os rostos de todos os seus amigos que estavam sentados ao seu lado e soube na hora que eles estariam para sempre ao lado dele.

— Vocês e mais o Mark são os únicos que acreditam em mim. — ele lamentou-se — O resto das pessoas desse internato realmente acredita que eu sou um assassino.

— O resto não importa. — disse Tommy — Nós sabemos que você não foi o responsável pela morte do Brian e, mais importante que isso, você também sabe que não é assassino.

— Mas eles são a maioria. Vocês viram a humilhação que a Janeth me faz passar. Vocês sabem o estado que o meu joelho se encontra e isso só tenderá a piorar. Ela vai me infernizar até...

— Até nada! — interrompeu Sophia — Ela não tem como provar uma coisa que não aconteceu.

— Ela irá apenas chover no molhado — completou Helena com um sorriso no rosto — e irá cair do cavalo quando der conta de que você não tem nada a ver com a morte do idiota do Brian.

A solidariedade dos amigos era tudo o que Logan mais precisava naquele momento tão conturbado.

— Obrigado por vocês estarem ao meu lado.

— Estaremos sempre. — disse Tommy — Somos seus amigos.

Logan assentiu e agora ele já comia o estrogonofe com gosto, permitindo que o sabor da sua comida preferida entrasse por sua boca e aflorasse por todo o seu corpo.

— Nós estamos aqui falando de amizade e tudo o mais, — disse Helena com a boca cheia de molho — mas eu gostaria de saber onde o Mark se enfiou. Ele sumiu desde quando fomos falar com a Sra. Strauss.

— Deve estar com a “namorada” dele. — disse Tommy.

Sophia e Helena soltaram uma risadinha.

— Juro que não imagino o Mark namorando. — riu-se Helena — Ele parece aqueles caras que beijaram apenas uma garota na vida e se enroscam todo quando uma delas parece estar dando pinta para eles.

Logan já ia gargalhar, quando olhou para o lado e viu o amigo se aproximando, segurando nas mãos de uma menina de estatura baixa, bastante pálida e com longos cabelos negros escovados que chegavam até a altura do seu busto. Mark estava com um sorriso na cara e parecia exibir a garota para os outros alunos.

Eles pararam ao lado da mesa em que Logan e os outros estavam e olharam seriamente para eles.

— Pensei que tinha nos abandonado de vez. — disse Logan — Faz horas que você está sumido.

— Não foi de propósito. — Mark olhou para a menina e deu um sorriso — Eu tinha um encontro importante para ir.

Helena estreitou os olhos para analisar a menina.

— Não vai nos apresentar sua, hã, amiga?

— Ah sim, claro. — Mark esticou o braço direito e pousou sua mão sobre o ombro da garota pálida — Pessoal, essa é a Ashley, da minha classe de matemática. Ashley, esses são meus amigos.

Ashley deu um pequeno sorriso tímido.

— Oi. Será que podemos sentar aqui com vocês?

Eles assentiram e Mark e Ashley sentaram nas duas últimas cadeiras que estavam vazias na mesa.

Todos já haviam terminado de comer e Sophia arrumou os pratos em uma pilha única.

— Então essa é a sua namorada? — perguntou Tommy.

As bochechas de Ashley ficaram vermelhas instantaneamente e as sobrancelhas de Mark se enrijeceram numa expressão de repreensão.

— Ainda não somos namorados. — ele respondeu — Somos apenas... ficantes.

— Então todo o seu desespero para faltar à reunião com a Sra. Strauss e se encontrar com essa garota se resume a apenas um beijo entre dois ficantes?

Ashley pareceu não ter entendido as palavras que saíram da boca de Tommy.

— O que vocês teriam para conversar com aquela bibliotecária rabugenta?

— Na verdade, apenas queríamos que ela nos dissesse algo que pudesse provar minha inocência. — disse Logan.

Ashley olhou para o garoto e de repente congelou. Talvez não tivesse percebido que ele estava sentado ali: o garoto que estava sendo chamado de assassino pelo colégio inteiro.

— Por que está me olhando assim?

— Ai meu Deus! Não acredito que eu não percebi que você estava sentado aqui. — disse Ashley com as mãos cobrindo a boca.

Logan não queria ouvir mais acusações. Já bastava tudo o que Janeth havia feito com ele.

— Você também é uma das pessoas envenenadas pela convicção doentia da Janeth de que ele é um assassino? — perguntou Sophia.

Ashley hesitou um pouco, mas suas palavras logo ficaram claras para todos.

— É claro que não! Mark me contou a injustiça pela qual o amigo de vocês está passando e eu acredito que ele seja inocente. É que eu só fiquei um pouco assustada, sabe? Ainda não me acostumo com a ideia de que qualquer pessoa nesse colégio possa ser um assassino.

— Qualquer pessoa, inclusive você, cara pálida. — alegou Helena.

Mark olhou para a menina ruiva incrédulo, enquanto Ashley abaixou a cabeça e começou a fitar o chão.

— Que diabo de remédio tinha na sua comida para você dizer uma coisa dessas, Helena? — perguntou o garoto.

Ela deu de ombros.

— Apenas estou levantando todas as possibilidades. Quero dizer, onde você conheceu essa menina, Mark? Eu não sei por que tudo isso está soando estranho demais para mim.

As sobrancelhas de Mark se eriçaram do mesmo modo que as de um cão raivoso se eriçam quando está prestes a atacar.

— Você é surda? Acabei de dizer que conheci Ashley nas aulas de matemática. Ela começou a se aproximar de mim e ficamos mais do que amigos. O que tem de errado nisso?

— Não tem nada de errado nisso, a menos que você simplesmente desista de ir à reunião onde poderíamos ajudar o seu companheiro de quarto.

— Qual é a sua, Helena? Está desconfiando de mim?

Helena soltou um suspiro de tédio e ajeitou algumas mexas do cabelo ruivo atrás da orelha.

— Eu apenas estou confiando desconfiando. Sabe Mark, uma das minhas qualidades é prestar atenção nas coisas que acontecem a minha volta. Eu sei muito bem o que significa aquela história de “escutar mais e falar menos” e talvez seja por isso que eu possa farejar algo estranho aqui.

Logan, Sophia e Tommy assistiam àquela cena em silêncio. Eles não esperavam uma atitude dessa vinda de Helena, uma pessoa que sempre se mostrou calma e prestativa a ouvir tudo o que os outros tinham a dizer sem pestanejar.

— O que você diz não faz sentido, porque você simplesmente é assim por ser a menina fofoqueira da escola. — rebateu Mark — As pessoas fofoqueiras são assim: farejam algo onde não tem absolutamente nada.

Helena abriu a boca para responder, mas foi interrompida pela voz chorosa de Ashley.

— Eu não deveria ter vindo aqui. Desculpem-me por esse transtorno, é tudo culpa minha.

Ela se levantou da mesa, colocou as duas mãos sobre o rosto e saiu correndo em direção à porta da cantina.

— Satisfeita, Helena? — Mark também se levantou e foi atrás de Ashley.

Helena desviou os olhos para os amigos que a olhavam boquiabertos e deu de ombros.

— O que vocês estão olhando? Apenas emiti minha opinião.

— Não acredito que você desconfia do Mark! — exclamou Logan — Ele é meu companheiro de quarto. Ele jamais seria capaz de fazer absolutamente nada nem contra uma mosca, que dirá assassinar uma pessoa.

— Eu não disse que desconfio dele. Apenas acho que há alguma coisa estranha nessa ficante, namorada, ou seja lá o que essa Ashley seja dele.

— Você está vendo pelo em ovo, Helena. — alertou Tommy — Não devemos criar brigas entre nós porque Mark arrumou uma namorada esquisita e não pôde ir à reunião com a Sra. Strauss. Precisamos ficar unidos, mais do que nunca.

As palavras que saíram da boca de Tommy foram abafadas pelo sinal escandaloso que percorria os corredores de Shavely. Era hora de ir para o dormitório e descansar para a sexta-feira que estava por vir.

O clima ficara pesado entre os quatro amigos e eles subiram para seus próprios quartos sem trocarem uma única palavra. Durante o caminho, Logan ficou pensando o quanto Helena parecera ousada durante a hora do jantar, ao falar aquelas coisas para Mark. Ele poderia estar um pouco diferente nos últimos dias, talvez um pouco afastado de todo mundo, mas isso não queria dizer que ele era o assassino misterioso. O amigo jamais seria capaz de fazer isso, ele não tinha motivo algum para matar Brian. Aliás, ninguém tinha. Descartando as falsas conclusões de Janeth que levaram o colégio inteiro a ficar contra Logan, a morte de Brian ainda estava completamente sem nenhuma explicação verdadeira. Isso incomodava profundamente o garoto. Ele precisava descobrir o que estava acontecendo. Precisava descobrir se suas suspeitas de alto sobrenatural rondando o colégio eram mesmo reais. Mas a única coisa que ele tinha dentro da sua mente era um grande vazio.

Logan abriu a porta do dormitório e seus olhos captaram o amigo jogado sobre a cama superior do beliche, sem ao menos ter tirado os sapatos e a calça jeans.

— Mark? Está tudo bem, cara?

Sua cabeça estava envolta pelo cobertor e ele resmungou alguma coisa inaudível. Logan se aproximou dele e colocou a mão sobre a sua perna.

— Não ligue para o que a Helena disse. Você a conhece, ela está nervosa com tudo o que está acontecendo. É natural que ela fique daquele jeito.

Mark sentou na cama e sua cara amassada ficou visível.

— Olhe para mim, Logan. Acha que eu tenho cara de assassino?

— Não, é claro que não. Sei que você é incapaz de fazer mal a algum ser humano.

Ele soltou um suspiro e passou as mãos pelos cabelos bagunçados.

— Eu queria muito ter ido à reunião com a Sra. Strauss, mas o que eu posso fazer se a minha atração pela Ashley foi maior que tudo?

Logan deu uma leve risadinha.

— Você está virando o garanhão de Shavely, é isso mesmo?

— Não brinque com uma coisa dessas! A Ashley é apenas uma ficante, não é nada sério.

— Pode não ser para você, mas para ela eu acho que é.

Mark coçou a parte traseira da cabeça e enrugou a testa numa expressão confusa.

— O que você quer dizer com isso?

— Veja bem, meu caro amigo, a menina acha que foi culpa dela por a Helena ter dito aquelas coisas. Ela está tentando defendê-lo, mesmo que seja de um modo indireto. E ficantes não defendem um ao outro. São apenas ficantes e não têm nenhum compromisso.

— Mas eu também a defendi quando Helena lhe chamou de cara pálida.

Logan estendeu as mãos frente ao seu corpo e bateu palmas três vezes seguidas.

— Excelente! Isso só leva a crer que temos um novo casal em Shavely: Mark e Ashley. Dois pombinhos apaixonados que se conheceram nas terríveis aulas de matemática e agora não vivem um sem o outro.

— Cale a boca! — Mark pegou o travesseiro e o arremessou com toda sua força na cara de Logan, que estava se divertindo. — Você deveria ir tomar um banho para aquietar essas ideias de jerico que passam pela sua mente.

Logan, ainda rindo e afagando o local onde o travesseiro havia atingido, assentiu e foi até o banheiro.

Mas seu humor foi totalmente interrompido quando ele acendeu o interruptor e olhou para o espelho. Uma palavra escrita com letras grandes e cursivas brilhava no vidro levemente empoeirado do espelho, que cravou o peito de Logan como se fosse uma faca. Ele olhava para o seu reflexo e ao mesmo tempo via a palavra “ASSASSINO” reluzindo diante do seu rosto pálido.

Logan tentou inspirar e expirar calmamente, mas ele já começara a sentir o suor escorrendo por sua testa e a sua respiração ficando instantaneamente ofegante. Estava farto de tudo aquilo, de todo mundo o acusando injustamente, sem ao menos terem uma prova sequer. E, de repente, toda a raiva que inundava o seu cérebro transbordou e acertou em cheio seu corpo. Ele podia sentir os pulsos pulsando na mesma intensidade que seu coração e os músculos tremendo demasiadamente. A boca de Logan estava prestes a abrir e soltar um grito de ódio, raiva, angústia, amargura, ou qualquer outro sentimento desse tipo, mas ele se conteve em apenas reunir todas as suas forças e dar o soco mais potente que ele poderia ter dado naquele espelho mentiroso.

O objeto de vidro trincou e alguns pedaços cortantes caíram ao chão. A mão de Logan ardia e ele percebeu que um corte bastante profundo se formara no dorso da sua mão. O sangue estava escorrendo numa velocidade incrível e Logan podia sentir o cheiro metálico daquele líquido vermelho e viscoso.

Suas roupas já estavam grudadas no seu corpo quando ele abriu a torneira e permitiu que a água gelada limpasse a corrente de sangue que estava saindo do ferimento. Aquela dor que sentia na mão não era mais forte que a dor de ser chamado de assassino injustamente. Era doloroso saber que as coisas haviam chegado ao ponto de alguém invadir o dormitório de Logan para xingá-lo, para deixá-lo para baixo e fazer com que se sentisse a pior pessoa do mundo.

Depois que Logan desligou a torneira, o ferimento ainda doía e ele arrancou um pedaço da manga de sua camiseta e amarrou na mão sangrenta a fim de estocar o sangue que ainda ousava escorrer do profundo corte.

Ele olhou para aquele banheiro completamente vazio e se sentiu sozinho e desamparado. Logan encostou as costas na parede do cômodo e deslizou lentamente até estar sentado no chão úmido e frio. Olhou para os joelhos machucados e pensou em quantos ferimentos ele teria que adquirir até essa tormenta passar. Quantas vezes mais ele teria que machucar a si próprio para provar que ele não era o que os outros estavam dizendo? Logan abraçou as próprias pernas e uma lágrima escorreu dos seus olhos. Uma lágrima que significava o lamento de uma pessoa desesperada por justiça.


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