Trunfo escrita por Liliaceae


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Maya e Yuki são personagens meus e não apresentam nenhuma relação com pessoas reais.



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Trunfo

 

Murmurei seu nome para a escuridão. Só então me dei conta: estava novamente sentada naquele parque. Jogada no mesmo banco em que você me disse as três palavras que mudaram minha vida.

 

- Eu te amo – sua voz soou firme em meus ouvidos.

 

Meu coração, já cansado de sofrer, acreditou nas doces palavras que há tanto eu desejava ouvir sair de teus lábios finos. Lábios que sempre estiveram em meus pensamentos. Lábios que me tiravam o sono. Lábios que me impediam de seguir em frente.

 

Seria tão fácil se, naquela tarde do final de janeiro – uma tarde um tanto quanto quente, é verdade –, você não tivesse me dito nada. Talvez se naquela tarde você apenas tivesse me olhado como sempre fazia, tivesse sorrido e apenas me olhado com os mesmos olhos amigos que demonstrava ao meu lado – tirando da minha cabeça qualquer esperança de sentir seus carinhos. Talvez.

 

Mas você fez diferente. Disse as três palavras que não deveria ter dito. Deu asas aos meus sonhos. Acalentou minha alma com seu perfume. Ah... O perfume que minou minha razão quando me tomou em seus braços pela primeira vez. O perfume que paira no aconchego do nosso apartamento, me impedindo de ficar lá mais do que algumas horas – horas que são como facas rasgando minha carne e fazendo-me sangrar. Você não está ao meu lado. Nunca mais vou poder esconder-me no seu abraço. Não tenho mais o doce prazer de sentir seu corpo aconchegado no meu, sua respiração tranqüila, seu coração batendo calidamente enquanto dormia perdido em meu corpo.

 

As lágrimas que tenho segurado nos últimos meses vêem a tona. Trêmula, fico a observar a noite que teima em ser mais fria sem sua presença. Maldita hora em que deixei aquele hospital. Malditos sejam os deuses por calarem sua existência de uma maneira tão abrupta.

 

Ainda lembro do dia em que te vi chegar em casa e, me abraçando por trás, quase me fez cortar o dedo com a faca que usava para picar os legumes do nosso jantar.

 

- Que é isso? Tá querendo que eu perca um dedo ou a mão inteira?! – repreendi seu ato, rindo. Um sorriso que sumiu quando me virei e fitei seu semblante abatido.

 

- Maya... Precisamos conversar... – você me olhou sério. Você nunca tinha me olhado daquela maneira.

 

- Yuki? O que houve? – toquei seu rosto com as pontas de meus dedos. Seus olhos se fecharam. Mas eu pude vê-los marejados – Que está acontecendo?

 

A hora que se seguiu, acabou com todos os meus sonhos e planos. Tudo o que sua boca insistia em me contar, meu cérebro se negava a acreditar. Não podia acreditar.

 

- L-Leucemia? – a voz que, apesar de ser minha, soava estranha, repetiu a sentença – Mas... Isso tem cura, não tem? Quer dizer... A gente vive vendo casos de pessoas que receberam doações de medula e acabaram curadas... Não precisamos nos desesperar... Você tem chances de melhorar...

 

- Não... O médico disse que está num estado avançado... Um transplante a essa altura acabaria apressando o fim...

 

Naquele instante tudo se fez claro. Você não era do tipo de pessoa que ficava doente. Mas, nos últimos seis meses, passara a ter gripes fortes, dores de cabeça, enjôos. Mas, sempre que eu dizia que devia procurar um médico, se fazia de desentendido, dizia que já tinha melhorado, que não havia motivo para tanta preocupação. Esse seu medo bobo de hospitais.

 

- Quanto tempo? – indaguei, segurando as lágrimas.

 

- Com sorte... Talvez uns dois ou três meses... – suspirou, afundando a cabeça nas mãos que costumavam me deixar eufórica e calma durante nossos momentos. É... Os intermináveis momentos entre as paredes do nosso quarto.

 

- Deve haver um jeito... Não pode ser verdade... Não... Não... – eu repetia, implorando para que você sorrisse e me disse-se que tudo era apenas uma brincadeira.

 

- Queria que fosse...

 

Nada mais fez sentido depois daquilo. Minha vida terminou ali. Chorei no seu ombro e você no meu. Por que o destino tinha que ser tão injusto? Que pecado taciturno havíamos cometido para merecer essa dor?

 

Incompreensível. Tudo se resume nessa única palavra. Incompreensível a maneira como dentro de menos cinco semanas, vi sua vida acabar em meio a doses de remédios que não surtiam efeito, médicos tentando me conformar e seu sorriso me pedindo para continuar.

 

Sim. Você queria me ver seguir em frente. Queria me ouvir dizer que não me importava tanto assim com tudo. Eu devia me conformar e continuar sem sua companhia. Pedia-me tudo isso, com um sorriso cansado. Mas eu não te abandonei. Fiquei ao teu lado até o último instante. O último olhar. A última lágrima. E além.

 

Acompanhei tua carne. O que restou do homem que amei. Joguei tuas cinzas ao mar como desejou. Observei elas misturarem-se às ondas e ao vento. E depois? Depois... Aqui estou... Remoendo o passado... No local onde tudo começou...

 

- Yuki... – uma chuva leve começa a cair. Sempre chovia quando brigávamos. Será que onde você está agora, pode me ver aqui? Pode ver as lágrimas que derramo na noite em que completo um ano sem ti?

 

Levanto meus olhos, sentindo as gotículas derramadas pelo céu tocarem minha face. Seria esse um carinho seu? Gosto de imaginar que sim. Gosto de pensar que está por perto. Que ainda vai se aproximar, sentar ao meu lado e, sussurrando, pedir para que eu desperte desse pesadelo.

 

É tolice, eu sei. Mas ainda espero. Espero revivendo cada instante da pouca vida que dividimos. Espero, sim. Pois sei que mais cedo, ou mais tarde, estarei de novo contigo.

 

Meia-noite. Um último desejo em meio à chuva que aumenta.

 

- Volte pra mim... Volte pra mim Yuki... – sei que não vai. Impossível. Mortos não voltam à vida.

 

Caminho lentamente para nosso lar. Hoje, ele é apenas um túmulo. Um túmulo habitado pela sombra daquela que amou até as últimas conseqüências. Aquela que agora tem que aprender a viver sem sonhos ou esperanças. Aquela que caminhará pelas sombras até o fim de seus dias. Aquela que perdeu tudo numa das inúmeras mesas armadas pelo desconhecido, num dos eternos jogos daquilo que nós humanos chamamos de vida.

 

Um jogo intenso e surpreendente, um vício que insistimos em manter mesmo sabendo que nunca vamos ganhar. Um jogo sem volta. Um doce jogo chamado viver. Cujo único real objetivo é fazer do tempo que nos é dado, um tempo que seja lembrado por aqueles que virão jogar depois de nós. Lembrança essa que só alcançamos através do pequeno trunfo que nos é dado. E você sabe que trunfo é esse. Compartilhou-o comigo.

 

- Amor... – desabafo para a rua deserta e fria. Com a imagem do seu sorriso gravada em minha alma. Para o resto da eternidade.

 

___________ooo______________

 

Para Y

 


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Notas finais do capítulo

Galera, sei que não ficou bom... Dramático demais... T.T... Peço desculpas por postar algo tão inútil quanto isso... Mas, acho que em meio a minha crise produtiva, esses acessos de drama ou loucura (já nem sei como classificá-los... ¬¬’) tragam algo de bom... Nem que seja um monte de insultos e pedidos para que eu pare de escrever bobagens... Pelo menos assim vou saber se vocês já estão cheios, ou não, das minhas crises... XD



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