Ele bateu de leve na parede, levando em conta que não havia uma porta.

– Meu senhor quer vê-la. – advertiu e eu o segui. Os corredores tortuosos eram como labirintos para mim. Jamais poderia me orientar ali. Mas, guiada pelo belo homem negro à minha frente, pelos passos firmes, pela luz do lampião, eu me sentia segura o bastante para continuar.

Parecia infinitamente calor lá embaixo. Aos poucos, eu percebia que os caminhos nos levavam ainda mais para baixo, rocha a dentro. Eu facilmente poderia esquecer que a nevasca lá fora piorava a cada dia. Era impossível vestir um casaco ali, mas não eram apenas as circunstancias geográficas que traziam calor. Mas também seus olhos.

Meus olhos percorreram o homem à minha frente. Eu não podia negar que sentia saudades. Saudades daquele tempo em que fora normal, saudades do dia em que ele fora bem-vindo conosco e não haviam tantos impedimentos. Saudades do nosso nós.

Parei.

Não podia mais mexer minhas pernas, o corpo não mais me obedecia. Em um reflexo as asas se esticaram. Minha respiração se tornou ofegante.

Logo à minha frente, ele também parou. Os olhos traziam ferocidade e desejo, mesmo que ele tentasse se mostrar preocupado.

– Pressão? – perguntou, mas não respondi. Ele sorriu.

A passos lentos e calmos, ele se aproximou. O sorriso permanecia em seu rosto quando suas mãos se afundaram em meus cabelos e seus lábios tocaram os meus.

Respirei fundo. Juntei as poucas coisas que me restavam naquela bolsa ridícula, esperando que algo simplesmente se resolvesse. À medida que as colocava ali, eu me sentia pior. Eu piorara tudo.

Não percebi os passos lentos até que estivessem bem próximos. Virei-me subitamente para aquela direção.

– Não apareceu lá. – disse Gabriel.

Minha expressão se contorceu em um misto de confusão e angústia. Abri os lábios diversas vezes esperando que conseguisse falar algo. Sem sucesso. Ele sorriu.

– Tudo bem. – disse. – Nós já vamos.

Essa seria minha despedida dele. O humano que um dia se tornou uma vergonha.

“Um renegado.”