Je Ne Regrette Rien escrita por seethehalo


Capítulo 1
Eu não lamento nada.


Notas iniciais do capítulo

Escrevi essa oneshot todinha com a mão esquerda (sou destra).
Então talvez um outro alter-ego da minha pessoa tenha aqui se manifestado.
~
Enjoy :D



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Não há arrependimentos

Porque é amor, e o ódio

Está sempre um passo à frente

Do que restou

Pega na traição, nós fracassamos

Eu não lamento nada

JE NE REGRETTE RIEN – CINEMA BIZARRE

     Heidi Zimmermann mantinha com Bill uma amizade de longa data. E guardava também um desejo secreto pelo irmão dele. Tom lhe parecia inalcançável: era um conquistador. Não havia uma garota, ou atualmente, uma mulher, que ele quisesse e não conseguisse. Porém nem todas que o queriam o tinham, e era nesse grupo que ela sempre se encontrara.

     Já faziam alguns anos que não os via, e contatá-los foi a primeira coisa que fez ao se declarar definitivamente estabelecida em Hamburgo, cidade onde eles moravam desde que não os via. Marcou com Bill de ir até a casa dele. Bill ficou feliz em vê-la... Tom ficou alterado.

     E não é que aquela amiguinha do Bill tinha mudado bastante, pensou o gêmeo mais velho.

     Ela percebeu o súbito interesse dele e fingiu ignorar no começo. Chegavam a sair os três juntos para festas. Até que ela deixou de fingir desinteresse, mas também não dava brecha.

     Bill sabia, de algum modo, da paixonite de Heidi por seu irmão; e também percebia que Tom estava querendo alguma coisa com ela. Conhecia a ambos, mas preferiu se manter de fora quanto à relação dos dois, seja lá o que rolasse entre eles.

     Pois não deu outra: coisa de um mês se passou até que começassem a se pegar. Heidi passava os dias radiante quando acordava ao lado de Tom. Estava feliz, seus desejos secretos se acendiam e se realizavam com ele.

     - Eu não quero que isso acabe nunca, Bill – confessou certa vez.

     - Olha – disse ele -, não quero estragar a sua felicidade; mas em contrapartida, me sinto na obrigação de te alertar quanto a isso. Você sabe como é o Tom. Ele é meu irmão, você é minha amiga... Só não vá com muita sede ao pote.

     - Relaxa, Bill; sei o que estou fazendo. As coisas vão mudar um pouco, você vai ver.

     - Você não devia confiar tanto no Tom, mas já que você quer assim...

     O conselho foi ignorado. E, naquela mesma noite, ela voltou a deitar-se com Tom.

     Na verdade, o gêmeo mais velho, neste momento, ali tendo aquela relação, percebeu que também sentia algo por ela, que não era restrito ao desejo físico. Ele então, por não estar habituado a isso, se desesperou.

     Na manhã seguinte, ao acordar, ele se vestiu e saiu – de mansinho, sem que ninguém (e muito menos ela) percebesse. Sumiu, e rezava para que não a encontrasse quando resolvesse voltar pra casa.

     Heidi, quando despertou, sentiu imediatamente a falta de Tom ao seu lado. Procurou-o pelo quarto, depois pela casa, não o encontrou. Bill também não sabia do irmão. Bom, esperaria, uma hora o gêmeo teria de voltar.

     Passou-se um dia. Dois. Uma semana. Duas. Um mês e nada de notícias de Tom. Bill devia saber, mas não gostava de perguntá-lo sobre o irmão. Não queria ser grudenta, mas a aflição foi maior e ela acabou ligando. Mas Tom nunca a atendia.

     Já faziam quase dois meses desde a última vez que dormira com ele quando, numa de suas incansáveis tentativas, ele atendeu.

     - Tom! Até que enfim você me atendeu!

     - Hein? Quem é? – disse ele.

     - Heidi!

     - Ah. Tá. O que foi? Algum problema com o Bill?

     - Como com o Bill? Não, ele está ótimo. O problema é com nós dois.

     - Nós dois...?

     - Tom! Nós dormimos juntos. Saíamos juntos. Tive com você as melhores noites da minha vida!

     - É? Legal. Mas e daí?

     - Como “e daí”? Eu pensei que você sentisse algo...

     - Sinto muito te desapontar então. O que rolou entre a gente foi atração... tesão, só isso.

     - Mas...

     - Se era só isso, eu tenho que desligar. Tô ocupado.

     - Tá... ok – os olhos dela lacrimejaram.

     - A gente se vê.

     A frieza de Tom deixou o coração de Heidi em frangalhos. Lutou consigo mesma tentando não se deixar abater, mas foi inútil. Todos os seus desejos mais secretos haviam se realizado com ele, e agora escorriam bueiro abaixo. Isso já tinha acontecido antes, mas nunca doera tanto. Como é que ela não se cansava de ter o coração partido?

     Por fim, deixou-se sofrer. Ficou recolhida e isolada no começo, e depois de alguns dias resolveu sair do casulo. Comportava-se como se nada tivesse acontecido, mas ainda gritava silenciosamente. Afastou-se até mesmo de Bill, que era seu amigo, porque ele soava como eco e reflexo do irmão.

     Seis meses desde a fatídica ligação que a deixou no chão. Algumas coisas haviam mudado. Heidi não se permitia mais chorar por ele e negava-se a lembrar as noites que passara com ele. Quem era ele?

     Saía com as amigas da faculdade, se divertia, bebia. As amigas diziam que, quando Heidi bebia, ela falava coisas sobre um tal de Tom, sobre o qual ela nunca mencionava nada.

     Porém foi numa noite que ela saiu sozinha, e estava bem sóbria, que ele voltou a assombrá-la. Estavam no mesmo lugar, a poucos metros de distância um do outro. Ela o viu; ele não. Heidi estava sozinha na sua e Tom fazia o que sabia de melhor. A cena de Tom beijando uma das garotas que estavam em volta dele, tão ardentemente quanto fizera consigo outrora, não pôde ser absorvida sem que aquela enxurrada de sentimentos ruins voltasse a carregá-la como papel de bala na rua que é levado pela chuva.

     Então Heidi se pôs a beber. Bebeu até não se lembrar mais de quem era. Lembrava-se apenas de Tom e do quanto no fundo... não, também não se lembrava do que é que restava lá no fundo. O que, óh céus, tinha feito ela para merecer tamanho castigo?, ela se perguntava, cambaleando chorosa pela rua, sem destino.

     Bill também voltava de uma festa quando a avistou, na rua de sua casa. O que fazia ela ali?

     - Heidi! – chamou, apertando o passo para encontrá-la – O que faz aqui a essa hora?

     - Bill! – ela disse apenas, deixando-se cair nos braços dele.

     - Tá bêbada?... O que aconteceu com você?!

     - Bill... por que... Por que você deixa... que ele faça isso...? Tom...?

     - Tom... Eu devia ter adivinhado – o gêmeo mais novo disse a si mesmo. – Vem aqui, vamos entrar.

     Ele a pôs para dentro de casa e a levou para a cozinha. Abriu uma lata de pêssegos em calda e colocou três metades no liquidificador, batendo com uma lata de leite condensado. Encheu um copo com a vitamina e deu para Heidi beber.

     - Ai que troço doce – reclamou ela.

     - Doce, mas você vai tomar tudinho. É pra tirar esse álcool do seu sangue.

     Heidi reclamou, mas bebeu tudo. Bill não gostava quando o irmão passava a noite fora de casa, mas no momento rezava para que Tom não desse as caras naquela noite.

     Ela levou cerca de uma hora para voltar a ficar sóbria e conseguir conversar. Contou a Bill o que acontecera. Ele ouviu atentamente, pensando no que dizer que não fosse “eu te avisei”, mas não encontrou um conselho à altura. Acabou simplesmente mandando-a ir dormir, e não insistiu na negação quando ela pediu para dormir na cama de Tom.

     - Quero ver o que eu vou fazer se o Tom vier pra casa... – resmungou o gêmeo mais novo enquanto se despia para dormir.

     Tom não chegou de madrugada. Eram quase dez da manhã quando ele começou a esmurrar a porta do quarto de Bill.

     - Para com isso, Tom. Quer derrubar a porta?

     - Se você não saísse era bem capaz! O que a Heidi tá fazendo na minha cama?!

     - Puta merda, eu a esqueci completamente!

     - O que diabos ela tá fazendo aqui?!

     - Olha, Tom... Entra aí no meu quarto e não saia. Eu te conto o que aconteceu quando voltar.

     Bill fechou o irmão em seu quarto e foi bater na porta ao lado. Na verdade entrou de supetão e foi direto tentar acordá-la.

     - Heidi! Heidi, acorda. Você tem que ir embora. – sacudiu-a. – Heidi!

     - Hmm, Tom? – ela balbuciou.

     - Que Tom o quê. Sou eu, Bill.

     - O que você tá fazendo no quarto do seu irmão?

     - Te tirando daqui. Já está tarde, Heidi; e er... eu tenho que sair.

     - Ah... Ok. Devo estar te atrapalhando. – disse ela levantando-se da cama e estendendo o lençol.

     - Você sabe bem como fazer isso.

     Os dois riram lembrando de quando se conheceram.

     - Olha, Bill... Obrigada por me deixar dormir aqui e cuidar de mim.

     - De nada.

     - Não vai cobrar os cinco euros?

     - Opa, se você tiver aí, pode passar... Ah, Heidi, sua desmiolada.

     - Bom, agora eu vou embora, que você deve estar com pressa.

     - É. Nem vou te oferecer nada pra comer, e... – ele a levou até a porta.

     - O que é isso... Eu como alguma coisa na rua.

     - Mas é pra comer mesmo, entendeu?

     - Ok. Tchau, Bill.

     - Até mais.

     Heidi foi embora e Bill foi tirar o irmão de seu quarto.

     - Pronto, ela já foi, Tom. Eu não acredito que fiz isso.

     - Não acredita que fez o quê?

     - Primeiro, que eu a deixei dormir na sua cama, e agora que tive praticamente que enxotá-la daqui. Por que é que você só faz besteira?

     - E o que é que EU tenho a ver com o resto agora?!

     - Vamos pra cozinha comer alguma coisa que eu te explico onde você entra nisso. Eu tô morrendo de fome.

     Bill transmitiu ao irmão a história que Heidi lhe contara.

     - Simplesmente aconteceu de novo. Ela se decepcionou com alguém de quem gostava; nesse caso, você. Eu avisei pra ela andar com o pé no freio, mas quem disse que ela escuta...

     - E que culpa tenho eu nisso, Bill? Ela também sabia como eu sou, isso você não pode dizer o contrário.

     - É. Mas você também sabia como ela é. Bolas, o fato é que eu a conheço há anos e nunca a vi daquele jeito. Eu a encontrei aqui na rua de casa mais bêbada que não-sei-o-quê.

     - Tá, Bill, ok que ela é sua amiga de infância, mas para de tentar me convencer de que se ela surtou eu tive culpa no cartório. Eu vou dormir um pouco.

     Tom saiu da cozinha com pinta de atordoado. Bill continuou comendo e nem notou.

     O gêmeo mais velho entrou no quarto e viu sua cama arrumada. Com certeza não fora Bill, até parece que o irmão faria esse tipo de coisa. De qualquer forma, ele caiu na cama e dormiu um sono neutro, sem sonhos nem pesadelos.

     Ao acordar, fez a seguinte reflexão: se não fora Bill quem arrumou sua cama, só pode ter sido Heidi. E daí, pensou.

     Bill, na semana seguinte, recebeu uma ligação de Heidi. Ela avisava que estava de partida para Leipzig e que ficaria lá por um tempo.

     - Vou trancar a faculdade, e quando voltar eu continuo.

     - Mas por que você tá indo embora? Quanto tempo vai ficar em Leipzig?

     - Eu não sei, Bill. Preciso esfriar a cabeça e o jeito é esse. Mas eu te ligo quando voltar.

     - Mas liga mesmo. E mande notícias.

     - Ok. Mas não se preocupe comigo.

     - Vou tentar. Boa viagem. Beijo.

     - Outro. Obrigada.

     Um ano e meio se passou.

     Bill e Tom batiam perna pela cidade quando o gêmeo mais novo avistou alguém familiar comprando sorvete num quiosque de uma praça. Parou e ficou observando, esperando que ela se virasse. Quando ela o fez, Bill confirmou sua suspeita e foi andando em sua direção, chamando:

     - Heidi!

     Ela ouviu seu nome e sorriu ao ver quem o pronunciava.

     - Bill! – abraçaram-se.

     - Há quanto tempo está na cidade? – perguntou enquanto via o irmão se aproximar.

     - Tem alguns meses. Sete meses.

     - Por que não me ligou, como eu te pedi, criatura?!

     - Eu não estava certa se já tinha esfriado a cabeça – ela respondeu olhando de canto para Tom. – Na verdade foram meus pais que me mandaram voltar. Oi, Tom.

     - Oi, Heidi.

     Silêncio. O minuto que se passou fora longo. De repente Heidi fora chamada de novo e fez um gesto para que a moça que a acompanhava se aproximasse.

     - Por que saiu do quiosque de sorvete? Eu fiquei te procurando.

     - Foi mal, amor. É que o Bill me achou e eu vim conversar com ele. Este é o Bill, meu amigo quase de infância. E esse é o Tom... irmão gêmeo dele.

     - Gêmeo?!

     - É. Bill, Tom... Esta é Tatiana... minha namorada.

     - Prazer – responderam os gêmeos ao mesmo tempo, conseguindo esconder a surpresa.

     - Igualmente. Heidi, vamos lá senão a gente se atrasa.

     - Ah, é mesmo. Tchau, Bill. A gente se vê. Tchau, Tom.

     As duas saíram correndinho e eles puderam desocultar as expressões.

     - É... estou surpreso. – disse Bill vendo-a se afastar. E você?

     - Era pra eu ter uma opinião? – Tom fez tom de descaso.

     - Ah, qual é, Tom. Olha pra você. – viraram-se e puseram-se a andar na direção oposta à que elas foram – A Heidi tá ainda mais bonita que um não atrás.

     - E o quê que tem a ver?

     - Tem a ver que qualquer idiota saca que você ficou meio mexido com ela. Aliás, você é assim desde aquele episódio em que ela se embebedou por sua causa.

     Tom fez cara de reticências e bufou.

     - Você acha que eu não percebo?

     - Tá bom, Bill, tá bom.

     - E então, como você se sente em relação a isso?

     - Surpreso... Desconcertado.

     - Compreensível.

     - E você... também compreende o fatídico porquê de ela ter trocado de time?

     - O que exatamente você quer pinçar nessa informação? – Bill estreitou o olhar.

     - Só quero saber... Sim, eu fiquei mexido com ela, e aquela história me fez pensar muito... Se você sabe realmente tudo o que aconteceu entre nós, fique sabendo também que eu afastei ela por medo de me aproximar demais. Eu não gosto de me envolver demais com as pessoas.

     - Não gosta de se envolver... – Bill disse num suspiro – Então tá.

     - Qual foi, Bill...

     - Qual foi o quê? Já saquei, Tomi. Olha... Então eu te conto o que tu quer tanto saber. É o seguinte: você foi idiota afastando-a do jeito que o fez, para o lado de ambos. Ela gostava de você fazia tempo e você a magoou da pior forma possível. Não foi a primeira vez que alguém partiu o coração dela. Acho que você só serviu de sésamo pra ela chegar ao seu limite, e ela resolveu dar um basta nisso.

     - Como assim? Eu estava quase pronto a...

     - Você vai ter que engolir. Ela te trocou por outra.

     Dali a duas semanas, Tom e Heidi voltaram a se encontrar – por acaso, desta vez pela manhã, numa padaria.

     Ele tentou falar-lhe, mas conseguiu dela pouco mais que alguns monossílabos e que aceitasse o seu pedido de desculpas – mas não quis saber de conversa.

     - Escuta, Tom. Me deixa em paz. Vai fazer o que você sabe de melhor. Eu cansei de tudo e cansei de você. – pausa. – Mas como, de qualquer forma, você pode se considerar desculpado, fica frio. Caso eu mude de ideia, você não vai ser a primeira pessoa que eu vou procurar, mas também não será a última.

     Dizendo isso, ela deu meia volta e foi embora.


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Notas finais do capítulo

Um detalhe: essa receita de vitamina pêssego em calda com leite condensado é realmente recomendada pra curar alguém de bebedeira. Contra álcool deve se usar glicose, não cafeína. Foi meu professor de química que falou. HUAHUAHUAHUA
O bangs dos cinco euros... se liga quando você faz um favor pra uma pessoa, ela agradece e você fala "dez reais"? Bem isso. OIDHOAISHDOIAHD
Informação random: sabiam que Leipzig está virando uma cidade-fantasma? Pois é. As pessoas estão saindo de lá e os demógrafos temem que em algum tempo a cidade fique deserta. Triste :~
Enfim, meu lado direito do cérebro merece reviews? :}