Lembranças escrita por miu miu


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Foi baseado em um sonho. Fiz isso num momento de muito tédio da minha vida e algumas informações não correspondem com a realidade. Fica a critério de vocês...



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Eu estava de volta. Sim, eu estava. Apesar de ter amado este lugar, nunca pensei que poderia estar aqui novamente. Fui arrancado da minha terra natal da maneira mais brusca possível e eu tinha lembranças difíceis daqui. Porém, por mais que o tempo passe, nada apagará as boas coisas que aconteceram nesta pequena vila vertical aos arredores de Hong Kong. Pequena se levarmos em consideração o tamanho da cidade. Conheço este lugar com a palma da minha mão afinal, eu nasci aqui e lembro-me de todas as tardes divertidas que tive com a maioria das crianças do bairro. Eu era popular. Eu era.

O lugar não se parecia nem um pouco com o que eu me lembrava. Quando deixei esta vila vertical ela era alegre, colorida, feliz. Apesar de ter derramado pesadas lágrimas quando a deixei, minhas memórias de infância não se apagaram e eu não podia aceitar que o lugar que me fazia tão feliz era agora um celeiro de morbidez. Eu poderia jurar que uma guerra teria acontecido ali há alguns instantes ou que um vírus teria se alastrado no lugar, fazendo com que toda a sua população fosse dizimada em segundos. Era triste como aquilo se parecia. Pobre gente.

Resolvi adentrar o prédio de cinco andares, ala D. Incrível como cheirava forte. Alguém tinha morrido ali? Se não, todos tinham morrido ali? Eu sentia um forte odor misturado com mofo. Avistei a causa do problema. Uma pequena família de ratos, amontoados no canto perto da escada, parecia se decompor.

“Você não está achando que vou tocar nisto, está?” Uma senha rabugenta saía do seu apartamento ao mesmo tempo em que eu mirava com certo nojo o “funeral dos ratos”.

“Não.” Respondi ao mesmo instante. Quanto mais tempo aquilo se prolongaria?

A velha senhora saiu resmungando algo que meu chinês recém esquecido não entendeu. Resolvi subir. Não era minha intenção me demorar naquele lugar.

Quarto andar. Porta dois. O meu antigo endereço. Tive certa dificuldade para abrir a fechadura que se encontrava um pouco rígida. Por fim, entrei.

Foi a pior coisa que eu vi. Desejei morrer. As paredes, o assoalho, as cortinas. Novamente, desejei morrer. Vi isso em algum documentário. Muito me lembrava como Chernobyl havia se transformado após a explosão do reator.

Eu não podia acreditar. As lembranças, todas elas, invadiram minha mente naquele momento. Adentrei a minha antiga casa, fechando a porta logo em seguida. Tudo parecia ter a mesma cor. Tudo parecia uma grande mancha de café. Arranquei as cortinas da janela e percebi que a mesma havia sido travada com pedaços de madeira. Caminhei até a cozinha, deixando a pequena sala. Verifiquei o abastecimento de água. Porque fiz aquilo? Obviamente estava cortado. É o que há.

O que vem a seguir me lembra bastante um filme de terror dos anos 20.

O corredor estava escuro e eu ainda podia ver a grande “mancha de café”. Como aquilo poderia ter ficado daquele jeito? Era tudo bege. Um bege envelhecido. Era assustador. Eu poderia abrir a próxima porta e dar de cara com gente morta ou seres estranhos, mas eu era homem demais para saber que aquilo nunca iria acontecer. Mas, o que acontecia com as minhas pernas? Elas não respeitavam as ordens do meu cérebro e continuavam a tremer loucamente como se eu tivesse acabado de sair de uma montanha-russa mortífera. O que realmente estava acontecendo? E agora? Minhas mãos me desobedecendo como num impulso. A direita direcionou para a porta ao lado. Era a porta do meu quarto.

Agora sim, estava morto.

Dentro do meu quarto havia um único móvel. Era uma pequena estante na qual eu guardava minhas antigas provas, desenhos e mais um absurdo de tralhas que eu juntava daquele bairro periférico. Encaminhei-me até ela, revirando aqueles papéis empoeirados – o que me fez ter uma pequena crise de tosse e espirros incontroláveis – até encontrar a foto. Meu coração se encheu de felicidade naquele momento. Nela estávamos eu e meus melhores amigos, Zhou Mi e Lau Henry. Os dois deixaram Hong Kong comigo na mesma época e foram os meus fiéis conselheiros, até então. Guardei a foto que havíamos tirado quando éramos crianças no bolso, deixando uma grossa lágrima cair de meus olhos. Eles se foram.

Saí do apartamento na mesma velocidade em que entrei. Peguei um táxi logo em seguida, deixando a mesma senhora a resmungar atrás de mim. Nada mais importava. Cumpri a tarefa que foi me destinada pelos meus pais. Em seu leito de morte me pediram que voltasse a Hong Kong e pegasse algo que me fosse precioso do apartamento. Eu não entendi, mas como era seu último desejo, resolvi atendê-lo. Agora eu sei.

Minha mãe sabia o quão apegado eu era a Lau Henry e Zhou Mi e sabia também que eu não havia superado a morte deles naquele trágico acidente de avião. Só o que me restava eram as boas lembranças e aquela foto.


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Notas finais do capítulo

Bem estranho, não?



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