Ecos do Passado escrita por Isabelle


Capítulo 5
Revelações


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura espero que gostem!!!
Jinhos da Belle



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Capitulo  IV

                 Revelações 

 

 

Quando Angel voltou para dentro da casa, John estava no andar de baixo, na biblioteca que fora transformada em quarto; ele não subiria escadas tão cedo, e Ginny havia adaptado o lavabo de baixo para que ele pudesse usar.

 

- O que está lendo? – Perguntou Angel, sentando-se na poltrona perto da cama.

 

O garoto mostrou a capa do livro em suas mãos, intitulado: “Ervas curativas e mágicas da Ilha de Wright”.

 

– Leitura bem informativa.

 

Angel sorriu; não via nada de atraente naquela leitura. Estava exausta, mas já era hora do check-up de John. O garoto parecia meio pálido. A médica, assim, levantou-se, pegou sua valise e aproximou-se da cama.

 

- Vamos lá! Já conhece tudo isso!

 

John virou os olhos e deitou-se na cama. Angel aferiu sua pressão e tirou sua temperatura, que estava um pouco alta, mas não chegava a ser febre - ele ainda apresentava oscilações de temperatura. Entretanto, já fazia três dias que sua temperatura estava estável, o que era isso agora? Nada, era o que Angel esperava. O coração de John, por sorte, estava bom.

 

- Ele bate por você. – John falou, deixando Angel corada.

 

- E o meu por você... – devolveu a médica, pela primeira vez verbalizando o que seus olhos já haviam confessado há tempos.

 

John sentou-se, com certo esforço, e puxou-a para junto de si, fazendo com que Angel se deitasse em seu colo. O movimento brusco assustou Angel. A garota tinha os olhos assustadiços, o rapaz percebeu, e um olhar culpado apareceu em sua face.

 

- Eu sou um trasgo! Perdoe-me, sim?

 

Angel levantou-se, constrangida e confusa, sem saber o que fazer. A tristeza invadiu o rosto de John, então a médica teve que intervir.

 

- Bem... Está na hora do seu banho, e depois vamos jantar. Ainda temos dois medicamentos pra você!

 

- Às vezes acho que você não é médica, mas um sargento! – resmungou John, emburrado. - O cenário mudou, mas você segue rigorosamente a rotina do hospital!

 

- Alto lá, mocinho! Eu não te dei alta ainda!

 

- Mas eu estou bem! – John quase gritou, e o tom ríspido dele magoou Angel profundamente. Respirando fundo, a médica tentou se acalmar, com certo sucesso. Ainda incerta se devia mesmo dizer o que estava para contar, Angel juntou coragem e todos os detalhes de que conseguia se lembrar e, por fim, começou:

 

- Olha, John... Você esteve morto por três minutos, quase quatro. Minha equipe já me pedia a hora da morte quando eu recomecei os procedimentos pra te trazer de volta à vida. – Angel baixou a cabeça. Era a primeira vez que contava esta lembrança, e ela doía. – Você perdeu o baço, suas lesões internas eram muitas, e não sabíamos se você sairia vivo da cirurgia. Tivemos que retirar suas roupas, raspar sua cabeça e te levar para outra sala, tamanha era a sujeira em que você se encontrava! – As lágrimas caiam copiosamente dos olhos de Angel, agora. – Assim descobrimos uma perfuração de faca no seu quadril, tão antiga que havia vermes saindo dela, mais três cortes profundos na cabeça, costelas quebradas que não perfuraram o pulmão por pura sorte, e você perdeu tanto sangue antes de chegar ao hospital que daria para preencher uma criança pequena! Então, não venha me dizer que está bem! Eu direi quando isso acontecer!

 

Angel saiu correndo da biblioteca, deixando John desesperado com todo aquele conhecimento pra digerir e ainda a certeza de que ela sofria. Ela o amou mesmo sendo um lixo.

 

A valise estava entreaberta na cama, e ele viu ali a pasta onde Angel anotava coisas depois de examiná-lo. Curioso, abriu-a. Duas fotos; em uma, ele tinha cabelo e estava limpo e, na outra, ele nem mesmo se reconhecia debaixo de toda aquela sujeira. Deixou as fotos de lado e leu os relatórios. Ao que parecia, John estivera no hospital duas vezes, e em ambas fora classificado como indigente, como estava assinalado no alto da pasta. No segundo relatório, a palavra impressa ‘indigente’ fora riscada e substituída pela manuscrita “John Reed”, tudo assinado pelo diretor do hospital.

 

O rapaz largou a pasta sobre a cama e pegou suas muletas, decidido a correr atrás de Angel. Pelo barulho, sabia que ela tinha subido as escadas, então foi para lá que John se dirigiu. Com muito esforço, chegou ao último degrau. Estava exausto.

 

- ANGEL!

 

A parte de cima era desconhecida para John, então ele gritava o nome da garota pelo corredor. Estranhamente, ele tinha a impressão de já ter visto aquele lugar antes, mas a necessidade de encontrar Angel era tão grande que John não prestou atenção em mais nada, nem mesmo no sangue que encharcara uma de suas mãos, que ferira em uma madeira solta em um dos degraus enquanto se arrastava escada acima.

 

Angel assustou-se quando ouviu seu nome tão perto. Estava jogada na cama, chorando lágrimas guardadas há muito, muito tempo, desde antes de John preencher o vazio da sua vida, e levantou-se correndo. O que aquele insano havia feito? Deparou-se com ele no corredor. A primeira coisa que Angel viu foi o sangue.

 

- O que pensa que está fazendo? – exclamou a médica, levando John para dentro de seu quarto.

 

- Eu não sei...

 

As lágrimas também caiam pelo rosto do garoto, agora muito pálido.

 

- Fique aqui! Eu já volto!

 

- Não!... Por favor...

 

- Olha a sua mão, John! – Angel praticamente gritava - Só vou pegar minha valise, não vou fugir de você!

 

John a soltou. Angel desceu correndo até a biblioteca para pegar a valise, e viu que ele lera seu prontuário médico. Não era para ser assim. Ele não precisava saber. Quando Angel voltou ao quarto, John havia recostado na cama, e respirava com dificuldade. Ela limpou seu ferimento e aplicou um curativo. Pegou um copo com água e fez com que ele tomasse seus remédios da noite.

 

- Olha pra mim, John... – Angel chamou, mais calma agora - Preste atenção, você está hiperventilando. Vamos respirar juntos, ok?

 

Ainda meio assustado, o garoto fez sinal afirmativo. Então, Angel impôs seu ritmo, e a respiração de John aos poucos voltou ao normal. Mais calmo, ele apenas balbuciou:

 

- Por quê?

 

- O que quer saber que eu já não tenha levianamente despejado em cima de você? – Angel tentou brincar, mas John continuava sério.

 

- Por que me salvou? Por que não desistiu de mim?

 

- Desistir? Não podia! Algo na sua alma me impulsionava. Quando você abriu os olhos pela primeira vez, eu tive certeza, e acabei me perdendo no abismo dos seus olhos cinzentos... – Angel limpou o rosto cheio de lágrimas com as costas das mãos. – Desculpe... Estou confusa e muito triste, algumas coisas aconteceram antes da sua chegada, e eu me descontrolei... Sinto muito...

 

Angel se levantou e foi até a janela, limpando mais lágrimas que teimavam em sair. John respirou fundo e estendeu a mão para a médica, que fingia observar o mundo lá fora.

 

- Venha cá... – Angel obedeceu-o, pegando em sua mão estendida e se aconchegando na cama, ao lado de John. Ele a apertou junto a si, e sussurrou em seu ouvido: – Eu te devo a minha vida, então ela te pertence agora. Faça com ela o que quiser.

 

Eles dormiram depois de um tempo. Naquela noite, os pesadelos que ambos tinham deram espaço para sonhos calmos de uma época feliz.

 

Acordaram quase às onze horas da manhã. As duas criadas que cuidavam do Solar, muito discretas, não fizeram nenhum barulho, mas já estavam preocupadas. Angel acordou com o rosto enterrado no pescoço de John, que ainda a abraçava firmemente.

 

- Bom dia, gentil senhor! – disse Angel, dando um beijo no pescoço que estava a sua frente, e provocando um arrepio forte em John. – Se demorarmos mais, as criadas vão mandar equipes de resgate aqui em cima!

 

- Não! – o garoto resmungou, ainda sonolento - Eu não quero ser resgatado!

 

- Acho que nem eu!

 

- O quê? Onde está a doutora Reed, e o que você fez com ela? – brincou John, rindo e depositando muitos beijos pelo rosto e pescoço da morena.

 

- Seu bobo! – Angel fez drama - Se eu cuido demais de você, ouço reclamações, mas se cuido de menos, ouço também! Eu me rendo!

 

As risadas que ecoaram pelo quarto cessaram quando John se levantou da cama em um salto bem-disposto.

 

- Vamos lá, doutora Reed! Procedimento padrão de todas as manhãs! Eu vou para o banheiro e você providencia meu café, depois faz um check-up e me entope de comprimidos! - Disse o rapaz, indo ao banheiro. – Ah, Angel... Você pode, por favor, me trazer roupas limpas?

 

- Sim, senhor!

 

Angel bateu continência e se foi, levando consigo suas próprias roupas. Tomou banho no banheiro debaixo, e depois parou na cozinha para dar ordens para as criadas. Almoçariam mais cedo.

 

Quando voltou para seu próprio quarto, levando as roupas de John, encontrou o garoto loiro enrolado em uma toalha, dentro do banheiro, com uma careta nada amistosa.

 

- Está tentando me congelar?

 

- Não, senhor! – Angel entregou as roupas para ele com um pequeno sorriso que não foi correspondido - Aqui está... Vista-se e depois me chame para te ajudar a descer.

 

Descendo as escadas, Angel ouviu um barulho que parecia vir da sala de música. Achando que deveria ser uma das criadas, Angel seguiu o barulho para pedir ajuda para levar John para baixo. Abriu a sala e encontrou-a vazia, mas o piano emitia uma melodia triste. Angel podia ver as teclas se mexendo, e isto a assustou. Não conseguia parar de olhar a cena, incrédula e paralisada.

 

Então, a silueta de uma mulher começou a aparecer sentada ao piano, tocando a melodia que atraíra Angel. Com os olhos arregalados, Angel viu a silhueta parar de tocar e encará-la com um olhar terno, mas profundamente triste, e arrepiou-se: o fantasma tinha o seu rosto!

 

Sem fazer qualquer tipo de som, o vulto levantou-se e fez sinal para que Angel o acompanhasse. Hipnotizada com aquela aparição envolta em luz e tristeza, Angel a seguiu, subindo uma escada no andar superior que a levou ao sótão do Solar.  Ao entrar no aposento, ofegante, Angel viu o vulto com seu rosto sentado sobre uma cômoda, e de repente ela não via mais a poeira do chão e as teias de aranha, e usava um vestido antiquado de algum século passado. Em pânico, Angel viu suas mãos abrirem as portas da cômoda e tirarem um fundo falso.

 

Tão de repente como veio, aquela bizarra visão do passado se foi. Angel estava novamente em seu próprio mundo, e não havia mais fantasma nenhum ao redor.

 

-Mas o quê...

 

Trêmula, Angel pensou em voltar correndo para a parte do Solar que conhecia, voltar para os braços de John e não sair mais de lá, mas sua curiosidade foi maior que seu medo. Seu coração estava descompassado quando Angel se ajoelhou diante da cômoda e repetiu os gestos que vira. Dentro do fundo falso encontrou um livro tomado pela poeira.

 

Mais que depressa, Angel correu para fora do sótão e entrou em seu quarto como um furacão, batendo a porta às suas costas e apoiando-se nela. John, que já estava vestido e apenas esperando ser levado para o andar de baixo, quase não conseguiu conter uma exclamação de susto. Angel estava muito pálida, sua respiração era ofegante, e ela trazia algo apertado nos braços. Equilibrando-se com dificuldade, John se levantou e se aproximou de Angel para tentar ajudá-la.

 

- O que foi? Parece que viu um fantasma! – Angel não respondeu. John achou que ela estava em algum tipo de estado de choque, então a estreitou em seus braços e tentou fazê-la se acalmar. – Calma, Angel... Vamos lá, respire... Melhor?

 

Angel estava alheia e gelada, e não registrava a presença de John. Ele não saberia dizer por quanto tempo ficou ali, tentando manter o equilíbrio e abraçar Angel, quando de repente ela reagiu, pulando no lugar como quem acorda com um grande susto. John quase caiu, e teve que se afastar para continuar em pé.

 

- O que foi? – perguntou o garoto, mais do que preocupado.

 

- Nossa!

 

- O quê?

 

- Nossa!

 

- Por Merlin! – esbravejou John, perdendo a paciência - Você vai me contar o que aconteceu, ou não?

 

A expressão fez Angel voltar o rosto para John. Gaguejando, a médica tentou brincar, sem muito sucesso:

 

- Merlin, de novo, não!

 

John não achou graça nessa piada. Angel escorregou pela porta, tentando encontrar as palavras certas para explicar o que acabara de lhe acontecer.

 

- John, eu... Eu vi!

 

- Viu o quê? – John praticamente caiu ao lado de Angel - Estou ficando preocupado com você, doutora Reed!

 

- Eu não sei, eu... Eu acho que... Acho que era um... Um fantasma. – sua voz não era mais alta do que um sussurro – Ela... Ela me levou para o sótão, e... E me mostrou onde ela escondia isso...

 

Afrouxando os braços, Angel exibiu o livro que apertava com tanta força contra o próprio peito.

 

- Você deve estar delirando. – John concluiu, colocando a mão esquerda sobre a testa de Angel, como se estivesse medindo sua temperatura. Sem achar nada de anormal, o garoto sacudiu a cabeça e forçou Angel a levantar-se com ele. – É melhor você voltar a deitar.

 

Angel, é claro, abriu o livro assim que estava confortavelmente acomodada na cama. Resignado, John deitou-se ao seu lado e nada pôde fazer além de folhear as páginas do livro com a médica.

 

O livro era antigo, e não passava de um caderno simples com desenhos feitos apenas com grafite. A artista retratou tudo ali na ilha, o mar, as paisagens... Então, uma página mais para a metade do livro os fez parar, estupefatos e boquiabertos: o rosto de Angel estava retratado naquele livro. Espantado, John passou a folha rápido, para depois voltar e checar se era mesmo a médica ali e não apenas uma ilusão de ótica, quando outro desenho o assustou ainda mais: ele mesmo estava ali, com longos cabelos presos com uma fita, e um uniforme antigo da marinha inglesa.

 

- Isso não está acontecendo. Definitivamente! – Angel balançou a cabeça, tentando afastar aquelas imagens incoerentes de sua mente. - Ainda estamos dormindo!

 

- Sim. – John fechou o livro com força e escondeu-o debaixo da cama para não olhar mais para ele. - Ou você está me dando alucinógenos, Dra. Reed!

 

- Alucinógenos que eu devo estar tomando também, Sr. Reed! – retrucou a moça, brincalhona apesar do choque. – Eu acabei de seguir uma versão de mim mesma do século XVII ou XVIII! Seja lá o que for que estou te dando, eu com certeza tomei uma dose cavalar!

 

John esfregou a própria nuca, frustrado com todo aquele mistério.

 

- Eu não compreendo!

 

- Nem eu! – Angel respirou fundo e evocou seu lado prático, a melhor maneira de se desvendar problemas aparentemente sem solução. - Vamos fazer o seguinte: vamos descer, almoçar, e só depois procuraremos saber mais sobre a história da casa.

 

- Boa idéia. E pare de tomar seja lá o que foi que você tomou, porque você me assustou, anjo!

 

Angel fechou os olhos e sorriu, encantada.

 

- Diz de novo...

 

- O quê? Pra não tomar...

 

- Não... Diz de novo que eu sou seu anjo...

 

- Anjo...

 

John carinhosamente segurou o rosto de Angel com uma das mãos e depositou um beijo terno em seus lábios. Sem ver resistência, aprofundou o beijo, e então, percebendo que era correspondido, explorou aquela boca que o enlouquecia com avidez. Suas mãos percorriam os cabelos dela, a pele de sua nuca, suas costas, e Angel se derretia a cada toque. Nunca havia sentido nada nem parecido!

 

Havia tanta emoção naquele beijo que ambos se afastaram arfantes. Havia lágrimas nos olhos dos dois, lágrimas de uma saudade incontida, sentimentos paradoxais que fervilhavam em suas mentes.  Foram interrompidos por batidas na porta e pela voz da criada. Afastaram-se meio a contragosto, e Angel abriu a porta.

 

- A senhora me chamou? – perguntou a criada, parecendo mais do que certa de que Angel a havia chamado.

 

- Chamei? Ah, sim! Claro! – na verdade, Angel não se lembrava de ter chamado a garota, mas achou que toda aquela história de fantasmas a havia feito esquecer que o fizera. – Preciso de ajuda para levar John para baixo.

 

A garota conteve um risinho; afinal, como e por que o senhor chegara ali em cima não era da sua conta. Ajudado pelas duas moças, John desceu as escadas. Os três ofegavam quando finalmente chegaram à parte de baixo.

 

- Por favor, não suba mais! – implorou Angel, assim que sentara John no primeiro sofá que vira.

 

- Por favor, não me abandone mais. – ele retrucou, lembrando tristemente o que havia acontecido no dia anterior.

 

Depois do almoço foram à biblioteca local. Um passeio faria bem a eles. Os olhares da bibliotecária para o casal eram de total espanto, o que cansou Angel e quase a fez destratar a mulher:

 

- Olha, meu nome é Angel Reed, sou médica em Londres, sou, sim, dona do solar, e não sou nenhum fantasma!

 

- Me perdoe, senhora! – a bibliotecária pareceu realmente envergonhada ao deixar seu posto e apontar para um ponto qualquer da biblioteca. - Vocês podem me acompanhar, por favor?

 

Angel seguiu a mulher gorda por um corredor até uma sala ampla e iluminada, com várias cadeiras confortáveis para leitura, um tapete felpudo e almofadas no chão. Em uma das paredes, havia uma lareira incrivelmente antiga, onde havia um quadro enorme com uma placa: Lizie Reed – Amiga e fundadora da Biblioteca Pública da Ilha de Wight.

 

- Pode nos entender agora, senhora?

 

- A-Acho que... Posso...

 

Dizer que a pintura lembrava Angel era ridículo: se a própria Angel tivesse servido de modelo talvez não fosse tão... Idêntico.

 

- Meu Merlin! – exclamou John, encarando o quadro com olhos arregalados - Continuo alucinando!

 

- É! Merlin tem senso de humor!

 

Não adiantava mais perguntar por que John evocava tanto Merlin. “Então, viva Merlin e toda essa insanidade”, pensou Angel, enquanto pegava o celular e ligava para Ginny no continente.

 

- Sabe onde estou? – foi o que Angel disse, antes mesmo de dizer “olá”.

 

- Não faço idéia...

 

- Pois eu estou diante de um retrato de mim mesma vestida para um baile à fantasia, na biblioteca da cidade!

 

- Ah... – Ginny gaguejou – Ah, Angel, eu... Eu posso explicar...

 

- Vocês sabiam e não me disseram nada! – Angel rosnava – E, se dependesse de vocês, eu teria continuado no escuro se o fantasma da casa não tivesse aparecido hoje e me mostrado aquele maldito caderno!

 

- Ai, meu Merlin!

 

- Deixe o pobre Merlin fora disso! Você deveria ter me contado!

 

- Sim, eu deveria... – Ginny suspirou - Eu prometo te contar todo o resto no fim de semana, se é que nosso encontro ainda está de pé...

 

- Minha nossa! E tem mais? ­– Angel respirou fundo para tentar se acalmar. As pessoas ao redor já estavam lhe lançando olhares mortais por fazer tanto barulho na biblioteca. - Tudo bem, Ginny. Eu fiquei meio nervosa, mas está tudo bem. É claro que espero vocês no final de semana, afinal, somos amigas. Ou não?

 

- Claro que somos, Angel! Eu sinto muito!

 

- Esqueça! Beijinhos para a Lils! – Angel desligou o telefone e voltou-se para a bibliotecária, que a encarava com ainda mais espanto: - Quero ler tudo o que você tem sobre o solar.

 

Minutos depois, John e Angel estavam envoltos em pilhas de livros e jornais antigos, todos falando alguma coisa a respeito do Solar Reed. John pegou um artigo de jornal e citou-o para a médica:

 

- Olha só... O Solar Reed foi construído por volta de 1800, quando Napoleão começava a ter sonhos de conquista. Os Reeds eram uma nobre família inglesa com algumas posses, e compraram o Solar recém-construído para passarem os verões. Os primeiros e únicos moradores da casa foram Paul e Lizie Reed. Pelas informações, a família sempre tentou vender o Solar, mas nunca conseguiu; alguns desavisados tentaram morar na casa, mas todos entregavam as chaves do imóvel em menos de um mês. Os únicos que não tinham problemas com os fantasmas da casa pareciam ser os membros da família Weasley, que é guardiã das chaves há muito tempo. - Nesse ponto, John deu uma risadinha. - Deve ter alguma verdade nisso. A ruiva é uma Weasley, e nada aconteceu enquanto ela estava lá...

 

- Isso é bem verdade... – concordou Angel, instigando o loiro a continuar o que dizia.

 

- Relatos de aparições fantasmagóricas chamaram a atenção de vários seguimentos: pastores evangélicos, padres exorcistas, lunáticos, ufólogos, naturalistas, budistas... E a lista segue. Caçadores de fantasmas se hospedaram na casa mais de uma vez, e não conseguiram expulsar as assombrações. Inclusive já tentaram até queimar a casa, mas, quando o fogo começou, caiu uma chuva inexplicável durante dias!

 

John assobiou com certa zombaria e espanto, pegando, desta vez, um livro aberto.

 

- E que tal a história de sua antepassada? – John limpou a garganta. – Lizie nasceu em nove de julho de 1786.  É filha de Sir George Wellington Benson e de Lady Lisbeth Warlington, e casou-se com Paul Reed em 23 de setembro de 1803. O casal se mudou para a ilha uma semana depois do casamento. Em 1805, a senhora Reed, com recursos próprios, inaugurou esta biblioteca, com uma sala especial de leitura para crianças, coisa inédita para a época. Financiava também as obras da igreja local. – John fez uma pausa e olhou para Angel intensamente. – Especial como você, anjo.

 

Angel corou e sorriu.

 

– Seu bobo!

 

Ele se aproximou e depositou um delicado beijo em seus lábios.

 

- O que diz aí de Paul, o marido? – perguntou Angel, retomando a praticidade.

 

John voltou-se novamente para o livro.

 

- Ele nasceu em 19 de outubro de 1780, em Londres, filho de Samuel Reed, e Antonieta Bragança Reed. Era capitão da Real Marinha Inglesa, e serviu com o Almirante Nelson. Sua ultima missão foi a escolta de Napoleão quando este foi exilado na ilha de Elba, em 1814. Deu baixa e voltou para a ilha de Wright, onde morreu em um duelo meses depois.

 

Este ponto fez John estremecer.

 

- Acho que sei onde vamos achar mais detalhes. – Angel falou, olhando para o quadro de Lizie. 

 

- Onde? – John estava curioso.

 

- Em casa!

 

- Ai, meu Merlin! – John arregalou os olhos - Você vai voltar no sótão, não vai?

 

- Ai, meu Merlin! – Angel imitou John, sorrindo – Não vou, não!

 

- Anjo Misterioso...

 

- Vamos embora.

 

Angel se levantou da mesa e ia embora, quando passou diante do balcão da bibliotecária e uma idéia súbita lhe ocorreu. Voltou-se para a mulher, que desviou o rosto rápido para fingir estar distraída com seus afazeres.

 

– Obrigada pela ajuda, senhora, e me desculpe pelo nervoso na chegada.

 

- Tudo bem! – respondeu a bibliotecária, sorrindo - Espero que a senhora tenha entendido um pouco as pessoas que conhecem a história do solar agora.

 

- Com toda certeza sim!

 

oOo

 

 

 

Já era quase noite quando voltaram ao solar. A lareira estava acesa e Angel acomodou John no sofá antes de ir buscar chá, que tomaram em silêncio. Sem fome, Angel levantou-se e se encaminhou para a escada.

 

- Promete que não vai ao sótão? – disse John, numa voz fraca que o fazia parecer que estava implorando.

 

- Vou até meu quarto. Posso? – perguntou a garota em tom de troça.

 

- Engraçadinha. – John fez um muxoxo.

 

Minutos depois, Angel voltou com o diário. Mostrou a John e começou a ler em voz alta, desde o começo, para que ele entendesse. No meio da história, John interrompeu a leitura com um olhar meio perdido:

 

- Já teve a impressão de já ter lido uma história antes?

 

- É que li esta parte pra você quando estava em coma. – respondeu Angel, com simplicidade - Então seu cérebro lembrou-se de alguma coisa, é familiar a você.

 

- Espera, você... Você lia pra mim?

 

O rapaz estava incrédulo, e Angel, espantada.

 

- Sim. Por quê?

 

- Você é uma caixinha de surpresas! – O garoto de olhos grises estava embevecido com tamanha dedicação a ele. - Nunca ninguém cuidou de mim assim!

 

- Você já esteve em um hospital ou doente antes? – perguntou Angel, estranhando o comentário.

 

- Não sei... – John deu de ombros. - Mas tenho certeza disso, sabe-se Merlin por quê!

 

- O mais estranho é que Ginny chamou por Merlin hoje, também! Quero voltar pra Londres, vocês estão me assustando!

 

O casal caiu na gargalhada. Depois dos risos, eles leram mais um pouco do diário até John bocejar sonoramente.

 

- Estou com sono...

 

- Eu também... – Angel se espreguiçou. - Vamos lá, vou colocar você na cama.

 

- Você faz eu me sentir como uma criancinha de colo, Dra. Reed. – resmungou John, deixando Angel cobri-lo e ajeitar seus travesseiros. A médica riu enquanto dava a medicação noturna para seu paciente.

 

- Eu comecei a diminuir seus medicamentos, então me avise se sentir qualquer coisa diferente.

 

Angel percebeu que John estava pálido e quente outra vez, o que estava errado; nenhum dos medicamentos que diminuíra seria responsável por isso.

 

- Você não me parece bem, John. O que está sentindo?

 

- Só estou com sono, e um pouquinho de dor de cabeça...

 

- Hum. – Angel não pareceu satisfeita. - Vamos ao hospital amanhã. Quero novos exames.

 

John revirou os olhos. Não agüentava mais tantos exames, mas não disse nada - já havia feito uma nota mental para não discutir procedimentos médicos com Angel.

 

- Durma bem!

 

Angel saiu, fechando a porta atrás de si, quando viu algo brilhante no topo da escada. Respirou fundo; não estava preparada pra outro poltergeist, mas resolveu enfrentar. Subiu as escadas devagar, onde a mesma aparição luminosa que viu pela manhã a aguardava, silenciosa.

 

- Lizie? - Era como olhar para o espelho. - O que você quer?

 

Beleza, agora eu falo com fantasmas”, pensou a garota.

 

Lizie, é claro, não respondeu. Flutuando, ela seguiu pelo corredor como se indicasse o caminho. Angel a seguiu, incerta e trêmula, por todo o primeiro andar e adiante, atravessando portas e percorrendo corredores e cômodos completamente desconhecidos e tomados por poeira e teias de aranha. Não saberia dizer por quanto tempo andou quando uma porta se abriu, revelando um quarto totalmente revestido de mármore com colunas gregas em seus quatro cantos; no centro, havia um circulo de cobre com uma tampa coberta de desenhos, que formavam uma figura incompleta, como se um pedaço tivesse sido retirado.

 

Angel olhou todo o cômodo com olhos arregalados, e só então se deu conta de que Lizie já havia desaparecido há muito tempo. Sem esperar mais nada, a médica saiu do quarto, correndo o mais rápido que conseguiu.

 

John pôde ouvir os passos apressados na escada, e se assustou. Já se preparava para levantar, quando a porta do seu quarto se abriu. Angel entrou, fechou a porta com força e encostou-se a ela, tremendo. John, novamente, tentou falar com a garota, sem obter respostas, então se levantou, com certo esforço, e puxou Angel para seus braços. Como acontecera de manhã, Angel estava gelada e trêmula, sem registrar a presença de John. Ele a puxou para a cama, sabendo que não manteria o equilíbrio se a garota se assustasse com ele.

 

- Angel... Angel, por favor, fala comigo! – John vira lágrimas escorrendo dos olhos da médica, e sua aflição piorou – Por favor, diz que você não foi ao sótão!

 

Angel só então conseguiu falar, murmurando tão baixo que John quase não a ouviu:

 

- Eu... Eu não fui, mas... Mas ela... Lizie... Ela estava... Lá!

 

- Ah, Merlin! – John não sabia o que dizer, ou o que fazer, então apenas abraçou a moça com força, como se isso pudesse protegê-la de tudo. - Olha... Calma... Já passou...

 

- John, eu... Eu posso... Posso ficar... Aqui?

 

- E você achava que eu deixaria você sair desse quarto? – John sacudiu a cabeça para enfatizar o que dizia – Nós podemos ir embora daqui, Angel, ir dormir em um hotel, ou...

 

- Ninguém vai me tirar da minha casa!

 

John se assustou com a explosão repentina, e achou melhor não discutir. Angel ainda estava abalada demais para estar raciocinando direito, era o que John achava.

 

- Está bem, está bem, ninguém vai sair daqui. Fica calma. Eu estou aqui com você.

 

John fez com que Angel tirasse o suéter e as calças jeans para que ficasse mais confortável, e depois voltou a deitar-se, aninhando-a debaixo dos cobertores. Ele ainda não acreditava muito naquele fantasma, mas o medo de Angel era real. Enquanto tentavam dormir, John sentiu que sua cabeça doía mais do que nunca, e que seu corpo estava um pouco fraco também.

 

Continuaram a leitura do diário pela manhã, mas tiveram que interromper, pois John teve uma febre alta. Preocupada, Angel mandou as criadas trazerem tudo que era seu para a biblioteca, e ali ficou durante todo o dia, cuidando de seu paciente.

 

No final da tarde, Angel teve que colocar John no soro. A febre persistia, então ela entrou com um medicamento mais pesado. Durante a tarde, tinham ido ao hospital para fazer alguns exames e, enquanto esperavam os resultados, ela ia prevenir qualquer infecção. John tinha o olhar perdido quando Angel colocou o medicamento no soro.

 

- Se a febre não ceder até amanhã, nós vamos para Londres, John. Não vou arriscar.

 

John suspirou, cansado.

 

– Não queria que fosse assim. Você estava tão feliz no fim de semana! No domingo nós brigamos, na segunda-feira essa fantasma resolve aparecer, e na terça-feira o inútil aqui resolve ter febre! Não é justo!

 

- Pare já com isso! Você não é um inútil! E, para o seu governo, ninguém fica doente porque quer! – Angel suspirou e deu a volta na cama, esgueirando-se para debaixo das cobertas. – Que tal me aninhar em seu braço livre? – sem entender a repentina mudança de tom de voz, John a obedeceu. – Viu como você não é um inútil?

 

- É você que não existe, doutora Reed! – John sorriu e depositou um beijo casto no topo da cabeça da garota que abraçava.

 

 

 


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