Olhos cor de mar... sem a poluição, claro!

         - Eu tenho algo pra fazer, Len. – disse a loira, repentinamente, na hora do intervalo. – Depois falo com você.

         Antes que o irmão pudesse impedi-la, saiu correndo para dentro da escola, deixando-o observar sua silhueta enquanto corria. Viu alguns garotos virarem-se para olhá-la, mas não se incomodou realmente com isso, estava acostumando-se a ter uma irmã que atraia olhares. Mesmo que lhe incomodasse, não podia se irritar toda vez que acontecia. Então, voltou-se para seu lanche, soltando um longo suspiro.

         Ao menos, achava que Rin poderia ter lhe dito aonde iria, depois do imenso interrogatório que fizera na noite anterior, antes de deixar que fosse comprar o material com Miku.

         A loira, porém, nem sequer pensava na possibilidade de ter incomodado Len com sua repentina saída. Apenas andava, apressada, pelos corredores da escola, indo em direção a sala de informática. Não estava tão certa assim do que fazia, mas precisa tentar. Era uma pessoa decidida, forte, não deixaria que uma coisa tão comum a fizesse hesitar. Passara toda uma noite dizendo isso a si mesma, e não seria agora, depois de deixar-se desabafar na carta, que voltaria atrás.

         Finalmente chegou a sala, vendo que apenas a professora estava lá. Mordeu o lábio inferior, nervosa. Não estava dando certo! Respirou fundo, percebendo que a professora a observava com atenção, esperando que ela dissesse porque estava li. A loira limpou a garganta, dando um sorriso de lado.

         - Preciso fazer uma pesquisa. – disse, já se direcionando a um dos computadores o mais longe possível da mulher.

         - Não vou deixar se for um trabalho atrasado. – resmungou a professora, mal-humorada. Rin a encarou, inflando as bochechas.

         - Não é! – exclamou, virando a cara e começando a digitar sua carta, nervosamente, olhando para trás vez ou outra, tentando não deixar que ninguém lesse. Queria entregar aquela carta naquele dia, então assim o faria!

         Assim que terminou, tratou de salvar em um pendrive, saindo da sala imediatamente. Agora, precisava falar com alguém que provavelmente teria o e-mail do novo ajudante. Não era difícil pensar em alguém simpático o suficiente para conseguir esse tipo de coisa sem dificuldade. Na verdade, conhecia duas. Megpoid Gumi, a menina de cabelos verdes, que seria bem fácil de enganar se não estivesse sempre sendo “guardada” por Gumiya. E Hatsune Miku. Mas com a segunda não falaria de forma alguma.

         Correu o mais rápido que pôde para procura-la, já que faltava pouco para o fim do intervalo. Depois de certo tempo, finalmente a achou, sorrindo enormemente e gesticulando muito. Deu mais uma boa olhada. Onde estava aquele garoto? O “guarda-costas” sarcástico que lhe dera um fora da última vez que tentara convencer Gumi a fazer algo? Ao que parecia, não estava ali.

         - Gumi-chan. – chamou, se aproximando. Sempre conseguia contar com aquela menina, bem informada, simpática, boa pessoa.  – Preciso da sua ajuda. – as pessoas que a rodeavam pareceram hesitar em deixar a esverdeada ir falar com a loira, Akita Neru chegara a estreitar os olhos. – Rapidinho, vamos.

         - Claro, Rin-chan! – exclamou, agarrando um dos braços da menina, a puxando para longe. – O que foi?

         - Só quero o e-mail do Kaito-sensei. – pediu, sorrindo. Como uma boa popular, sabia como tratar cada um.

         - Só um minutinho, vou buscar na mochila!

         - Ah, que bom, Len-kun! – exclamou outra menina de cabelos esverdeados, porém longos e presos em marias-chiquinhas. – Pode ser nessa sexta de tarde, então? Acho que até lá já dá para pegar parte do dinheiro de cada membro.

         - Claro. – sorriu para ela. – Qualquer dia, menos na quarta. Tenho que ajudar a Rin em algo. – Miku assentiu.

         - Então, nos falamos depois, né, Len-kun? – a menina virou-se, olhando para um jovem de cabelos azuis, recostado em uma parede, esperando-a. – Ainda nem consegui comer direito.

         - Ah... claro. Então, tchau, Hatsune-senpai. – falou, vendo-a correr até Kaito, abrindo um sorriso assim que chegou nele. – Tomara que não seja o que eu estou pensando... – sussurrou para si mesmo, começando a ir em direção a sua sala. Preocupava-se com Miku, pois se realmente tivesse algo com o assistente, ambos estariam em problemas.

         - Kaito-san, obrigada por esperar! – cumprimentou, começando a andar. – Logo, logo, tenho que começar o trabalho! Estou tão animada!

         - Vai ficar ótimo, tenho certeza. – sorriu, adorando o modo que a esverdeada estava. – Você está se esforçando tanto, que não tem como ficar ruim.

         - Espero que esteja certo. É um projeto um pouco complicado. – o celular de Kaito deu um toque rápido, indicando que recebera um e-mail. O azulado leu, fazendo uma careta. – O que aconteceu?

         - Nada demais... – fechou o celular, com um suspiro. – Você precisa voltar para casa logo depois da escola ou quer dar uma volta comigo?

         - Posso dar uma volta. Mas combinei de ir ao cinema com a Haku, então ela vai ter que ir junto... – comentou, corando.

         - Não tem problema. – Kaito parou de andar, estavam no corredor da sala de Miku. – Melhor ir agora, Miku-chan.

         - Ah, é mesmo... – deu um beijo na bochecha do maior. – Até mais, Kaito-san! – exclamou, dando um aceno antes de entrar em sala.

         - Miku... – sussurrou Haku, que esperava a esverdeada, sentada na cadeira desta. – Não é perigoso, o que você está fazendo? – indagou baixo, olhando em volta.

         - Não vai ter problema, Haku. Ninguém vai descobrir. – respondeu, séria. A albina se levantou, deixando a amiga sentar-se. – Nee, o Kaito-san vai sair com nós duas, mais tarde.

         - Tudo bem... – deu um suspiro, incomodada. Saiu da sala, dando uma olhada para trás antes de ir para sua própria. Tinha um mal pressentimento.

         - Onde você foi, Rin? – perguntou Len, quando a irmã sentou-se em seu lugar. – Sumiu pelo intervalo inteiro.

         - Na sala de informática. – respondeu, sorrindo um pouco. O loiro arqueou uma sobrancelha. Esperava levar um fora. – Queria mandar um e-mail.

         - Parece que isso te deixou de bom humor... – comentou baixo, olhando-a com desconfiança.

         - Mais ou menos. – o professor Gakupo entrou em sala, carregando vários livros e um mapa.

         Os gêmeos tiveram que deixar as conversas de lado, prestando atenção à aula, um confuso pela forma que fora tratado e a outra ansiosa para receber uma resposta. Os outros da sala, porém, pareciam bem menos envolvidos na matéria, trocando bilhetinhos enquanto o professor arroxeado explicava, planejando uma surpresa para a menina mais popular daquela escola, todos convencidos de que isso a deixaria muito contente.

         Por isso, quando o sinal para ir embora finalmente tocou, um dos meninos, o que dera a ideia, levantou-se, indo em direção à loira, que arrumava suas coisas para ir embora. Suava frio, não de medo, e sim de nervoso. Como a maioria dos garotos da escola, era apaixonado pela menina, não podia evitar sentir-se assim quando se aproximava de sua paixão platônica. Limpou a garganta quando quase não havia distância, fazendo-a se virar-se para si.

         - C-com licença, Rin-chan. – a loira arqueou a sobrancelha, curiosa, esperando com expectativa o menino continuar. – Eu vim aqui porque... bem, porque, no encerramento do festival cultural, você irá receber uma surpresa nossa... e queremos avisá-la, porque vamos pedir para que suba ao palco, pouco antes da hora da fogueira.

         - Surpresa? – repetiu, já ansiosa. – Que tipo de surpresa? – perguntou, se aproximando mais do outro.

         - B-bem... não se preocupe, você vai gostar! – e então virou-se e foi embora o mais rápido que pôde, com o rosto em chamas e o coração acelerado. Havia conseguido. Falara com Rin-chan. E ela ainda se aproximara mais dele! Aquilo o deixava bobamente feliz, a tal ponto que se sentia prestes e saltitar pelos corredores.

         - O que foi isso? – perguntou Len, já com a mochila nas costas, ajeitando os óculos sobre o nariz. – Foi estranho, não acha?

         - Um pouquinho. – Rin virou-se para o irmão, com um sorriso convencido nos lábios. – Mas acontece às vezes, estou acostumada. Ele só estava sem jeito. – e foi andando para a saída, com o gêmeo, cada vez mais assustado pela mudança de atitude repentina, a fitando com indiscrição, incrédulo demais para se dar ao trabalho de disfarçar.

         Antes de ir embora, o mesmo garoto que falara com Rin se encontrava na sala da diretora, preenchendo um formulário com um imenso sorriso. Meiko deu um meio sorriso, pensando em como os adolescentes podiam ser bobos. Sentia falta de sua época.

         - Terminei, diretora. – informou ele, deixando a caneta e a folha em cima da mesa. Assim que ele saiu, a morena tratou de pegá-la.

         Colocou-a de frente para si, passando a ponta de suas unhas perfeitamente pintadas de vermelho pelas letras, fazendo uma rápida leitura. Parecia que ele havia feito tudo certo. Poderia “conceder” aquele pedido dos alunos sem nenhum problema. O único seria se a Kagamine Rin recusasse tudo, mas Meiko não acreditava que ela fosse fazer aquilo. Deu um riso baixo, jogando a folha sobre muitas outras, dentro de uma gaveta.

         Teria que ficar mais um tempo na escola, até finalmente poder ir embora. O grupo de teatro ainda trabalhava em sua peça, não podia ir e deixar a escola antes que terminassem. Como já terminara seus trabalhos do dia e não tinha mais nada a fazer, levantou-se da mesa, pegando um conjunto de chaves, e foi embora, trancando a porta ao passar. Caminhou por entre os corredores, indo em direção á sala de teatro. Assim que chegou ao corredor desta, viu um loiro de olhos azuis, do primeiro ano, cabelos loiros e capuz na cabeça, sentado no chão, em frente à porta.

         - O que faz aqui, garoto? – perguntou, curiosa, abaixando-se ao lado dele. Len a olhou, piscando, antes de responder.

         - Estou esperando minha irmã. – disse, sorrindo para a diretora, que retribuiu.

         - Então você é o Kagamine Len. – o loiro confirmou com a cabeça. – Luka fica preocupada com você parado aqui fora.

         - Ah! Eu não faço nada de errado nesse tempo que fico na escola, sem ninguém vigiando, Meiko-san! – a morena riu, abanando a mão, despreocupada.

         - Não foi isso que quis dizer. – parou de rir, olhando para a porta. – Ela fica preocupada com você. Se não se sente sozinho, com fome e essas coisas, esse tempo que fica aqui, parado.

         - Entendo... – sussurrou, abaixando a cabeça. – Não pensei que a Megurine-sensei tinha esse tipo de preocupação...

         - Isso é natural dela... – olhou com o canto de seus olhos vermelhos para o aluno. – Eu também fico preocupada, na verdade. Por que não vai pra casa?

         - Rin não gosta de ir embora sozinha... – respondeu, simplesmente. – E eu também não. Prefiro esperar aqui, ouvindo o que está acontecendo lá dentro, do que ir ficar sozinho em casa.

         - Bem, eu continuaria perguntando, mas... – coçou a nuca, com um sorriso sem graça. – Acho que já me intrometi demais na sua vida.

         - Não tem problema nenhum, diretora. – o loiro sorriu para ela, fazendo a mulher perder parte de seu embaraço.

         - Aliás, esse capuz seu me incomoda, garoto. – ditou antes de se levantar e bater calmamente duas vezes na porta, sendo atendida por uma linda mulher de cabelos longos e rosados e olhos azuis.

         - Meiko-san! – exclamou Luka, surpresa. – Já terminou seu trabalho? O que faz aqui?

         - Isso lá é jeito de receber a diretora, Luka? – andou para frente, quase forçando a rosada a abrir caminhou. – Quero ver como está indo a principal atração do festival cultural da minha escola!

         E então a porta foi fechada, deixando Len, agora tentando conter uma risada, sozinho no corredor novamente. Nunca havia falado com ela antes, mas agora confirmara que os boatos eram verdadeiros. A diretora era muito engraçada. E parecia uma pessoa boníssima. Tocou com a ponta dos dedos no capuz, abaixando-o. Seu raciocínio dizia que a morena não achava apropriado para ele ficar com aquilo na escola. Começava a pensar se devia deixar de usar aquela roupa...

         Porém, toda sua linha de pensamento foi interrompida quando ouviu uma voz muito suave e delicada soando. Sentiu-se quase hipnotizado por ela, aproximando-se da porta meio sem perceber. Descobriu porque a ouviu pela primeira vez. Meiko não fechara direito a porta. Olhou com apenas um dos olhos pela pequena fresta aberta, tentando descobrir de quem era aquela tão maravilhosa voz.

         E lá estava, no palco, cantando uma das “músicas de fundo” da peça, com dedicação, Hatsune Miku. Seus cabelos verdes, um pouco bagunçados depois de todo o dia de aula, brilhavam e agitavam-se com perfeição, junto com ela. Seus lábios pequenos pareciam ainda mais delicados, as mãos moviam-se de acordo com o ritmo, enquanto ela ia pronunciando nota por nota, sem desafinar, seus olhos cintilavam. Len não se lembrava de alguma vez na vida já ter visto uma cena mais linda. Parecia presenciar a canção de um anjo.

         E ele sabia, infelizmente, que se aquele sentimento continuasse, se envolveria em um problemático triângulo amoroso.