O Filho dos Mares escrita por Lieh


Capítulo 4
Nadando


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, um pouquinho atrasado...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/171994/chapter/4


Não vou dizer que os olhares de cumprimento dos meus amigos de acampamento estavam resolvendo o problema do meu estômago que dava milhares de voltas, ou das minhas mãos suadas. Também não vou dizer que eu estava confiante com a minha decisão e que pensamentos como “Tudo vai dar certo”, ou “Eles vão te apoiar” estavam preenchendo minha mente.

Nem um pouquinho de nada disso. Minha cabeça estava vazia como uma bexiga que foi estourada ficando só a borracha murcha. É nessas horas que eu percebo o quão covarde eu sou, ou então questiono a minha sanidade mental.

Estávamos todos reunidos ainda no pavilhão do refeitório, naquele momento apenas ocupado pelos representantes de cada chalé. Formando um círculo meio irregular, sentados nos bancos de pedra, a minha esquerda estava Silena Beauregard do chalé de Afrodite. Mesmo nunca admitindo isso em voz alta, minha colega tem uma beleza de dar inveja: cabelos escuros ondulados, rosto angelical cheio de covinhas, alta e de olhos negros. Definitivamente a rainha da beleza.

Do lado de Silena estava Charles Beckendorf líder do chalé de Hefesto, que faria qualquer monstro correr gritando pela mamãe de tal intimidador que ele é. Afroamericano, alto, corpulento e de uma força absurda de tanto trabalhar nas forjas. Quando olhei para ele, era um dos únicos que não pareciam ansiosos com a chegada de Quíron para começar a reunião, como era o meu caso e dos outros companheiros, porque Charles estava muito distraído com os cabelos de Silena. Abafei um riso pela cara de bobo dele, que ficava mais cômica por ele ser carinhosamente um grandalhão.

Na minha frente estava Katie Gardner do chalé de Deméter que também parecia muito tranqüila, brincando com seus anéis. Ela não era tão exageradamente bonita como as filhas de Afrodite, mas tinha uma beleza natural, mais próxima da minha realidade: cabelos castanhos claros repicados até a nuca, estatura mediana, magra e bronzeada. Olhar para ela por alguns minutos me deixou até com um pouco de inveja, porque eu queria ter o autocontrole e a tranqüilidade que Katie consegue passar em situações tensas.

Ao lado de Katie, olhando para algum ponto fixo distante, estava Luke. Evitei olhar para ele, pois assim, eu não me lembraria da nossa conversa estranha que estava guardada bem lá no fundo dos meus pensamentos ainda me assombrando... Teria tempo para enfrentá-los depois.

Quase na extremidade direita do círculo estava Michael Yew, líder do chalé de Apolo, sendo ele muito parecido com meu irmão Malcom na altura. O rostinho de fuinha estava franzino, porque o coitado do Michael chegou um pouco tarde para jantar, logo ele não teve tempo de comer decentemente. Abafei outro riso pela expressão dele.

A última componente do círculo era Clarisse, filha de Ares, que de uns anos para cá, mesmo que ainda todos no acampamento estranhem, virou uma amiga. Clarisse era quase tão alta quanto Charles, possuindo grande força, isso só de perceber na largura dos braços branquelos, sendo tão intimidadora quanto, ainda mais pelo rosto de expressão feroz e feições duras, quase masculinas. O cabelo era mais curto que o de Katie, entretanto não eram muito bem cuidados, porque ficavam sempre amarrados num rabo de cavalo mal feito. Naquele momento Clarisse estava tão impaciente quanto eu, pelos braços cruzados e os pés batendo no chão.

Minha amizade com Clarisse é uma daquelas coisas inexplicáveis. Até hoje eu ainda não compreendo como duas pessoas tão diferentes conseguiram desenvolver uma amizade. Ela chegou alguns anos antes de mim, sendo uma das campistas mais antigas do acampamento, além de uma das mais velhas. Quando eu cheguei, logo nos meus primeiros dias fui surpreendida por ela que veio me dar às “boas-vindas” ao acampamento nos meus sete anos de idade...

Cansada, suja, precisando de um longo banho, andei pelo acampamento procurando Luke para saber onde ficava o chalé de Hermes para onde eu seria mandada por enquanto. O acampamento era enorme, o sol estava a pino, empapando minhas roupas já imundas de suor, e eu já estava quase entrando em desespero e pronta para abrir um belo berreiro, para ver se alguém me dava atenção, quando ouvi passos em minha direção.

Eu estava próxima a um lago bem bonito, com vários barquinhos flutuando. A água parecia estar bem deliciosa, me dando uma vontade de nadar. Será que teria peixinhos? Ou o Monstro do Lago Ness? Sempre quis conhecer o Monstro do Lago Ness, por causa de um filme bem legal que eu tinha assistido... Foi aí que eu funguei porque eu me lembrei da minha casa. Lembrei do meu pai que não gostava de mim e que me achava uma aberração, e da minha madrasta que sempre me culpava por tudo.

Não percebi por estar tão distraída (como sempre!) que os passos ficaram mais próximos. Olhando como eu estava para o chão, vi dois pés parados na minha frente. Olhei para cima e dei de cara com a menina mais feia que eu já vi. Era bem mais velha do que eu, só pelo tamanho dava para saber, e a cara feiosa estava arreganhada num sorriso sinistro.

– Olá, piolho – ela disse para mim – Está perdida? Quer ajuda? Ou um refresco, hein?

Minha cara foi do medo a confusão em segundos. Ela estava querendo me ajudar? E ainda por cima me dar um refresco? Uau que garota legal, eu bem que queria uma Coca-Cola!

– Estou sim, e aceito sua ajuda.

Ela deu mais um daquele sorriso sinistro, o que me deixou um pouquinho desconfiada.

Minha desconfiança foi para certeza de que ela não ia me ajudar quando a feiosa me levantou do chão pelo pescoço como se eu fosse uma daquelas bonecas de pano que eu tinha visto numa loja de coisas velhas. Gritei de raiva e medo, pois ela estava me levando para o lago bonito.

– Aqui está o refresco, nanica!

Com isso a Grandalhona Feiosa me jogou no lago com toda a força.

A água estava muito refrescante, mas eu não sabia nadar, então afundei me debatendo inutilmente. Eu estava engolindo muita água. Eu não tinha forças nas pernas o suficiente para subir de volta, mesmo o lago não sendo fundo como eu pensei e nem havendo um sinal do Monstro do Lago Ness. Pensar nele só piorou as coisas. Ele era um cetáceo, mais conhecido como cavalo d’água, que eu sempre imaginei estar em todos os lugares com água o suficiente. E na situação ruim que eu estava como eu ia dizer para o Monstro que eu era uma boa menina e não ia machucá-lo?

Fiquei histérica. Eu engolia mais água a cada um segundo, que também entrava no meu nariz e ouvidos. Ia morrer.

Quando eu achava que eu partir dessa para melhor (ou pior), senti uma mão grande me puxando pelos cabelos, me fazendo soltar grandes bolhas pelo meu grito subaquático de dor. Dei por mim e já estava na superfície, respirando e engasgando, sentada na margem do lago.

A Grandalhona Feiosa foi quem me puxou. Ainda sim não fiquei agradecida. Por culpa dela eu ia morrer afogada ou virar comida do Monstro do Lago Ness, por não conseguir me comunicar com ele por linguagem de sinais!

Tossi e cuspi, voltando a tossir e engasgar, expulsando a água que eu tinha engolido. A Grandalhona Feiosa me olhava de forma divertida, mas percebi que era falso, porque ela respirava de forma engraçada e parecia tremer.

Olhei raivosa para ela, colocando-me de pé rapidamente. Eu não sei como eu consegui fazer aquilo, só sei que eu dei um belo chute na barriga da Grandalhona que foi pega de surpresa, caindo para trás direto no lago.

Ha! Toma essa feiosa!

Nem foi tão divertido porque ela sabia nadar ao contrário de mim, então ela logo saiu da água.

A cara da Grandalhona teria feito qualquer outra pessoa sair correndo, no entanto eu estava tomada de grande coragem vinda de não sei da onde. Eu era bem pequena e mais magra, o que me daria vantagem numa corrida ou na hora de se esconder. Ela não tinha cara de quem usava com freqüência o cérebro.

Ela ficou bastante irritada, cuspindo água na minha cara (eca!):

– Piolho irritante! É assim que você me agradece por ter salvado sua vida?!

– Salvou minha vida coisa nenhuma! – gritei de volta – Eu quase morri afogada por sua culpa!

– Eu tenho culpa de você não saber nadar?!

Minha cara deve ter demonstrado que ela havia me pegado, porque ela deu um sorrisinho satisfeito.

Eu realmente não sabia nadar. Queria muito ter aprendido ou alguém que tivesse me ensinado. Se eu soubesse nadar eu não precisaria ficar devendo um favor a Grandalhona Feiosa.

– Vamos fazer o seguinte – disse a ela – Você vai me ensinar a nadar.

– Por que eu faria isso, nanica? – ela arqueou uma sobrancelha torcendo a blusa molhada nas mãos.

– Porque teoricamente falando você nunca teria descoberto que eu não sabia nadar se você não me tivesse jogado na água, enquanto eu nunca teria vontade de aprender a nadar como eu tenho agora. Você quase me matou, mas acabou me tirando da água, ainda sim eu joguei você também no lago, o que se confirma que você está parecendo uma porca que rolou demais na lama. E pelo que vejo da sua personalidade você não é tipo de pessoa que gostaria de ser conhecida no acampamento por um apelido desses, não é?

Tudo isso eu falei rápido o suficiente para não dar tempo de ela me cortar ou querer torcer meu pescoço por tê-la chamado de porca imunda que rolou na lama.

Ela me fitou com uma expressão confusa.

– Garota, a única coisa que eu entendi desse monte de lorota que você falou, é que você fala demais. Qual é o seu nome?

– Annabeth Chase, indeterminada. E você seria...?

– Não é da sua conta – ela me respondeu carinhosamente.

– Mas como é que eu vou chamar você? Uma aluna precisa conhecer sua professora...

– Quê?! – A Grandalhona fez uma expressão muito engraçada.

– A minha professora de natação é claro - respondi simplesmente como se ela fosse uma débil mental – A não ser que você queira que todo mundo saiba que eu lhe dei um belo banho!

Ela arreganhou os dentes para mim, torcendo a blusa com mais força do que o habitual.

– Você nem vai ser louca de contar isso por aí, piolho, se não eu faço picadinho de você!

– Então me ensine a nadar que eu farei questão de armazenar esse nosso encontro na minha mente de forma alterada, sem você tomando um banho.

Ela suspirou de raiva o que eu interpretei como uma concordância.

Grandalhona Feiosa 1 X Annabeth 2!

– Está bem! – ela resmungou me fazendo abrir o maior sorriso – Eu te ensino a nadar pingo de gente, mas vou logo avisando: não vou ter pena de você!

– Ah não se preocupe comigo, eu sei muito bem me cuidar! – minha voz que deveria ter saído calma, acabou ficando um pouco debochada.

A menina começou a tomar o caminho por onde ela tinha vindo resmungando coisas sobre fazer uma empada de Annabeth.

Acabei me lembrando de que eu não sabia o nome da minha professora de natação.

– Ei! – gritei e ela se virou – Você não me disse seu nome!

–Clarisse, filha de Ares! – ela gritou de volta ainda com a voz demonstrando irritação, porém seu rosto ficou por um instante maligno – Espero que isso lhe sirva de aviso, piolho.

E ela continuou caminhando para longe de mim.

Mesmo sabendo que ela era uma filha de Ares vingativa e que faria picadinho de mim numa luta, eu com certeza era bem mais esperta do que ela, por isso não fiquei com medo, pelo contrário: eu havia conseguido, além de uma aula de natação, possivelmente uma amiga no futuro.


Dessa vez eu não consegui segurar minha risada com aquela memória. Todos olharam para mim pensando que eu tinha enlouquecido de vez. Não me importei. Aquela com certeza eram uma das melhores lembranças que eu tinha, sem excluir as aulas de natação que eu tive depois, em que Clarisse mais me fazia afogar do que nadar de fato, mas acabei aprendendo no fim das contas.

E desde aquele dia que a filha de Ares se tornou praticamente a minha melhor amiga.

Voltei à realidade mesmo que a contragosto com a chegada de Quíron e Grover, logo atrás dele. Novamente fui tomada pela sensação de nervosismo.

Com toda a atenção no centauro, Quíron narrou novamente a história que Grover havia me contado, incluindo a decisão do Conselho. Com a narrativa terminada, um silêncio tenso se instaurou.

– Bom... Acho que teremos uma missão, não é Quíron?

– De fato, Srta. Gardner – respondeu ele – Grover não pode ir sozinho, então a missão está oferecida.

Percebi que aquele momento era a minha deixa. Respirei fundo e soltei:

– Eu aceito.

Todos os presentes me encaram. Os únicos que pareciam contentes eram Quíron e Grover, que estava bem aliviado. Os outros eram difícil entender suas expressões.

Katie me fitava com uma sombra de dúvida, Clarisse me analisava cogitando se eu estava bem de saúde, Silena parecia preocupada, Michael estava confuso, Charles demonstrava desconfiança... E Luke...

Raiva.

Raiva, só podia ser essa a interpretação da expressão dele. A testa franzina, o maxilar duro e os olhos apertados já eram comuns para mim quando eu o via com raiva de alguma coisa. Infelizmente ele só podia estar com raiva de mim.

Meu estômago estava tão cheio de borboletas que a qualquer momento eu ia colocar todo o meu jantar para fora.

Quíron pigarreou chamando a atenção.

– Então, alguém discorda da disposição de Annabeth em assumir a missão?

– Annabeth você só pode estar louca! – rugiu Luke em minha direção.

– Por quê? – discordei – Qual é o problema em eu assumir a missão?

– Err... Annabeth – intrometeu-se Silena – Eu não sei se você se lembra, mas sua mãe, Atena, e Poseidon não são os melhores amigos do mundo...

– Bom, se você está disposta a virar bolha do mar... – comentou Michael.

– Então, a Princesa já quer sair do castelo tão cedo? – mencionou irônica Clarisse.

– Isso é uma surpresa – emendou Katie.

– Eu não entendo vocês! Eu estou esperando uma missão há anos, e quando surge ninguém concorda!

A verdade é que eu já estava com raiva de todo aquele drama. Caramba, eu já estava decidida e ninguém ia me fazer voltar atrás! A sorte era que o Senhor D não quis estar presente na reunião, do contrário ele não ia pestanejar em não me deixar assumir a missão.

Cruzei os braços bufando de frustração.

– Acalmem-se todos – instruiu Quíron – E em minha opinião sincera, eu também não compreendo todo esse alvoroço. Em se tratando da rixa entre Atena e Poseidon eu compartilho da opinião que o problema entre esses dois deuses se restringe somente a eles. Seus filhos não são obrigados a se meter ou tomar partido. Se só for essa a discordância entre vocês, acho que já temos uma liderança, não é?

Olhei em agradecimento para Quíron. Ele sorriu e piscou para mim. Nunca em todos os anos que eu viver eu vou ser capaz de dizer a ele o quanto eu sou grata.

Meus companheiros de acampamento pareciam todos mais relaxados. Todos menos Luke.

Ele continuava a me dirigir aquela expressão raivosa, o que sinceramente me deixou com medo.

Eu não entendi o porquê daquela raiva. Eu pensei que Luke iria ficar feliz por mim, que ele iria me apoiar! Mas vejo que eu havia me enganado...

– Uma coisa eu não compreendo em relação a esse seqüestro – comecei expulsando a sensação ruim do olhar de Luke – É óbvio que esse garoto deve ser muito poderoso, ou como Quíron suspeita ser filho do Deus do Mar, porém o que será que esse tal de Barba Negra quer com ele?

– Sei lá, coisa boa não deve ser! Se esse Percy Jackson for mesmo filho de Poseidon provavelmente vão fazer dele um prisioneiro para usar os poderes dele, é óbvio – Pela primeira vez eu via Clarisse fazendo um comentário tão inteligente. É a convivência comigo, claro...

– Faz sentido, Clarisse – concordou Quíron – Eu também havia cogitado essa possibilidade... Porém eu não acho que seja só isso. Outra coisa que me incomoda é como Barba Negra descobriu sobre o Percy, inclusive quando ele ia chegar ao acampamento, pegando-nos de surpresa.

– Alguém informou a ele – respondeu Michael

– Um espião, só pode ser. Alguém muito próximo de Percy deve ter mantido Barba Negra informado – completou Charles.

Os olhares se voltaram para Grover, mesmo que involuntariamente.

– Epa! Nem olhe para mim! Eu não seria capaz de fazer isso!

– Claro que não Grover – acalmou Silena – Eu não acho que seja alguém próximo do Percy, talvez seja alguém do acampamento...

Eu não sei se foi sábio Silena ter comentado aquilo, visto que todos voltaram a ficar tensos novamente, inclusive eu.

– Ok, temos um espião entre nós. – concluiu Katie.

Se as coisas já não estavam boas, agora ficaram péssimas. Um espião no acampamento? Mantendo piratas sanguinários informados? Alguma coisa não fazia sentido.

Eu tinha a sensação nada boa de que havia bem mais naquela história do que se podia cogitar. Por mais que eu analisasse não sabia dizer o que era.

– Não vamos nos prender a esse detalhe no momento – Quíron encerrou a discussão – A missão será dada a Annabeth, todos concordam?

Olhei ansiosa para os meus companheiros. Eles pareciam concordar, exceto Luke que continuava calado, dessa vez fitando o chão.

– Sr. Castellan?

Ele levantou a cabeça olhando diretamente para mim. Temi o que encontraria na sua expressão. Não era um olhar de raiva, aquele era um olhar de apelo. Um apelo silencioso para eu não fazer o que eu estava prestes a fazer.

– Eu não concordo.

Suspirei tristemente. A aprovação de Luke me deixaria mais segura, mais certa do que eu iria fazer. Não ter ele me apoiando me fazia por um instante pensar que eu estava sendo realmente tola em assumir aquela missão. Logo eu expulsei aqueles pensamentos.

– Bem... A maioria votou a favor, então minha querida – Quíron voltou-se para mim – Está na hora de você visitar o Oráculo.


Meu andar de volta ao pavilhão do refeitório era lento devido as minhas pernas bambas. As palavras do Oráculo ainda estavam penetradas na minha mente como navalhas. Meu coração estava tão disparado que poderia ser escutado há milhas de distância, enquanto a minha respiração era descompassada.

Quando adentrei o campo de visão de todos, os olhares dirigiam-se a mim, ansiosos. Já era noite alta, e só os grilos cantavam alegres na floresta, e ao longe algumas corujas se juntavam a eles.

Estava cansada, tanto fisicamente como mentalmente. Eu não queria estar ali, eu queria estar na minha confortável cama dormindo num sono profundo. Era a única maneira de não pensar nas palavras do Oráculo.

– Recebi a missão – disse simplesmente.

Meus colegas sorriram para mim felizes. Tentei sorrir também, mas saiu apenas uma careta.

– As palavras do Oráculo, querida – Quíron disse para mim – Elas são importantes.

Engoli em seco. Ouvir já era bem ruim, agora repetir tornava tudo pior.

Tu navegarás pelos mares infinitos... – comecei

– Isso é lógico! – exclamou Clarisse

O navio amaldiçoado será reerguido...

– O navio amaldiçoado reerguido? Será que é o navio do Barba Negra?

– Não sabemos Srta. Beauregard, continue Annabeth – encerrou Quíron.

Aquele que tem o poder do mar... - parei tentando acalmar meus nervos – Seus dias irão encerrar.

– Isso não parece ser boa coisa – falou Michael

O filho dos mares tu encontrarás...

– Até que em fim algo de bom! – exclamou Grover – Isso significa que nós vamos encontrar o Percy, de um jeito ou de outro.

– Mais alguma coisa querida? A profecia não parece completa...

Olhei tensa para Quíron. Aquele último verso seria meu pesadelo eterno, não queria relembrá-lo, por isso menti:

– Nada, é só isso.

Óbvio que nem todos pareciam convencidos, até mesmo Luke. Quíron me fitou franzino a testa.

– Tudo bem então. Já temos um campista e um sátiro em missão, precisamos de mais um para completar três. Alguém se candidata?

– Eu vou.

Olhei pasma para o dono daquela voz, não só eu, mas todos os presentes. Eu não podia acreditar que depois de não ter concordado, Luke iria se candidatar a ser o segundo campista.

Lá no fundo eu fiquei feliz por pelo menos ele querer me acompanhar, porém alguma coisa dentro de mim dizia que não era certo...

Não, Annabeth. Ele não.

Assustei-me com aquele pensamento Definitivamente não era nenhum dos meus eu que falava comigo. Eu conhecia aquela voz.

Era minha mãe.

Minha mãe, Deusa da Sabedoria, me aconselhava a não escolher Luke. Por quê?

Se havia uma coisa que eu faria sem hesitar era seguir os conselhos de minha mãe. Eu desde sempre os escutei, desde o dia que eu fugi de casa com um bando de monstros no meu encalço. Minha mãe sempre me ajudou e me guiou nos meus momentos difíceis, de dúvida e de dificuldades.

Por isso, mesmo que não compreendendo as razões dela em me aconselhar a não escolher Luke para a missão, segui o conselho de minha mãe mesmo assim.

O problema seria como eu ia dizer isso a ele.

Não precisei passar por uma situação embaraçosa, porque graças aos deuses, Clarisse se ofereceu:

– Não, garoto, deixa que eu vá. Annie é inexperiente com missões, e você Luke é muito bonzinho com ela quando a Princesa faz algo de errado. Eu não. Ela vai ganhar experiência nem que para isso eu lhe dê uma boa surra.

Todos riram do comentário carinhoso de Clarisse. É claro que ela não está falando sério... Eu acho... Eu espero...

– Além do mais – continuou ela – Barba Negra, mesmo eu não gostando disso... Bom, ele é meu meio irmão...

Realmente ninguém havia percebido isso. Clarisse meia irmã de Barba Negra... Talvez fosse de alguma utilidade.

– Clarisse, eu vou! – Luke olhou com aquela sua expressão raivosa para minha amiga.

– Sinceramente moleque, eu não entendo porque você quer ir! –rebateu a filha de Ares.

– Já chega! Quem deve decidir é Annabeth – disse Quíron.

Os presentes me fitaram esperando a minha decisão. Oh, deuses! Que dia fatídico!

– Sinto muito Luke – disse eu suavemente – Mas talvez Clarisse seja mais apita para essa missão.

– Então é isso! Eu não sou bom o suficiente para te acompanhar, Annabeth? – disse ele exasperado.

Eu tentei ficar calma para não gritar com ele. Luke só estava complicando as coisas para mim.

– Não é isso, você sabe muito bem... – respondi controlando a voz – Porém eu sinto que Clarisse deve estar nessa missão, e ponto final.

Talvez eu fui um pouco grossa com ele, mas ainda sim eu estava no meu direito. Essa missão é de quem a afinal?

Quíron pigarreou. Eu não tinha percebido que eu e Luke estávamos fazendo uma cena, enquanto nossos colegas assistiam de boca aberta.

– Então está tudo em ordem – começou ele – Annabeth, Grover e Clarisse. Vocês partem amanhã depois do café. A reunião está encerrada. Todos direto para os seus respectivos chalés.

Os campistas se levantaram arrastando bancos e fazendo barulho, e por um momento não parecia que estávamos discutindo. Levantei-me rapidamente querendo fugir para o meu chalé para não ser obrigada a conversar com Luke. Ao contrário do que eu pensava, ele não veio até mim, o que confesso me deixou chateada. Quem se aproximou foi Grover e Clarisse.

– Ei, Annie – Clarisse me chamou – Hã... Valeu por ter me escolhido. Eu já estava ficando entediada de só ficar treinando...

– Por nada, Grandalhona. E acredite eu conheço a sensação.

– Eu só não entendi o porquê de Luke ter agido tão estranho...

Engoli em seco. Eu não queria pensar nas razões de Luke seja ela qual for.

– Eu realmente não sei Clarisse. Falando sério, não quero descobrir...

– Bom, acho melhor irmos descansar. Eu preciso preparar as latas extras para a viagem – comentou Grover – Vejo vocês amanhã.

Despedimo-nos e cada um se dirigiu para o chalé, no caso de Grover, ele foi para a floresta.

Enquanto eu caminhava para o chalé de Atena só ouvi Clarisse gritando para mim:

– Não se atrase Princesa! Se não eu vou te afogar no lago com você dormindo!

Eu ri da ameaça. Se bem que eu deveria levar a sério em se tratando dela. Porém graças a Clarisse, agora eu sabia nadar, então não haveria problema de afogamento, ou até mesmo com o Monstro do Lago Ness.

É legal ter amigos bacanas para te apoiar nessas horas. Grover e Clarisse prometiam ser uma boa companhia apesar de tudo.

No fundo eu sabia que Luke deveria ter sido incluso nessa questão de amizade. Mas o comportamento dele estava me assustando. Eu continuava chateada com a atitude mesquinha que ele teve com Clarisse. Mas eu não queria pensar nisso. Não mesmo.

Tomei um demorado banho, vesti meu pijama e cai na cama, dormindo profundamente. Amanhã ia ser um dia tão cheio quanto foi hoje e eu precisava estar descansada e preparada.

Afinal eu iria aprender como é estar em missão, que pode ser tão perigoso ou emocionante quanto aprender a nadar. Eu só não esperava que todos os monstros fossem bonzinhos como o Monstro do Lago Ness.





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu havia assistido o filme "Meu Monstro de Estimação" e não resisti em mencionar o "bichinho" na fic =D
Comentem!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Filho dos Mares" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.