Joshua ia a caminhar atrás de Chrno e Rosette, enquanto entravam em casa e, francamente, nunca tinha visto a irmã a falar com alguém daquela maneira.

- E depois eu acordei no hospital. – acabou Rossette que acabara de contar a história de como tinha chegado ali, a Chrno – O Joshua disse que era Jason e a Fiore é a nossa empregada.

- A Fiore? – perguntou Chrno – A irmã da Sattela?

- Sim. – confirmou Rosette – E ela também parece não se lembrar de nada. Não sei o que é que se passou para nós voltarmos.

- Mais importante do que termos voltado, a questão é, porque é que nos lembramos do passado? – corrigiu Chrno – E como é que vamos encontrar os cornos?

- Já chegamos. – anunciou Joshua, interrompendo a conversa da qual ele não estava a tirar nada – Os nossos pais também já devem estar em casa. Era boa ideia mentir sobre a vossa relação.

- Relação? – disseram os dois ao mesmo tempo, enquanto Joshua furava pelo meio para abrir a porta – Que relação?

- Vá lá, Claire. – disse Joshua olhando para a irmã – Ele está claramente apaixonado por ti. – ao ver a irmã a corar, ele sorriu – Que tipo de relação é que temos aqui, afinal?

- Eu não sei do que estás a falar! – alegou Rosette batendo com demasiada força nas costas de Joshua, arrependendo-se imediatamente quando se lembrou que ele podia ainda ser doente – Estás bem?

- Do que é que estão a falar? – perguntou Chrno que tinha sido deixado de fora.

- De nada! – exclamou Rosette, querendo acabar com a conversa.

- Foi por isso que acabaste com o Ty? – perguntou Joshua com uma sobrancelha levantada – Não achas que ele é demasiado novo para ti?

- E que tal se entrássemos? – sugeriu Rosette, passando à frente dos rapazes – Mãe, pai! Chegámos!

- Claire-sama! Jason-sama! – Fiore correu para a porta e pegou no casaco de Joshua depois de fazer uma vénia – Bem-vindos a casa.

- Boa noite, Lisa. – cumprimentou Joshua – O jantar já está pronto?

- Está quase. – respondeu Fiore, mas ao ver Chrno hesitou antes de conseguir continuar – Quem é o vosso convidado?

- Oh, este é o Chrno! – disse Joshua puxando Chrno para a frente – Ele vai ficar por aqui durante algum tempo.

- Seja bem-vindo, Chrno-sama. – cumprimentou Lisa esticando as mãos para receber o casaco dele, mas este abanou a cabeça.

- Eu estou bem, Lisa. – disse Chrno, franzindo as sobrancelhas. Parecia que não era só ele e Rosette que se lembravam do passado – Mas obrigada na mesma.

- Então, por favor, relaxem enquanto o jantar não está pronto. – pediu Fiore – Os vossos pais estão na sala-de-estar.

Determinado a falar com eles, Joshua fez sinal à irmã e a Chrno para o seguirem.

A mãe estava sentada a ler um livro e o pai estava a trabalhar no seu computador portátil, sentado no sofá em frente à mulher. No entanto, quando eles entraram, apenas a mãe desviou o olhar para os supostos filhos.

- Jason, já dissemos para não entrarem aqui sem baterem. – com desconfiança, olhou para Chrno que se encontrava atrás de Rosette – Quem é o rapaz?

- Ah, ele chama-se Chrno. – apresentou Joshua, puxando-o para o seu lado – Ele é um amigo da Claire e, como não tem nenhum sitio para ficar, ofereci-me para o deixar ficar aqui.

- Jason, não devias fazer isso. – repreendeu a mãe.

- Senta-te aqui, rapaz. – pediu o pai, pousando o computador – Vamos falar. Os outros, por favor, deixam-nos sozinhos.

Obedecendo silenciosamente, a mulher pegou no livro, levantou-se e saiu.

- Hum…

- Deixa-os estar, Claire. – murmurou Joshua – O Chrno parece ser um bom rapaz.

- Sim, ele é.

…

Rosette estava no seu quarto há meia-hora mas Chrno ainda não tinha voltado da conversa com aquele homem.

- Posso entrar?

Ao reconhecer a voz de Fiore, Rosette sentou-se ao lado da mesa onde tinha uma arma na gaveta antes de lhe dar permissão para entrar.

- Eu gostava de falar consigo… - começou Fiore com os olhos no chão – Rosette-sama.

- O quê!? – Rosette levantou-se à menção do seu verdadeiro nome – Tu lembras-te!?

- Na verdade…sim. – para comprovar que não queria lutar, Fiore ajoelhou-se – Também foi uma surpresa para mim, quando voltei. E juro que não lhes quero mal, nem ao Joshua-sama, nem à menina. Mas, quando vi o Chrno-sama, tive medo que ele percebesse mal e me achasse hostil.

- Então, porque é que o Joshua não se lembra? – perguntou Rosette sem perceber nada.

- Talvez por causa dos efeitos secundários aos cornos do Chrno que ele tinha na outra vida, e à sua doença, ele só se lembra da sua irmã “Claire” nesta vida. – explicou Fiore – Mas esta é só uma teoria.

- E porque é que eu deveria confiar em ti? – perguntou Rosette – Se bem me lembro, tu trabalhavas para o Aion.

- Sim, é verdade. Não tem razões nenhumas para confiar em mim. – confessou Fiore – No entanto, mesmo antes de morrer, eu lembrei-me de como era a minha vida antes de cair sob o feitiço do Aion-sama e considero esta nova vida como uma nova oportunidade para me redimir. Desde então, tenho procurado secretamente pela minha irmã mas nem sei se ela também voltou.

Rosette ponderou um pouco se devia confiar nela ou não, pois ela podia estar a trabalhar para Aion secretamente. Na verdade, não tinha nenhumas provas que ela se tinha lembrado de Satella.

- Talvez fosse melhor falar com o Chrno, primeiro. –decidiu Rosette, suspirando.

- Certamente. – concordou Fiore, levantando-se – Entretanto, vou continuar a servi-la e ao Joshua-sama.

- E, se a Satella estiver viva, eu vou ajudar-te a encontra-la. – disse Rosette – Se tu nos ajudares a encontrar os cornos do Chrno.

- Combinado.

…

- Então diz-me, rapaz. – começou o homem que olhava fixamente para Chrno – Diz lá como é que te chamas.

- O meu nome é Chrno, senhor. – apresentou-se ele – E sou um amigo da sua filha.

- Estou a ver. Eu sou o pai dela. – disse o homem – E essa roupa é particularmente estranha. Parece vinda de outro tempo.

- Obrigada. – agradeceu Chrno, tomando o comentário grosseiro do pai como um cumprimento – Foi um presente da sua filha.

- E posso saber qual é a tua relação com a minha filha? – continuou o homem.

- Ela…e eu…e… - como é que devia responder àquela pergunta se nem ele sabia qual era a resposta – Acho que somos bons amigos.

- E como é que se conheceram? – perguntou ele – Pela internet?

- Internet? – repetiu Chrno levantando uma sobrancelha – O que é uma internet? Algum tipo de rede interior?

O homem ficou a olhar para Chrno, estupefacto durante alguns segundos e depois começou-se a rir como já não se ria há muito tempo.

- Estou a ver. – disse ele como se tivesse percebido tudo – Deves ser do interior. Não sabia que ainda havia alguém tão novo quanto tu que ainda não soubesse o que é a Internet.

- Ah, sim! – Chrno riu-se também sem perceber a piada – Bem…

- Estou bastante agradado pela Claire ter conhecido alguém como tu. – concluiu ele – E, apesar de seres um pouco mais novo do que ela, espero que tenham uma boa relação daqui para a frente. Agradas-me muito mais do que o Tyler.

- Relação…?

- Sim. – aprovou ele – Podes vir quando quiseres e ficar quanto tempo quiseres.

Chrno sorriu e, apesar de estar contente por ter sido aceite, aquela conversa sobre relações deixava-o desconfortável, e não era só porque estava a matar a filha dele aos poucos.

Talvez não fosse boa ideia ficar ali durante muito tempo.

…

- E foi o que ela disse.

Rosette acabou de explicar o que tinha acontecido entre ela e Fiore e agora olhava para ele que se encontrava sentado em cima da sua secretária a olhar para ela, pensativamente.

- E achas que podemos confiar nela? – perguntou Chrno, finalmente.

- Acho que devíamos ser cautelosos. – respondeu Rosette – Mas podíamos usar a ajuda que ela nos está a oferecer.

- Bem, a teoria do Joshua parece certa. Afinal, na outra vida, ele não se lembrava de nós. – concordou Chrno – Mais importante do que isso, devíamos cancelar o contrato o mais rapidamente possível. Agora que eu já não estou no Pandemonium…

- Não! – interrompeu Rosette – O padre Remington disse a mesma coisa a pensar que eu não sabia o que ia acontecer se eu aceitasse o cancelamento, mas eu sei!

- Rosette…

- Eras tu! – exclamou Rosette – Eras tu que terias que repor a minha vida!

- A vida que eu te tirei, Rosette. – lembrou Chrno – É justo que seja assim.

- Se isso acontecesse, e sem os teus cornos para repor a tua energia, tu morrerias. – disse Rosette.

- Prefiro morrer sozinho… – disse Chrno levantando-se para se aproximar dela. Com gentileza, pousou a mão na face dela – …do que te ver a morrer outra vez.

- Do que é que estão a falar? – perguntou Joshua que tinha acabado de entrar, mesmo a tempo de ouvir a última frase – Quem é que vai morrer?

Chrno e Rosette olharam para Joshua mas não sabiam qual era a resposta que deviam dar.

- Jason-sama! – Fiore apareceu a correr por trás de Joshua – O jantar está pronto. Os seus pais estão à espera.

- Ah, ok. – disse Joshua seguindo Fiore depois de olhar uma última vez para Chrno e para Rosette – Depois continuamos a conversa.

…

Na manhã seguinte, Fiore sugeriu que procurassem os cornos no último sítio em que os tinham visto mas isso não era muito fácil para Chrno. Por isso, Rosette voluntariara-se para ir sozinha mas isso estava fora de questão.

- Se alguém devia ir ao túmulo de Madalena, sou eu. – disse Chrno – E tu não podes ir sozinha. Não sabes se o Aion escapou pela brecha.

Rosette acabou por concordar e saíram bem cedo, sem saberem que estavam a ser seguidos por Bobby que acampara à porta deles, desde a noite passada.

Quando viu o tão falado túmulo de Maria de Magdala de que ninguém sabia o paradeiro há anos, decidiu que tinha ganhado o jackpot. Mas, infelizmente, descobriu mais do que queria e, quando o viu, já era tarde demais para voltar atrás.

- Bem-vindo, Chrno. – disse ele, levantando-se – Estava à tua espera.

Automaticamente, Chrno pôs-se em frente a Rosette. – Aion!