Ecos do Passado escrita por Isabelle


Capítulo 2
Aparando Arestas




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Ecos  do Passado

                                    By Isabelle Delacour

Capitulo I

                 Aparando Arestas

Isle of Wight – Setembro de 1814

 

Eu estava de pé olhando para o poente.

 

Era um campo de trigo

 

Aos meus pés o homem que mais me amou na vida.

 

No poente o único homem que amei na vida.

 

Quando me dei conta estava de joelhos e derrubava lágrimas amargas sobre o peito daquele que mais me amou na vida. Ele jazia sem vida sob meu corpo.

 

Eu não chorava pelo homem morto.

 

Eu não chorava pelo homem que fugia em direção ao poente.

 

Eu chorava por mim...

 

O sangue se misturou ao dourado do trigo. Minhas lágrimas secaram. E caminhei pelo campo dourado... Em direção ao poente, que naquela hora, mais parecia um quadro acidentado, em que o pintor houvesse derramado várias tintas. O céu foi perdendo a luz aos poucos e eu vi a lua cheia surgindo no céu. Atrás de mim, o que poderia ter sido e não foi. A  minha frente meu pecado.

 

Agora estava só... Completamente só. Arrastaria os dias da minha existência purgando meu único pecado... Amar. Entrei na casa vazia, e percebi que não poderia viver ali com a lembrança dos dias que passamos juntos, meu pecado, meu único pecado. Enquanto o meu Senhor defendia nossa liberdade eu me entregava ao amor...

oOo

 

Londres Trouxa – dias atuais

 

Angel tinha terminado a sua residência quando, depois de toda a angústia que se seguiu aos dias após a morte de sua avó, ela recebeu um testamenteiro em seu apartamento. Ficou surpresa quando o advogado lhe entregou os documentos do velho solar, juntamente com uma chave de um cofre em um banco de Londres. Angel passou alguns dias observando a chave do banco e a escritura da casa sem saber bem o que fazer naquele momento. Uma profunda tristeza assaltava seu coração cansado de chorar, cansado de se lembrar. Cansado de perder.

 

Era final do seu plantão. Tudo parecia calmo, até que um acidente com muitas vítimas deu entrada no hospital. A equipe de Angel foi acionada e rapidamente fez a triagem dos pacientes e organizou o atendimento. Mas, naquela noite, o anjo da morte rondava o hospital, e uma das vítimas, uma garota, morreu em suas mãos. Angel ainda tentou reanimar a moça, que parecia nova demais para deixar aquele mundo insano.

 

- SEISCENTOS JOULLES, CARREGAR! – Angel segurava o desfibrilador e olhava para uma das enfermeiras que lhe deu sinal positivo para usá-lo. - AFASTAR!  - gritou Angel, sem tempo para mais nada.

 

- Angel, acabou... – falou um dos seus companheiros de equipe, Sam, tocando-a de leve no braço.

 

- Não! Ela é forte, tem que reagir!

 

- Doutora Reed, hora da morte.

 

Angel baixou a cabeça por um momento e suspirou fundo. Sam estava certo.

 

- Vinte e três horas e quarenta e dois minutos.

 

Afastou-se da mesa, retirando suas luvas, e deixou a água das duchas no vestiário cair em sua cabeça, na tentativa de lavar sua frustração. A garota era tão nova! Angel não entendia bem a morte, mesmo sendo médica. Saiu do hospital; tinha um fim de semana livre para conhecer o solar que havia herdado, e talvez descansar um pouco de toda aquela loucura em que se transformava a sua vida.

 

oOo

 

Londres Bruxa - Dias atuais

 

Oliver Wood se tornou um jovem e sagaz advogado depois da guerra, sendo conhecido tanto no mundo trouxa como no bruxo. Ganhando causas consideradas perdidas, ele começava a deixar seu nome na história do direito. Ele acabara de aparatar no portão da Toca, sendo recebido com um sorriso pela senhora Weasley, que estava no jardim.

 

- Olá, meu rapaz! Como está?

 

- Bom dia, senhora Weasley! Vou muito bem, obrigado. Como vão as coisas?

 

- Calmas e tranqüilas, como devem ser!

 

- Que ótimo! Podemos conversar?

 

- Claro, meu rapaz! Entre! Vamos tomar um suco de abobora lá dentro!

 

A senhora Weasley desvencilhou-se da luva de jardinagem que tinha nas mãos e foi em direção à cozinha, servindo dois copos de suco. A manhã estava quente e ensolarada.

 

Sentando-se à mesa, foi impossível impedir a lembrança das muitas conversas decisivas que aconteceram ali naquela cozinha. Oliver, então, respirou fundo, tentando afastar a recordação de um passado que todo o mundo bruxo se esforçava em esquecer.

 

- Senhora Weasley, o que me traz aqui é o Solar Reed.

 

Molly estremeceu e levou a mão ao peito. Nunca pensou que ouviria aquele nome em sua vida, muito menos de alguém tão jovem e que não fosse um Weasley.

 

- Ele mudou de dono, e nosso escritório trouxa foi o encarregado do testamento. Eu verifiquei que a família Weasley é guardiã de uma chave e, vendo que se tratava de magia no mundo trouxa, esta chave nunca pode ser usada.

 

- Sim, ela espera sua dona de direito. Está em nossa família desde 1815. O Solar só resistiu ao tempo por magia, ninguém consegue morar lá por muito tempo - alguma coisa com fantasmas, sabe como são os trouxas... Fui até lá algumas vezes, é uma bela casa. Já passei a chave para Ginny, ela é a guardiã agora.

 

- Ela sabe o que fazer?

 

- Sim, ela sabe. Vamos mandar uma coruja pra ela, e observar o novo proprietário. Agradeço por avisar!

 

- É apenas o meu trabalho, senhora Weasley. Foi muito bom estar aqui novamente! Obrigado pelo suco! Adeus!

 

Oliver foi até a porta e desaparatou, deixando Molly pensativa. Será que dessa vez o feitiço seria desfeito?

 

oOo

 

Londres trouxa – dias atuais

 

No dia seguinte, Angel passou no banco antes de seguir para Isle of Wight. O cofre revelou um baú alto e antigo com uns quarenta centímetros de comprimento por trinta de largura, adornado com paisagens marinhas, e cuja fechadura Angel não conseguiu abrir. Deveria valer muito em um antiquário. A médica sentiu uma sensação estranha ao tocar a peça, um arrepio que lhe percorreu a espinha, mas decidiu não pensar muito, e voltou ao carro com sua relíquia.

 

Angel pegou a estrada, sentindo-se cada vez mais triste. Ela sabia que a casa pertencia à família Reed há gerações, resistindo ao tempo e às guerras dos homens. Devia ser linda, cheia de mistérios! A ansiedade aumentava a cada quilômetro vencido da estrada, mas Angel só chegou à ilha no inicio da noite, então resolveu ficar em um hotel barato, já que não tinha a mínima idéia de como estava o estado do Solar Reed.

 

Quando o gerente do hotel viu seu nome, perguntou se Angel era Herdeira dos Reeds de Londres, e contou toda a história fantasmagórica da casa, que era habitada por fantasmas. Ninguém conseguia ficar lá mais de um mês. Angel ouviu atentamente e depois, em seu quarto, riu-se de tudo o que ouvira. Dormiu depois de um banho, sem nem ao menos notar o quarto simples, mas bem arrumado, em que estava. Na parede, havia apenas um quadro que mostrava algum cenário da ilha.

 

oOo

 

Saint Mungus – dias atuais

 

Uma curandeira caminha calmamente no corredor em direção a um dos quartos. O ocupante do quarto era um rapaz magro, de olhos cinza profundamente perdidos em algum lugar, e uma cabeleira platinada que não dava sinais da sua aristocracia de outrora. Foi o preço que Draco Malfoy pagou pela traição ao Lord das Trevas: enlouquecer depois da roda da tortura a que fora submetido durante a guerra. Harry Potter salvou sua vida, mas chegou tarde demais para resgatar sua sanidade. Nenhuma palavra se ouviu de Malfoy em seis anos.

 

A enfermeira sempre aparecia à mesma hora, dizia a mesma coisa, e então saía, não sem antes recolocar os feitiços de tranca e monitoramento. Um ano nessa rotina. Mas nesse dia as coisas foram diferentes. Uma gritaria no corredor tirou a enfermeira de seu caminho, fazendo-a sair do quarto correndo para ajudar outra curandeira em apuros, sem executar os feitiços costumeiros.

 

Estranhamente, Malfoy olhou para a porta aberta, levantou-se e saiu. Com a confusão, ninguém notou sua presença, e Draco rompeu a barreira mágica que protegia o hospital bruxo de trouxas curiosos em algum momento que não percebeu, ganhando a rua e a liberdade.

 

Ele olhava as ruas sem muita noção do que via. O sol e o barulho de Londres o deixavam cada vez mais confuso. Por ironia de Merlin, Draco estava solto no mundo trouxa e nem tinha noção do que se passava, apenas caminhava a esmo, sendo atormentado por algumas cenas da guerra e uma terrível dor de cabeça. Andou até a exaustão. Estava fraco; não havia comido nada naquele dia, pois comer era um grande sacrifício. Desmaiou. Alguém chamou uma ambulância, e Draco foi levado para um hospital trouxa.

 

O hospital tentou identificar Draco por dois dias, mas em vão. O garoto não existia. Não portava documentos, não falava, tinha o olhar perdido. Draco saiu do hospital trouxa do mesmo jeito que saiu do Saint Mungus, e vagou novamente pelas ruas. Era um indigente, perdido nas ruas de Londres, alimentando-se de restos e dormindo em algum buraco fétido.

 

Ninguém realmente sentiu sua falta e, uma vez que não estava em condições de fazer magia, Draco Malfoy foi considerado inofensivo pelo Ministério, e seu desaparecimento foi arquivado. Não que eles estivessem muito preocupados; era um paciente a menos a ser sustentado com o dinheiro do governo. Assim, Malfoy foi esquecido em algumas semanas.

 

oOo

 

Isle of Wight – dias atuais 

 

O velho casarão estava na família Reed há gerações, mas Angel não sabia nada acerca da construção, apenas que era sua, é claro. Desceu do carro, e entrou pelo grande portão. Ele estava aberto, era alto e tinha uma enorme letra R bem no centro dele. O barulho do tempo ecoou no silêncio daquele lugar. O velho portão estava gasto sem pintura e tomado pela ferrugem, e ainda assim resistia ao tempo. Saindo de suas laterais dois lampiões, que deveriam iluminar a casa para que seus senhores a encontrassem nos dias de nevoeiro.

 

O portão dava acesso a um pequeno jardim abandonado, ela caminhava lentamente, o coração de Angel se acelerou, as árvores balançavam e curvavam seus galhos, ao sabor do vento levando e rodopiando suas folhas no ar, o céu nublado, o sol escondido atrás de uma nuvem, seu olhar estava fixo na casa secular que se aproxima cada vez mais de si.  Seus pés subiram inseguros pelos degraus de pedra, suas mãos chegaram à maçaneta antiga, abrindo a enorme porta de carvalho, entrando em um tempo esquecido. Uma sensação estranha a invadiu quando Angel tocou na maçaneta, incerta. Nunca tinha entrado ali e, no entanto, teve a sensação de déjà vu. Ela parou no hall de entrada e um vento frio levantou seus cabelos, assustando-a; contudo, Angel logo viu o que sobrou de uma cortina esvoaçar no ar, provando que era apenas uma janela aberta. Balançou a cabeça e esboçou um sorriso meio nervoso. Aquelas histórias de fantasmas já estavam começando a tirar sua lógica.

 

Continuou. Seus passos ecovam abafados pelo assoalho de madeira, passando pelo hall, sob os arcos entalhados, as paredes de madeira trabalhada.  Seus passos ficaram marcados na camada de pó que cobre os degraus da escada de madeira, com o corrimão finamente esculpido, nas paredes os candelabros ainda guardam os tocos das velas de cera, todos enfeitados por um anjo de asas abertas, peças em bronze artisticamente trabalhados. Ela sobiu até o andar superior.

 

Angel foi andando, seu corpo virou-se sobre si mesmo, o olhar percorreu as paredes altas, as teias fizeram desenhos inexplicáveis no decorrer do tempo, passando pelo corredor portas entreabertas escondendo pedaços do passado. No fim uma porta dupla que se abriu ao seu toque, uma sala circular guardando nas paredes o esplendor de uma época, cobertas de tecido vermelho e rosa agora esmaecidos pelo tempo.

 

As janelas com os vidros embaçados, veladas por cortinas finas e delicadas, emolduradas pelos xales pesados de veludo vermelho, presos pelas braçadeiras de bronze. Algumas janelas foram abertas pelo vento que soprava levantando as cortinas finas e brancas, jogando em volta de seu corpo delicado as folhas vermelhas e amarelas do outono, que cobriam o chão, pequenas vidas envelhecidas, rolando aos seus pés com a brisa que ainda entrava pela janela.

 

À um canto ainda tinha um velho piano de cauda, esquecido aberto, as teclas amarelecidas ainda tiravam algum som das cordas do instrumento, as tampas ostentando as teias finas que esvoaçavam ao menor toque de ar. Aqui e ali, candelabros de pés tombados no chão. Angel  abriu os braços e girou, erguendo o rosto, os olhos e admirando o lustre pendente no teto, com centenas de cristais cintilando à luz da manhã. No lado oposto à porta uma lareira de mármore rosa ornada com a grade e o atiçador de bronze e ao lado um grande espelho e cristal alemão com uma larga moldura dourada entalhada à mão, esquecido no chão, encostado à parede.

 

Então ela deu a volta sobre si mesma, e desceu as escadas, abandonando as lembranças vívidas como se fossem suas, que vão se despedindo e voltando para o passado, novamente esquecidas.

 

Um sentimento familiar a inundou naquele momento, como nunca antes. Um sentimento morno, a sensação de voltar para casa depois de uma longa viagem. Angel olhava para a casa como se nunca tivesse saído dali em muito tempo. Ela estava tão consumida pelas sensações que a casa lhe proporcionava, que não ouviu entrar uma garotinha de uns cinco anos. Angel se assustou com a presença da pequena ruiva, e a garotinha mais ainda. Mas a ruivinha, que tinha os olhos mais verdes que Angel já vira, corajosamente não correu.

 

- Não me faça mal, senhora fantasma!... Por favor...

 

- Acalme-se! Não sou fantasma nenhum, olhe!... Não tenha medo! Sou Angel Reed. E você, quem é?

 

- Senhora... Não está me enganando pra me levar pro além?

 

- Não, meu bem. Sou de carne e osso, veja...

 

Angel abaixou-se para ficar da altura de sua corajosa invasora, e estendeu-lhe a mão. A menina se aproximou devagar, fechou os olhos com força, e tocou a mão de Angel. Abriu os olhos e finalmente voltou a respirar ao ver que Angel não era um fantasma, afinal.

 

- Sou Lily Potter, mas pode me chamar de Lils. A senhora é uma bruxa?

 

Angel parou um instante, sem entender e sem saber o que responder, quando uma voz autoritária ecoou pelo Solar Reed.

 

- Lily Luna Weasley Potter! Quantas vezes eu terei que dizer a você para não sair correndo na minha frente? – uma garota ruiva, com certeza da idade de Angel, entrou pisando firme no aposento, e a menininha logo correu para seu lado. Então, a ruiva mais velha virou-se para Angel, muito atônita e desconfortável: – Espero que ela não tenha te incomodado...

 

- Não se preocupe!

 

A mulher pareceu meio incerta, mas logo sorriu e estendeu a mão para Angel:

 

- Eu sou Ginevra Weasley Potter, mãe dessa desobediente.

 

- Muito prazer! Sou Angel Reed.

 

A médica percebeu certa surpresa no olhar da ruiva a sua frente, e rolou os olhos, já começando a se sentir uma assombração. Naquela ilha, todos aqueles a quem ela dava seu nome agiam como se ela fosse um fantasma!

 

- Minha família a aguarda há muito tempo. – foi esta a estranha e inesperada resposta da ruiva. - Quero dizer, um membro legitimo da família, é claro. Mas por que não vamos para minha casa? É quase hora do almoço, nós podemos conversar enquanto comemos, e você pode me dizer o que quer fazer aqui no Solar agora.

 

- Como assim? Eu não compreendo. Você é...?

 

- Ah! Desculpe! Eu sou a encarregada, fico com as chaves. Aliás, eu não sabia que você tinha uma chave... Bem, eu achava que Oliver Wood havia falado a meu respeito...

 

- Eu... Não, eu não sabia... Mas não tenho chave, a porta estava destrancada. Eu apenas entrei...

 

A ruiva empalideceu. Angel já estava achando aquela situação muito constrangedora, então resolveu se desculpar.

 

- Olha, Ginevra, eu não quero dar trabalho...

 

- Pode me chamar de Ginny. E não é trabalho algum! Harry está fora, então eu, Lily e minha mãe resolvemos passar alguns dias na ilha. Ela vai adorar te conhecer!

 

Angel saiu por ultimo, ainda deu uma boa olhada para traz, o sentimento com relação  a casa era muito forte. E todas aquela recordações que não eram suas voltarm ao passado quando a porta de carvalho se fechou atrás de si.

 

 

Angel se sentiu contagiada pela simplicidade e hospitalidade da ruiva, e acabou por acompanhar mãe e filha. O caminho para a casa da família Weasley era ladeado por velhas e frondosas árvores, um trajeto ameno e sombreado, cujo silêncio só era quebrado pelas perguntas da garotinha:

 

- Você tem um cachorro? E filhos? Você tem uma varinha?

 

- Varinha, Lils? – Angel surpreendeu-se com a pergunta.

 

- Não liga pra ela, senhorita Reed... Coisas de uma garotinha de cinco anos! – Desculpou-se uma constrangida ruiva.

 

- Ah! Tá tudo bem! Mas, por favor, pode me chamar de Angel!

 

Elas estavam em uma casa simples bem perto do solar, com um jardim bem cuidado e uma varanda que dava a volta na casa. Depois da cara de surpresa de Molly e de todas as formalidades das apresentações, Angel foi convidada à mesa. Lils foi advertida pela mãe a não falar em nada que as ligassem ao mundo bruxo, mas a garotinha de vez em quando deixava escapar uma! Depois do café, as mulheres passaram à varanda e se colocaram confortavelmente nas cadeiras ali dispostas.

 

- Bem, Angel, quando vai se mudar? - Perguntou Molly, à queima-roupa.

 

- Acho que não vou me mudar. A casa é linda e tudo mais, mas eu tenho meu trabalho! Sou médica e estou apenas começando, então não posso simplesmente me mudar para cá... – Angel respondeu, meio incrédula. Afinal, quem, em sã consciência, mudaria pra lá?

 

- Ah, que pena!... Pensei, que... Bem, não importa. O que pretende fazer com a casa então? – Molly ainda insistia.

 

- Bem, ainda não sei. Contudo, gostaria de manter contato com vocês, afinal, ficaram responsáveis por ela por todo esse tempo... Qualquer que seja minha decisão, vocês serão avisadas antes! Outro assunto é o pagamento de vocês. Como ele vem sendo feito?

 

Foi Molly quem respondeu a Angel:

 

- A chave está em nossa família desde 1815, e a casa nunca teve um morador fixo, por isso resolvemos ficar como guardiãs das chaves. Isso foi passado de geração para geração para o filho mais novo dos Weasleys, e para suas respectivas esposas. Guardar uma chave não custa nada, é apenas uma tradição...

 

Conversaram ainda por algum tempo, e quando Angel já ia se despedir, Ginny retirou do bolso um grande molho de chaves.

 

- Acho que você gostaria de ficar com as chaves agora.

 

- Prefiro que fiquem com você. Por enquanto, é claro!  – Angel, então, percebeu uma pequena chave que se destacava das demais, pendendo de um cordão de prata. – De onde é esta chave?

 

- Não sabemos. Ela não abre nada dentro da casa, mas faz parte desse molho desde... Bem, desde sempre. – Ginny sorriu.

 

- Posso ficar com ela? – Perguntou Angel, tentando controlar sua curiosidade.

 

- Por certo que sim! – A garota ruiva desenroscou a corrente do restante do molho e entregou-a a Angel.

 

- Bem, foi um grande prazer passar o dia com vocês! Espero que possamos repetir isso mais vezes!

 

Angel voltou ao Solar e olhou a antiga construção com uma estranha sensação de saudade. Entrou no carro, que havia deixado estacionado à porta, e voltou ao hotel, indo direto para o quarto, onde pegou a caixa que havia tirado do banco no dia anterior e sentou-se na cama. Angel encarou a chave, tão antiga quanto a caixa, e a corrente de prata que a pendia, igualmente antiga. Lançou um último olhar enigmático para a caixa antes de finalmente abri-la, com os olhos fechados. Uma estranha sensação passou pela alma de Angel. Respirando fundo, ela abriu os olhos. Surpreendeu-se.

 

Bem por cima havia uma vareta de madeira, adornada por uma hera entalhada. Angel achou-a muito linda. Quando a segurou na mão, uma estranha energia passou pelo seu corpo, como eletricidade. Imediatamente lembrou-se de Lils: “Você tem uma varinha?”. Angel respondeu em um sussurro:

 

 – Sim, Lils, eu tenho uma varinha.

 

Depois de algum tempo enfeitiçada pela beleza da peça, Angel já estava achando que tudo aquilo era coincidência demais, insanidade demais para alguém tão lógica e cética quanto ela. Por fim, voltou à caixa, onde havia ainda um livro. Angel abriu-o. Um diário! Na primeira folha, um nome e uma data: Lizie Reed, setembro de 1803.

 

– Nossa! – Exclamou a médica, fechando o precioso achado e acariciando a capa de couro vermelho, onde estavam gravadas as iniciais “JM”. Seu coração falhava e sua respiração estava descompassada; Angel nunca imaginou achar algo assim.

 

Ela se voltou mais uma vez para a caixa, e retirou de lá uma corrente de prata que já estava escura pelo tempo. Nela havia um pingente redondo, com uma borboleta cravejada de esmeraldas e jade no centro. Era uma jóia linda que Angel instintivamente colocou no pescoço, para então se acomodar melhor na cama e começar a ler o diário, sem pressa...

 

Londres - Janeiro de 1803

 

Começou a guerra entre a França e a Inglaterra, os cantões suíços readquiriram a independência, e meu pai, depois de uma briga com a família Malfoy, me entregou em casamento a um jovem e promissor Capitão da Marinha Real Inglesa: Paul Reed. Ele me amava em silêncio desde que minha família se mudou para Londres - éramos vizinhos -, mas meu coração já tinha um senhor, que estava longe. Jonathan Malfoy também era da Marinha Real Inglesa, e servia em umas das inúmeras naus que compunham a esquadra. Não houve tempo de comunicar-lhe, não houve como fugir. Apenas aceitei meu destino.

 

Eu tinha apenas dezessete anos. Meu casamento foi uma cerimônia simples e íntima. Meu marido me deixou na semana seguinte ao nosso casamento, para integrar a nau capitânia de Lord Nelson que, no momento, era o único homem entre Napoleão e sua sede de conquista. E eu, para minha segurança, fui para Isle of Wight. A Família Reed tinha uma casa lá.

 

Os homens e suas guerras! Eles sempre precisam de suas guerras, elas estão no sangue de alguns. O gosto de ferro na boca, a ansiedade correndo solta nas veias, o vento batendo em suas faces, o cheiro do mar. Livres. Eles se sentem livres então. Felizes, quase felizes. E nós, suas mulheres, somos prisioneiras. Esperamos por eles por noites intermináveis, rezando e pedindo, implorando para que voltem para nós. Com o tempo, nos acostumamos com a gaiola dourada em que somos encerradas. Prometemos mil vezes, fazemos mil juras de amor pra que eles saibam que têm para onde voltar. Em cada casa do vilarejo, uma luz é colocada no portão da frente pra que seus Senhores a encontrem no nevoeiro...

 

Angel acordou no dia seguinte com o livro ainda nas mãos. Misteriosamente, ela leu algumas páginas e caiu em sono profundo, com sonhos estranhos entrecortados com seus pesadelos já conhecidos. Olhou para o diário demoradamente, e quando fez menção de continuar a leitura, o telefone tocou.  Era Ginny, convidando-a para um dia de piquenique na praia. Angel prontamente aceitou.

 

A companhia das mulheres Weasley era muito agradável. Passaram um dia muito tranqüilo e, como a pequena Lily parecia não se interessar mais por varinhas, Angel resolveu guardar seu segredo. Mas a garotinha tirou seu fôlego! A criança definitivamente tinha muita energia, e Angel não se divertia assim a tempo demais para se lembrar. Chegou ao hotel, tomou um banho e caiu na cama, exausta. Imediatamente mergulhou em um mundo de sonhos insanos.

 

O fim de semana chegou ao fim, e era hora de voltar à sua antiga rotina. Angel sentia uma estranha tristeza enquanto fazia a mala. Não havia voltado ao Solar. Encerrou a conta no hotel e se encaminhou para o ponto de travessias de balsas, mas antes passou em frente ao Solar para uma última olhada. Não desceu do carro, apenas observou o velho casarão, e teve a nítida impressão de que havia alguém na janela. Um calafrio percorreu sua espinha, e Angel achou que todas aquelas histórias do fim de semana haviam entrado em sua mente depressa demais. Balançou a cabeça e sorriu, continuando seu caminho.

 

Finalmente ela chegou ao seu apartamento. Já era tarde da noite, e teria plantão no dia seguinte, então tratou de dormir. Mas, depois de revirar-se na cama, Angel decidiu que tinha que ler o diário da Lizie. Esticou a mão e o alcançou na sua cabeceira.

 

Isle of Wight – Junho de 1805

 

A noite estava escura e o nevoeiro entrava até em nossos ossos. Um frio estranho passava por meu coração, já cansado de esperar. Eu andava pela saleta de música de um lado para outro, e uma amargura, um medo incontrolável me sufocava naquele momento. Olhava pela janela pela décima vez quando Adele entrou, fez uma reverência, e anunciou a chegada de um visitante.

 

Jonathan Malfoy enfim me encontrara.

 

Não sei bem o que senti no momento em que meu olhar encontrou o dele. Meu coração falhou uma batida. Não saberia dizer quanto tempo o silêncio falou por nós.

 

- Lizie... Só agora eu consegui que meu pai revelasse o seu paradeiro...

 

- Perdoe-me, eu... Eu não tive escolha.

 

- Eu sei.

 

- Vá embora, Jonathan...

 

- Eu não posso...

 

Ali começou meu pecado. Meu único pecado.

 

Quando Angel acordou no dia seguinte, percebeu que havia dormido novamente com o diário em suas mãos. “Nossa! Isso está ficando cada vez mais estranho!”, pensou a garota, que não teve muito tempo para analisar a situação: estava muito atrasada!

 

oOo

 


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