O Filho dos Mares escrita por Lieh


Capítulo 7
Perdidos - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores! Eu sei, vocês querem me mandar para o Tártaro. Mandem e vocês ficam sem fanfic! haha. Espero que tenham passado bem o final de ano. Infelizmente, acontecimentos inesperados impediram de eu escrever e postar aqui este capítulo, antes do Ano-Novo como eu planejava. Eu bem que tentei postar antes, mas passei por um horrível bloqueio. Em fim, problemas pessoais superados, bloqueio contornado, capítulo pronto! Eu tenho um pedido, na verdade é um apelo, mas vou deixar para o final.
Apreciem!



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Se você acha que já viu de tudo, é melhor você repensar o seu conceito. Sério, eu não imaginava de forma alguma quando parti para aquela missão que eu iria enfrentar coisas que iam muito mais além da verdade.

Já é difícil aceitar no começo todas as coisas que nós acreditávamos serem apenas mitos, como reais.

Mas aquilo foi a gota d’água!

Como eu disse, é melhor você repensar no que você acredita.


Passamos mais dois dias naquela ilha que parecia deserta, comendo frutos e dormindo nas areias da praia. Eu tentava de todas as formas bolar um plano para fugirmos, talvez construindo uma jangada. O problema era que iríamos levar semanas, até mesmo meses para deixar uma jangada digna de navegar pronta, tempo que nós não tínhamos privilégio.

Então, passávamos o tempo explorando a ilha, que era bem maior do que eu imaginava. Eu pensava constantemente no que a minha mãe havia dito que havia alguém que poderia nos ajudar.

– Não sei não, Annabeth – Clarisse dizia – Essa ilha parece ser bem grande. Se tiver realmente algum morador vamos levar muito tempo para encontra-lo, seja lá quem for.

Mesmo dizendo que minha mãe não ia dar uma informação falsa, eu também já estava começando a duvidar.

Certa tarde, estávamos explorando a ilha novamente. Grover, animado do jeito que estava em conhecer mais a fundo a floresta acabou deixando a mim e Clarisse para trás.

O calor era sufocante. Mesmo com todas aquelas árvores altas, ainda era muito quente. Entramos numa trilha de folhas secas que seguia floresta adentro. Clarisse e eu ficamos em total silêncio. Essa é uma das regras quando você explora uma floresta selvagem: caminhe de boca fechada sem fazer barulho, do contrário você vai atrair companhias desagradáveis. Claro que não havíamos topado com nenhum bicho perigoso na nossa estadia, mas precaução nunca é demais.

Passamos por caminhos estreitos, árvores de grande porte, e a trilha continuava serpenteando. Provavelmente estávamos caminhando por quase uma hora.

Clarisse parou, logo atrás de mim. Eu também parei e me virei fitando-a.

– O que foi Clarisse?

Ela olhou em volta como se estivesse farejando algo. Eu a acompanhei tentando descobrir o que a fez parar subitamente.

– Hum... Nada – ela franziu a testa – Só acho que está tudo muito quieto por aqui.

De fato a floresta estava bem silenciosa. Os únicos sons eram de alguns insetos e pássaros ao longe.

Dei de ombros e continuei andando. Ela seguia atrás de mim. Eu percebi que ela olhava nervosamente a sua volta como se temesse que algo nos atacasse a qualquer momento.

Veio do nada.

Um barulho, na verdade um balido de lamentação ao longe nos assustou. Clarisse e eu paramos com os corações aos pulos. Minha garganta estava muito seca, meu rosto suava. Eu não estava conseguindo falar, no entanto eu reconheci aquele som.

– Grover! – exclamamos juntas.

Não perdemos tempo. Corremos em direção ao barulho, já ficando cada vez mais distante.

Eu corria sem parar, me arranhando e tropicando aqui e ali. Um barulho atrás de mim me avisou que Clarisse havia caído de cara no chão. Ela praguejou em grego, enquanto eu a ajudava se levantar.

Continuamos correndo, cada vez mais floresta adentro.

O caminho ficou mais largo, cada vez mais perigoso. O chão estava mais escorregadio e cheio de lama, demonstrando que não fazia muito tempo que havia chovido antes de chegarmos.

Sons distantes ficaram mais próximos, até que nos deparamos com um conjunto de folhas formando uma espécie de portal. Aproximamo-nos sorrateiramente, enquanto os sons se transformaram numa espécie de batidas descompassadas. Entre as folhas vimos vultos passando aqui e ali.

Eu estava nervosa demais para chegar mais perto e ver o que era aquilo. Clarisse percebeu a minha hesitação, tomando a frente e afastando as folhas. Eu fiquei um pouco escondida atrás de um tronco de árvore, esperando ela dar o sinal para prosseguirmos ou voltarmos. No entanto, ela ficou estática, de boca aberta.

Não aguentei o suspense e me aproximei para ver o que a deixou chocada.

Logo eu também fiquei chocada demais para falar.

Porque, há bem uns cinco metros há nossa frente, uma imensa clareia se abria bem no coração da floresta. Ao longe várias choupanas de palha e folhas de bananeiras. Uma mesa de madeira forrada também com palha se estendia próxima, cheia de frutas e outras coisas que poderiam ser especialidades culinárias da ilha, tendo um aspecto apetitoso.

Porém aqueles nativos eram assustadores.

Eram homens enormes, queimados pelo sol, com feias cicatrizes nas costas e nos braços, estes todos pintados de tinta branca e verde, em riscos e círculos regulares, juntamente com outros símbolos. Sorrisos podres iluminavam as faces, enquanto eles tocavam instrumentos de percussão. Estavam vestidos apenas com uma tanga para esconder as partes íntimas.

Todos eram incrivelmente fortes e assustadores. Até as mulheres - todas com os seios caídos de fora só para avisar-, também não ficavam atrás no aspecto feroz, porém somente elas e as crianças feiosas não possuíam cicatrizes ou pinturas.

Mas não foi isso, nem de longe que nos deixou horrorizadas.

Logo a frente um trono feito de madeira se estendia, em que o líder, com uma espécie de capacete de guerra, cheio de penas de ave, estava sentado em frente há uma enorme fogueira onde estava...

Onde estava...

Grover, amarrado como um bode – literalmente – amordaçado num tronco de árvore virado direto para o fogo esperando a hora do abatimento!

Canibais! Encontramos uma tribo de índios canibais sanguinários bem no meio do Caribe!

Algum deus definitivamente estava trabalhando contra nós!

Eu não sei por quanto tempo nós duas ficamos lá, estáticas, olhando os índios feiosos tocarem e cantarem em torno da fogueira. Só depois eu percebi que havia outras pessoas também amarradas numa jaula gigante, como uma reserva de comida extra. Eram homens de rostos imundos, vestes esfarrapadas e arcaicas. Um deles me chamou a atenção por possuir uma perna-de-pau.

Pois é, nem os piratas escapam do canibalismo.

Clarisse e eu nos escondemos nas ramagens, observando a cena. Ainda estávamos tentando nos recuperar no choque inicial. Aquela espécie de música continuava, acompanhada por uma letra esquisita. Os homens tocavam os instrumentos em volta da fogueira, enquanto as mulheres cantavam.

Com o coração aos pulos, tentávamos pensar num plano para salvar Grover.

– Nós temos que distraí-los!

– O quê? – gaguejou Clarisse

– Vamos ter que distraí-los Clarisse! É a única forma de salvarmos Grover!

– Como?! – era visível o pânico na sua voz, mesmo que ela tentasse disfarçar.

– Uma de nós os distrai, enquanto a outra liberta Grover.

Simples, perigoso e idiota. Mas, ei! Não tínhamos uma ideia melhor.

– Tudo bem – minha amiga respirou fundo em meio ao barulho daquela música bizarra – Eu distraio, você liberta Grover. Sem discussões.

Eu ia protestar, é claro. No entanto Clarisse estava determinada, e o olhar que ela me dirigiu não permitia contradição.

Eu estava me perguntando o que diabos ela iria fazer para chamar a atenção deles, quando eu ouvi um grito, instaurando um silêncio esquisito. Quando dei por mim Clarisse avançava com pedras na mão, gritando e saindo correndo, com um bando de nativos loucos atrás dela. Até o chefe da tribo saiu no encalço da minha amiga, o que eu considerei um golpe de sorte.

Coloquei o meu boné do Yankees e avancei cautelosamente. Não ia ser fácil se aproximar de Grover, porque um nativo ficou de guarda juntamente com uma mulher vigiando a floresta. Peguei algumas pedras e joguei em direção ao nativo, acertando-o nas costas. Ele se sobressaltou, olhando furiosamente para a índia. Ela balançava a cabeça nervosa, de olhos arregalados. O nativo disse alguma coisa de forma brusca para ela, vindo na minha direção. Joguei mais pedras na floresta atrás da mim, onde ele prosseguiu armado com a lança.

Continuei com a brincadeira com a índia, tacando pedras na direção dela, sem acertá-la. Ela ficou tão assustada que saiu correndo floresta adentro provavelmente para pedir reforços.

Eu já estava perto da fogueira, o suficiente para encarar Grover nos olhos. Sem o boné, eu tentei acalmá-lo. No entanto alguma coisa estava em cima de mim antes mesmo de eu levantar e tentar tirar Grover daquela situação. Era a mesma nativa que havia saído correndo, mas ela me viu antes de se afastar completamente e resolveu que tentar me matar era melhor.

O fogo ainda queimava, logo mais se alastraria, transformando o meu amigo sátiro em churrasco, enquanto eu estava presa numa dolorida chave de braço.

A índia se agarrava nas minhas costas tentando me derrubar, num aperto de morte. Num impulso, caímos as duas no chão, eu bem em cima dela, nós duas saindo rolando como bolas de neve em direção as choupanas.

O tronco de madeira que servia de apoio para uma choupana foi a minha salvação. A índia bateu a cabeça de forma estrondosa enquanto rolávamos pelo chão, fazendo-a desmaiar e desfrouxar o aperto nas minhas costelas.

Suja, com gravetos no cabelo, voltei para a fogueira e tentei empurrar o tronco de madeira que servia de espeto para Grover. O problema era que o peso dele junto com o da madeira era demais para a minha pouca força. Eu também não podia simplesmente cortar as amarras que o prendiam ao tronco, pois ele iria cair direto para as chamas.

Era evidente o pânico dele enquanto olhava paras as chamas se transformando em grandes labaredas, prestes a devorá-lo.

Eu estava tão agitada que tinha esquecido as imensas gaiolas, grandes o suficiente para caber um homem que estavam ali perto, com prisioneiros. Lembrei-me dele com o imenso barulho que faziam, balançando a estrutura.

Sussurrei para Grover se acalmar e não se mexer, e me aproximei das gaiolas com uma lança de caça que estava largada no chão. Os homens lá dentro estavam agitados, gritando todos os tipos de pragas, até no grego, e forçando as barras da gaiola, em vão. Um deles tinha uma perna- de- pau e um chapéu de feltro, que fazia mais barulho que os outros homens gritando.

Era um homem de rosto ossudo, mediano e já velho, com uma barba branca rala nas laterais do rosto e do queixo, possuindo olhos pequenos e apertados. A casaca que um dia foi azul estava quase negra, juntamente com as calças que um dia foram brancas.

Tentando sobrepor a minha voz a barulheira que eles faziam - que só aumentou com a minha aproximação - junto com alguns comentários bem obscenos também, gritei para o cara da perna-de-pau:

– Quem é você?

O perna-de-pau gritou para os companheiros calarem a boca.

– Para quê você quer saber? – a voz dele era arrastada, mas ao mesmo tempo intimidadora.

– Diga-me quem você é, do contrário não o tiro daí.

Gritos de protesto ecoaram dos prisioneiros, enquanto o perna-de-pau me encarava com desgosto, cogitando se realmente valia a pena dizer quem ele era. A gaiola tinha um cadeado na lateral, mas não precisei me preocupar em encontrar a chave, pois estava justamente pendurada nas vestes da índia que havia me atacado, ainda desacordada. Aproximei-me dela, arranquei a chave e voltei para perto dos prisioneiros, balançando-a na cara do perna-de-pau.

Ele bufou em desdém.

– Sou Long John Silver, e daí?

Tá, eu deveria dizer que eu tive uma epifania e que eu havia descoberto alguém que me levaria até o “Queen Anne’s Revenge” mais tarde. Mas não, eu só fui saber disso depois, porque eu continuava sem saber quem ele era. Brilhante eu sou né?

– O que você sabe sobre Barba Negra?

Eu não devia ter perguntando aquilo, porque Silver mostrou os dentes podres de raiva, juntamente com gritos dos prisioneiros.

Olhei nervosa para as chamas que já estavam alcançando a camiseta de Grover. Não ia dar para eu continuar tendo aquela conversa amistosa por muito tempo.

– O que tem aquele imbecil? – Silver interrogou em meio às pragas dos seus companheiros.

– Preciso que me leve a Tortuga para encontra-lo. A não ser que você saiba por onde ele navega, do contrário não vou libertá-lo. E também quero que seus homens libertem aquele garoto lá – apontei para Grover - Temos um acordo?

Houve alguns resmungos dos prisioneiros. Silver me fitou por alguns instantes antes de se virar para cochichar com um dos homens. Eles pareciam estar discutindo, falando de forma rápida e sibilada. Não dava para entender por causa da algazarra dos outros prisioneiros. Francamente, alguém precisa ensinar boas maneiras para aqueles caras.

Eu já estava à beira de um ataque pela demora, pois Grover ainda estava lá precisando de ajuda. Por fim, Silver se virou para mim, e num sorriso sinistro disse:

– Eu aceito o acordo, senhorita.

Alguma coisa me dizia que ter Silver como guia não ia dar em boa coisa. Ele estava cedendo de forma fácil demais para o meu gosto. Ou para um pirata.

Com a chave, abri o cadeado, libertando-os. Os homens praticamente quebraram a gaiola quando saíram, aos gritos e resmungos. Silver os ordenou que libertassem Grover.

Com a minha ajuda, mais dois grandalhões empurraram o tronco para frente, enquanto alguns homens de Silver tentavam conter as chamas. Por fim, num estrondo, Grover caiu do outro lado da fogueira. Ele gemeu de dor e protesto.

Num pedido de desculpas silencioso, cortei as amarras com a lança e tirei a mordaça da boca dele, ajudando- o a se levantar. Meu amigo baliu, olhando de forma nervosa para os piratas libertos, sussurrando:

– Annabeth, tem certeza que eles vão cumprir o acordo? Sabe, eu confio tanto neles quando naqueles índios horríveis assassinos de bodes.

– É bom mesmo que eles cumpram do contrário... – Parei enquanto eu observava Silver olhando para os cascos de Grover. Continuei: - Temos que ajudar Clarisse antes de partirmos. Eu tenho certeza que o navio de Silver deve estar por aqui em algum lugar ancorado...

– Ei garota – Silver dirigiu-se a mim – Vamos logo dar o fora antes que aqueles idiotas voltem.

De alguma forma eu estremeci com aquela afirmação dele. Eu nunca tinha me encontrado com um pirata antes, mas o máximo que eu esperava de um é a má educação. Ou no meu caso, o não cumprimento do acordo. Eu esperava que Silver e seus capangas, agora soltos, simplesmente fossem embora da ilha, sem se importar conosco. No entanto, ele parecia que ia cumprir com sua palavra, o que só me deixava mais nervosa.

– Minha amiga Clarisse precisa de ajuda. Caso vocês não tenham visto, ela se colocou na cara do perigo para salvar todos nós. Não partimos sem ela.

– Você não incluiu isso no acordo, garota – rosnou o perna-de-pau.

Trinquei os dentes de raiva.

– Você tem uma dívida comigo, Silver. Eu o libertei, então faça o que eu estou falando!

Os homens de Silver rosnaram para mim. Alguns serraram os punhos e se prostraram ao lado dele, arreganhando os dentes. O perna-de-pau por sua vez, franziu a testa tentando conter a raiva. No minuto seguinte a expressão dele suavizou-se de súbito, novamente num sorriso sinistro:

– Está bem. Meu navio está ancorado do outro lado da ilha. Boa parte da tripulação está esperando por nós para zarparmos. Vamos caminhando, talvez encontremos a garota no caminho.

Grover e eu nos entreolhamos. Nervosos, assentimos. A floresta estava muito quieta novamente. Só se ouvia o barulho dos insetos. Isso não era um bom sinal.

Os homens de Silver destruíram quase todas as choupanas, se empanturraram da comida que estava na mesa e apagaram a fogueira. Eu não via necessidade de fazerem aquilo, porém fiquei quieta.

Seguimos então para a trilha que continuava logo atrás das choupanas destruídas. Descemos por um caminho escorregadio devido à lama, complicando ainda mais pelo fato de eu estar amparado Grover.

Silver e seus homens andavam rápidos demais, nos deixando para trás. Logo a descida acabou o que foi um alívio, e já estávamos novamente numa trilha de folhas secas plana. Mas nenhum sinal de Clarisse e dos índios. Eu olhava pelos dois lados através das folhas, e vi de relance alguma coisa correndo pelo lado direito, na direção oposta por onde estávamos seguindo.

Saímos entre duas grandes árvores, e já estávamos na praia. Há bem alguns metros da costa onde as ondas se quebravam, estava ancorado um navio. Era uma carraca, identifiquei logo de cara por causa das gravuras dos livros que eu havia lido. Possuía um grande mastro central que sustentava a vela principal do navio. Logo acima do mastro ficava o alojamento do mestre da embarcação, responsável pelas velas. Acima do convés, na proa, tinha uma pequena superestrutura contendo uma vela de porte menor, assim como na popa. Tinha por volta de três metros de altura contando do mastro principal até o casco. Nele, em letras que davam a entender que foram queimadas no ferro e socadas na madeira, lia-se “Hatred Of The Sultan”.

Eu nunca tinha visto um navio pirata de perto. A sensação de ver um é ao mesmo tempo incrível e aterradora. Comparado a este navio, o “Karaboudjan” era um barquinho de brinquedo.

Do nada ouvimos um barulho na mata que se aproximava, vindo do contorno da ilha do lado direito. Silver e os tripulantes preparavam as cordas para se içarem até o navio. Eu olhava apreensiva me perguntando onde diabos Clarisse havia se metido quando a vi correndo na minha direção, contornando a ilha do lado direito para chegar até onde eu estava.

Minha sensação de alívio durou pouco, quando vi que atrás dela vinha um bando de índios gritando e empunhando as lanças. Ela gritava alguma coisa que eu não conseguia entender, enquanto eu e Grover corríamos juntamente com os homens de Silver até o navio. Tropeçando e com a água até os joelhos, conseguimos chegar até o “Hatred Of The Sultan”, mas Clarisse ainda estava muito distante de nós junto com seus perseguidores. Na corda, Grover se içou até o convés. Silver já havia subido juntamente com toda a tripulação.

Eu gritava para Clarisse se apressar, enquanto eu subia na corda. Graças aos deuses ela era forte e rápida, e seguiu na corda logo atrás de mim. Infelizmente um nativo também já estava se içando no nosso encalço.

Eu fui a primeira a chegar ao convés. Estendi a mão para Clarisse e a fiz subir até onde eu estava combinando nossas forças. O nativo também já estava quase chegando, quando com uma faca, ela acabou por cortar a corda. O homem despencou e caiu direto para água.

Segundos depois, o “Hatred Of The Sultan” se deslocava da costa da ilha caribenha, em direção ao mar. Os nativos seguiram o navio com água até o pescoço, mas logo viram que era uma causa perdida.

Logo o navio estava em alto mar, se afastando cada vez mais daquele paraíso infernal.


Dessa vez nosso cruzeiro foi bem mais, como eu posso dizer – relaxante – do que a viagem desconfortável no porão do “Karaboudjan”. Viajamos por volta de três dias. E nesses três dias nós três, circulamos livremente pelo navio, exceto a cabine do capitão onde somente as pessoas de confiança de Silver podiam entrar.

A viagem foi agradável porque eu tive um passatempo para não enlouquecer: eu observava a tripulação manipulando as roldanas, içando as velas, o timoneiro* guiando o leme*. Era divertido, e por muitas vezes eu ajudei. No entanto, os tripulantes eram todos arrogantes, burros e grosseiros, o que não me estimulava em nada a estreitar relações com alguns deles. Sem mencionar que os olhares que eles dirigiam a mim e a Clarisse era de dar nojo.

Estranhei não se assustarem com Grover – afinal não é todos os dias que se vê um garoto com cascos – mas eu concluí que a maioria deles já devem ter visto de tudo, então não se surpreenderam. Eu não sabia dizer se os tripulantes e o capitão perna-de-pau eram semideuses, porém eu tinha lá minhas suspeitas.

Silver também tomou chá de silêncio. Durante toda a viagem a única troca de palavras que eu e meus companheiros tivemos com ele só foi quando nós nos afastamos da ilha, em que ele apenas disse que o navio seguia para Tortuga, complementando que o curso era esse independente do acordo. Para mim, está tudo bem, eu disse a ele. Depois, não nos falamos mais. Ele passava boa parte do tempo na cabine ou às vezes comandando o leme pelo timão.

Uma coisa eu tenho de reclamar naquela viagem, ou melhor, das viagens em navios no geral: a comida e a acomodação.

Tá, nós éramos clandestinos por assim dizer, apenas pegando uma carona, e aquele não era um navio cinco estrelas.

A comida era um pesadelo. Eu não sei como eles sobreviviam comendo carne de porco estragada com rum. Só de olhar para essa refeição apetitosa me dava embrulhos no estômago. Na minha visita a cozinha, sem comentários. É melhor você não tomar ciência do cardápio culinário pirata, a não ser que você tenha estômago forte.

A sorte nossa era que tinha uns biscoitos comestíveis que o cozinheiro no navio – um senhor de idade bem magrinho, de cara amassada – nos cedeu, do contrário teríamos desmaiado de fome. Clarisse era a que mais reclamava pelo estômago vazio, enquanto Grover passava horas suspirando por latas, porque comer o vidro das garrafas de rum não ia dar.

Ah sim, o rum. Virei especialista no rum estilo encorpado na minha estada no navio de Silver. A bebida lembra a cachaça, típica do Brasil, sendo, no entanto de coloração escura próxima ao vinho. E de um gosto horrível. Eu só provei porque Clarisse gostou tanto da coisa e insistiu para eu experimentar. Grover passou longe quando cheirou o bocal da garrafa. Só foi um gole – com umas caretas – e chega de rum para mim. E para Clarisse também. Ela já é desequilibrada quando sã, imagine bêbada. Zeus que me livre!

Havia ainda o fato de dormimos em redes junto com aquela tripulação fedorenta, num balanço duplo combinado com o navio, embalados por alguns tripulantes que não dormiam. Alguns passavam a noite inteira cantado, bebendo ou jogando barulho e gritando apostas. Não preguei o olho as duas noites. Já Clarisse e Grover dormiam como bebês.

Aquele era o terceiro da viagem. Era um dia ensolarado e quente. As ondas se agitavam de forma suave no casco do navio. Silver saiu da cabine e foi comandar o leme. Ao longe, o mestre gritava a aproximação do estreito de Boca Del Drágon, que nos levaria a Tortuga.

No convés, nós três observávamos o navio atravessar um conjunto de ilhas – umas grandes, outras apenas ilhotas – quando por fim, numa manobra brusca, o “Hatred Of The Sultan” se aproximava cada vez mais de um pequeno porto, cercado por casas e ruas estreitas, feitas de pedra.

Silver chamou o imediato* num aceno de mão, sussurrando alguma coisa no ouvido do homem.

O imediato se aproximou de um brutamonte com feias cicatrizes no rosto, cinco vezes mais alto e mais forte do que eu, próximo de outros dois menos assustadores. Sussurrou também no ouvido do brutamonte e saiu.

A ação foi tão rápida que não deu nem tempo de eu, Clarisse ou Grover reagirmos. Rapidamente o Brutamonte me pegou junto com Clarisse pelo pescoço, uma em cada mão dele, enquanto Grover era arrastado pelos dois companheiros do feioso como se fosse um boneco de trapos.

Gritamos em protesto, esperneando. Eu sabia que aquela viagem estava tranqüila demais para o meu gosto e que eu não devia ter confiado naquele patife perna-de-pau! Porque eu não dei atenção a esse meu receio?

– Silver! – eu gritei sendo arrastada para a cabine dele logo abaixo da superestrutura da proa – Tínhamos um acordo! Que diabos é isso?!

Ele se limitou a sorrir, conduzindo o timão vagarosamente, aproximando-se do porto de Tortuga.

– Sim, mas você não me fez jurar pelo Rio Estige, fez? – ele gritou de volta – Então, eu a trouxe a Tortuga, no entanto você não mencionou nada sobre aportar. – Ele estendeu o braço direito em direção ao porto – Bem-Vinda! Aqui acaba o nosso acordo. Tenho negócios aqui, porém preciso de algumas informações que vocês devem saber.

Acenando com a cabeça para o Brutamonte, fomos levados para a cabine dele, a porta fechando-se num estrondo.

Numa cadeira, próxima a uma mesa cheia de papéis e manchas de tinta, Grover estava amarrado com as mãos atrás das costas e nos pés. Clarisse e eu logo também fomos presas as outras duas cadeiras, em meio a pragas e protestos. O Brutamonte era muito forte, não tendo como nem tentar lutar. Ele nos esmagaria em segundos. Pelo menos não fomos amordaçados.

Feito o serviço podre, os três saíram, batendo a porta e trancando-a.

– Ótimo! O que mais nos falta acontecer? Primeiro eu quase viro churrasco, agora estamos novamente presos! – reclamou Grover.

– Porque você não o fez jurar pelo Rio Estige, Annabeth? – Clarisse soltou uns palavrões bem feios e resmungou. Por minha vez, fiquei quieta para conter a raiva. Novamente por minha culpa e minhas idéias brilhantes estávamos enrascados. A única coisa que me desviava desses pensamentos desagradáveis era o que Silver queria conosco.

Passado alguns minutos, o navio oscilou. O barulho da âncora sendo jogada ao mar fez tremer a mesa a nossa frente e quase caímos da cadeira. Por fim o navio estava completamente imóvel. Da porta, ouvimos a tripulação se deslocando, abaixando as velas e desembarcando.

A porta da cabine se abriu bruscamente, combinada com o toc-toc da perna-de-pau de Silver. O patife entrou, mexeu em alguns papéis em cima da mesa sem olhar para nós.

Depois, sentou-se calmamente numa confortável poltrona no fundo da cabine que não era muito grande. Não vi de onde ele tirou a garrafa de rum, só ouvi o barulho da rolha sendo retirada e ele tomando um imenso gole.

Ele nos fitou sorrindo como se fosse um avô afetuoso observando os netos aflitos por terem feito travessuras. Até aquele momento eu nunca tinha percebido como ele era velho, mesmo tendo apenas fios brancos na pouca cabeleira negra. O rosto era enrugado e esticado como borracha, que deixava os olhos pequeninos e apertados como um oriental. Naquele já conhecido sorriso, de poucos dentes, ele indagou:

–Então, onde está o Filho de Poseidon?

A pergunta nos pegou de surpresa. Clarisse e Grover olharam para mim aflitos. Pensando rapidamente, eu sabia que Silver e Barba Negra não se davam bem, isso só de perceber quando eu perguntei sobre o capitão do “Queen Anne’s Revenge” na ilha dos canibais. No entanto, eu não parei para refletir que havíamos nos entregado numa bandeja de prata para Silver, pois era bem óbvio que estávamos atrás de Percy Jackson. Além do mais, eu o estranhei não saber sobre o seqüestro comandado por Barba Negra.

Então, resolvi desmentir qualquer ligação que eu tivesse com o garoto, mesmo sabendo que Silver não ia se deixar enganar tão facilmente. O que me intrigava era o que ele queria com Percy Jackson.

– Não sabemos de quem você está falando, capitão – disse eu desdenhosa tentando ao máximo me fazer de desentendida.

– Ora não tentem me enrolar! – ele abanou a mão impaciente – Vocês são daquele tal de Acampamento Meio – Sangue, não são? Não adianta negarem!

Ele bebeu novamente da garrafa olhando-nos com raiva.

– Sim, e daí seu velho idiota? – resmungou Clarisse.

Olhei para minha amiga pedindo para ela calar a boca.

– Então vocês devem saber algo a respeito sobre o Tesouro de Flint também.

Silver se levantou circundando a mesa perto de nós.

– Já que vocês não querem cooperar, vou lhes dar um tempo para pensar. – continuou ele - Quando eu voltar eu quero minhas respostas, do contrário vocês três vão andar na prancha e alimentar o tubarões!

Ele bateu na mesa, saindo mancando e fechando a porta. Ouvimos o soar da perna-de-pau até ele desembarcar, nos deixando sozinhos, amarrados numa cadeira, sem um plano e prestes a virar comida de tubarão.

*N/A: Timoneiro: Piloto do navio. Governa o timão e dá direção ao leme.

Leme: Equipamento instalado na popa da embarcação para determinar a direção.

Imediato: Na ausência do capitão, ele é quem dá as ordens.



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Notas finais do capítulo

Então, o que eu estou procurando com urgência é um beta-reader. Por mais que eu revise o capítulo, eu sempre deixo alguns erros passarem, além de que é sempre bom ter a opinião de uma segunda pessoa sobre a história no geral. Se alguém aí se interessar pode entrar em contato comigo por mensagem.
Espero que tenha curtido! Até o próximo capítulo!
Você leu? Então deixe um comentário e faça a Annabeth e o Percy felizes! (Se não a Clarisse vai ter dar um banho!)



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