Tokyo, Japão 1:35 PM

 Estava tão ansiosa, eu finalmente eu iria mudar minha vida. Neste ano, iria mudar a impressão que tinham sobre mim, de ser uma “Zé ninguém” sem importância para a sociedade. Faria amigos, mas como eles iriam me entender? Quando pensei nisso, fiquei imaginando, como poderia resolver, talvez, com sinais ou mímica eu consiguiria. Será que me achariam estranha? Bom, não tem importância, estava louca para sair, comprar minhas coisas novas!

 - Humm! – Gemi cutucando meu pai para irmos logo.

 - Ta filha, já vamos sair. – Falou com um sorriso no rosto. – Só me deixe pegar a chave do carro.

 Concordei com a cabeça.

 Entrávamos no carro, ele era azul céu com alguns símbolos em azul-marinho escuro, mais especificamente, o nome da marca.

 Mal saía de casa, normalmente minha rotina era: Casa – Escola – Casa. Aquilo quase me enlouquecia. Como não tinha amigos, nunca era convidada para nada, nem para festas de aniversário. Lembro de uma vez, onde as duas turmas da 6º Série foram convidadas para festa de uma menina, a qual não lembro o nome dela agora, bem mimada, convidou todos, ela se achava o máximo, só tinha deixado uma menina de fora: Eu. Isso me abalou, sabendo que eu nem existia para os outros, nem para os professores direito, eles sempre esqueciam minha prova, perguntavam sempre se era aluna nova, ou qualquer outra coisa que me excluísse da sala. Era meio difícil não me reconhecer, entre uma sala de pessoas de cabelos castanhos, pretos e loiro, eu era a única a ter um cabeço azul e roxo, como eles podiam me esquecer?

 Depois desse tempo pensando, comecei a prestar atenção na janela do carro. Observava as pessoas falando umas com as outras, comprando, rindo, pareciam tão felizes. Nesse momento senti minha visão turvar, eu estava chorando naquele momento.

 - Filha? Aconteceu alguma coisa? – Perguntou meu pai preocupado.

 Balancei a cabeça, insinuando que não tinha acontecido nada.

 - Tudo bem, vamos continuar. Estamos quase chegando. – Falou meu pai aliviado.

 - Hai! – Fiz um esforço danado para conseguir dizer.

 - Bom, chegamos! – Falou entusiasmado.

Tokyo, Japão (Centro) 2:00 PM

 A loja aonde nós iríamos se chamava Koko ni Seifuku, uma loja de uniformes, bem movimentada, até demais pela época, para o meio do semestre estava muito cheia.

 Uma moça foi nos atender. Ela era pálida, tinha cabelos azul-esverdeados e aparentava ser bem nova.

 - Ohayou! Em que poderia ajudá-los? – Dizia com todo o seu entusiasmo. – Em menina, o que você quer?

 Senti minha visão turvar de novo, pelo simples motivo de não poder responder. Eu corei e escondi meu rosto atrás do meu pai.

 - Estamos atrás de uniformes. Por favor.  – Falava meu pai contente, mas já tinha visto que eu fiquei triste quando a moça perguntou.

 - Qual o nome da escola? – Perguntava a moça.

 - Mitsue Secundary!

 A moça foi buscar os uniformes disponíveis, como a maioria das escolas deveria ser uma saia de prega, com uma blusa de marinheiro.

 Olhava em volta, parece que muita gente estava mudando de escola, será que é pelo mesmo motivo que eu? Ou por uma simples “frescura”? Não sei e nem quero descobrir. A moça já estava voltando com o meu uniforme.

 - É este aqui. Logo ali tem um provador caso queira experimentar.

 Fui timidamente até o provador. Não estava acostumada com lugares públicos. Tirei a roupa da caixinha, e como esperado, era uma saia com uma blusa de “marinheiro”. Servia certinho. Enquanto guardava a roupa ouvia uma conversa entre duas funcionárias.

 - Você viu a menina que entrou no provador e como ela reagiu? – Falava com uma voz de preconceito.

 - Vi sim, ela parece ser estranha. Deve ter alguma deficiência mental ou algo do tipo.

 - Existem pessoas ignorantes nesse mundo e temos que agüentá-las, fazer o que...

 Quando ouvi a palavra ignorante atribuída a mim, me deu vontade de dar um grito. Ignorante? Eu? Mas por quê? Só porque tenho um problema que acaba com minha vida? Minha vontade era de socar e quebrar aquele provador. Sorte que não era a moça que me atendeu, ela parecia ser tão gentil.

  Segurei a raiva em minha mente e guardei o uniforme na caixinha, me arrumei e sai do provador. Fui correndo atrás do meu pai, fazendo um sinal de sim com minha cabeça.

 - Acho que vamos levar esse.

 - Tudo bem, vou levá-los ao caixa para acertarmos as contas. – Falou com toda a bondade e sorriso que poderia ter. – Vamos lá, por favor.

Tokyo, Japão (Centro) 3:30 PM

 A fila estava tão grande, que ficamos quase uma hora esperando para sermos atendidas pelo caixa, ainda mais, que a máquina estava quebrada, era tudo manualmente.

 Fomos para o carro e estávamos felizes, afinal, finalmente tínhamos terminado de ser atendidos e com todo o respeito, a moça até pediu desculpas pela demora do atendimento.

 - Filha, aquela loja é muito boa não acha?

 Concordei com a cabeça. Agora só faltava comprar o material, o meu da antiga escola estava acabado.

 - Em que loja você quer ir? – Perguntou carinhosamente.

 - Hum... A-alhi! – Falei tudo embaralhado, mas deu para entender. Estava apontando com o dedo a primeira loja de materiais que vi.

Meu pai estacionou o carro o mais perto possível, não queríamos andar muito. Eu concordava com ele, vai ver eu tinha um ataque no meio da rua? Pensei rindo.

 - Essa aqui mesmo? Podemos andar mais um pouco para ver outras. – Falou meu pai olhando os preços, quase espantado.

 Eu já estava entrando na loja, ele não tinha outra opção a não ser me seguir.

 Estava encantada com os produtos, mal prestava atenção no meu pai. Olhava para um estojo, maravilhada, ele era lindo, parecia ter sido feito para mim. Ele era azul marinho, roxo e azul com detalhes de diamantes desenhados. Apontei com o dedo, sem mais nem menos, sem conferir o preço, aquilo tinha que ser meu.

 - Mas filha é muito caro.

 Não queria nem saber, até ele comprar eu não sairia daquela loja.

 - Tá, tá. Eu compro esse estojo.

 Abracei-o com toda a vontade, e para completar, tinha uma série de cadernos, lápis, borrachas e apontadores daquela marca, tinha até mochila. Olhei para meu pai com uma cara de “cachorro caído na rua”, quase implorando para que ele comprasse.

 - Tá, eu levo também.

 Sentia-me realizada naquele dia, parecia que meu mundo tinha se acertado, estava quase tudo perfeito. Uma nova escola, um material dos sonhos, só faltava eu encontrar amigos.

Tokyo, Japão 5:00 PM

Voltavamos para casa felizes, bem, acho que meu pai nem tanto, gastou quase metade do salário por causa da nova escola. Ele me olhava com uma cara de “Você me faliu menina”.

 Até chegarmos em casa o carro tinha ficado em silêncio, eu só apreciava a paisagem que se passava na janela.

Tokyo, Japão 6:05 PM

 Chegamos em casa, já esperando uma bronca da minha mãe, porque quem demora uma tarde inteira para comprar um simples material?

 - Bem... Onde que os dois malucos estavam? – Falou minha mãe tentando dar bronca, pois ela estava segurando o riso.

 - Bom... O Caixa da loja de uniformes estava quebrado, e tinha uma fila imensa. E na loja de materiais, Lapis não parava de me incomodar para comprar o material caro dela. – Falou meu pai com um jeito sem graça.

 - Já era esperado. – Falou rindo – Bom, sentem-se o lanche já está posto.

 Depois do lanche, poderei ir para meu quarto imaginar como será minha nova vida. Estava tão ansiosa!

Continua ~