O Barco II : As Ilusões de Morphia escrita por Irwin


Capítulo 2
Estranhos na Cidade


Notas iniciais do capítulo

Ponto de vista: Irwin



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— ... Aahhh...

— ... Tipo...

— ... Hmmm...

— Eer...

— ... Isso é Morphia?...

... Meu nome é Irwin. Eu e meu companheiro de viagem Adel estávamos igualmente paralisados, surpresos e boquiabertos com a imagem que tinha se formado no horizonte e que agora estava bem diante de nós.

Uma cidade... mas não uma simples cidade, aquilo era uma verdadeira metrópole! Para nós era uma visão fascinante, porque entrava em total contraste com os pacatos vilarejos de aspecto medieval por onde já tínhamos passado nesse novo mundo, Lucidia. Contudo, aquela era algo totalmente contemporâneo, talvez até com um leve toque futurista.

— Temos que achar um lugar pra deixar o barco — falei, mas devido ao barulho constante de helicópteros e outros veículos, ele demorou a me ouvir.

— Tem umas docas ali daquele lado. Me ajuda a remar.

A embarcação seguiu devagar até o lugar avistado por Adel. Dia e noite eram coisas pouco perceptíveis em Lucidia, por causa do constante céu negro, nublado, mas presumi que já deviam ser mais de seis da tarde. Dois homens fardados surgiram no alto da doca à medida que nos aproximávamos e tentaram nos cegar com dois flashes de lanternas.

— Argh!... droga... odeio quando fazem isso — Adel reclamou.

— Quem são vocês? — questionou a voz imperativa de um deles.

— Ah... viemos do Arquipélago do Nevoeiro — expliquei.

O outro policial reagiu com descaso:

— Tsc... era de se esperar.

Quando ele disse isso, logo pensei que tinha adivinhado a nossa identidade, mas me enganei.

— Mais gente se aventurando pra ver aqueles dois — o primeiro guarda disse com repreensão. — Não sabem que isso é muito arriscado?!

— Desculpe, mas do que os senhores estão falando? — indaguei.

— Desde que o Barqueiro Adel e seu amigo Irwin chegaram aqui  nesta província, surgem pessoas de todos os cantos pra vê-los, está um verdadeiro caos!

Olhei para Adel, que ainda esfregava os olhos por causa da luz, e ele também olhou para mim. Era quase possível enxergar um enorme ponto de interrogação sobre nossas cabeças.

— Você disse que Adel e Irwin chegaram nessa província?... —  ele perguntou aos caras.

— Sim, há mais ou menos uma semana... não sabiam?

— Impossível, eu sou Ad...hmpf! — ele não terminou de falar porque eu tapei sua boca a tempo.

— Ah, que incrível! — exclamei na mesma hora pra disfarçar. — Não sabíamos disso, mas parece que nossa viagem vai valer a pena... puts, já pensou se a gente conhecer eles dois?! Seria muito da hora, hehe.

Os policiais viraram o rosto e foram embora, dando um último aviso:

— Como quiserem... só tentem não contribuir com a anarquia que os outros fãs estão criando... e cuidado com onde forem largar esse barco velho.

— Por que não me deixou falar?! — Adel perguntou nervoso. — Não ouviu o que eles disseram?

— Ouvi muito bem. É óbvio que alguém tá usando nossos nomes sem ter pedido antes... se você desmentisse, só ia gerar tumulto gratuito.

Ele não estava convencido:

— Mas cara...

— Adel, isso até pode ser bom! Olha o tamanho dessa cidade e imagina se todos ficassem nos cercando como celebridades... ficar no anonimato é melhor, pelo menos por enquanto.

— É... tem razão... então, vamos deixar o barco em algum lugar por aqui mesmo.

Mas já imaginava que isso ia continuar incomodando ele. Tanto que, minutos depois, voltou a perguntar:

— Irwin, quem será que tá fingindo ser a gente?

— Seja quem for, deve estar levando a sério. Olha ali.

A alguns metros de onde ancoramos o barco, havia outro, e era uma réplica praticamente idêntica do nosso, mas dava pra ver que alguém o pintou de preto pra causar essa impressão.

— É bem parecido...

— Exceto por um detalhe — comentei.

Na parte da frente do nosso barco, tinha uma espécie de suporte redondo que no outro não existia. Nunca tinha reparado nisso antes, até porque normalmente era Adel que ocupava aquela parte enquanto viajávamos.

— Já tinha notado isso?

— Parece que dá pra encaixar alguma coisa aqui.

— Mais que isso — sussurrei, olhando de perto e percebendo arranhões na madeira do barco. — Acho que alguma coisa que ficava aqui foi arrancada à força...

— O que poderia ser?

— Como posso saber?... mas depois a gente vê isso.

Subimos as escadas para alcançar o nível principal da cidade. Isso só servia pra nos deixar ainda mais espantados.

A atmosfera não era muito boa; um ar quente e pesado, apesar da temperatura até que fria no oceano. Todos os edifícios, que em sua maioria eram verdadeiros arranha-céus, eram negros, porém, letreiros em neon cintilavam nas mais variadas cores. Havia carros, mas todos eram revestidos com umas parafernálias metálicas no capô ou nos farois, como carrinhos de brinquedo dum parque de diversões. Mas o mais surpreendente eram as pessoas... centenas de cidadãos vagavam pra lá e pra cá nas ruas, dando a impressão de que estas eram tão estreitas que mal sobrava espaço para mais alguém andar, quando na verdade eram bem amplas. Alguns vestiam-se de forma normal, outros eram mais extravagantes, com pinturas estranhas no rosto e penteados malucos. Também tinha mais daqueles guardas em cada esquina.

Mas, apesar do número exagerado de soldados, lei e ordem pareciam ser algo que há muito tempo não passava por ali. Pessoas se agrediam mutuamente por todos os cantos, quebrando vidraças, derrubando placas de estabelecimentos, assaltando outras pessoas, e muito mais. Um cara usando cartola vermelha, óculos com lentes de espirais e um terno azul reluzente desceu a rua por onde andávamos em alta velocidade numa bicicleta, com os braços abertos. Lá na frente, foi atropelado por um automóvel. Indignado, levantou-se com certa dificuldade e deu vários pontapés na carroceria do veículo, enquanto uma fileira de outros carros atrás não paravam de buzinar. Havia um guarda a uns cinco metros dali, mas nem se moveu.

— Que raio de lugar é esse?!

Eu não acreditava no que estava vendo. Adel, ao meu lado, não falava nada, mas observava tudo com interesse. Talvez estivesse estranhando a sensação de voltar a andar por aí como qualquer outro, sem ser reconhecido. Só saiu dessa distração quando fomos empurrados por uma senhora que aparentava ter uns setenta anos:

— Saiam da minha frente, ratos!

— Bizarro... — sussurrei.

— É... — ele concordou mas logo voltou a se calar.

Vagávamos sem rumo certo pelas ruas, sempre nos surpreendendo mais. Só quando nossa mente parou de se impressionar a cada segundo com o que via, descobrimos que estávamos morrendo de fome.

A certo ponto chegamos a uma praça cuja fonte jorrava uma água de aspecto questionável, onde também havia duas grandes estátuas lado a lado, segurando cetros. Uma nós reconhecemos: era a imperatriz Lucidia, amiga de Adel. A outra era de um homem de meia idade que não fazíamos ideia de quem poderia ser.

— Talvez seja o pai dela... — ele chutou.

— Ei, vocês! — bradou uma voz.

Nos viramos e vimos um garoto duns 14 anos no máximo se aproximando de bicicleta:

— São novos em Morphia? Parecem meio perdidos...

— Ah... sim — disse Adel.

Ele nos passou uma prancheta e pediu que assinássemos. Já tinha muitas assinaturas em diversas páginas. Depois, agradeceu e foi embora.

— Há um abrigo no hospital logo na outra quadra! — gritou quando já estava longe.

— ... Entendeu alguma coisa?

— ... Hm? — Adel tinha voltado a se distrair. — ... Nada...

— Aquele outro barco te deixou bolado mesmo, né?

— Não, só fiquei mesmo curioso.

— Vamos dar uma olhada no que o moleque chamou de "abrigo". Talvez a gente consiga alguma informação sobre esses nosso alter-egos...

Ele aceitou a ideia mas, antes mesmo de darmos o primeiro passo, ouvimos um som de explosão seguido por gritaria e tiros vindo da direção que o garoto havia indicado.

— Que foi isso?!

— Não sei — ele disse, voltando o olhar nervoso pra estátua momentaneamente. — ... mas algo me diz que não será bom pra nós...


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