The Black Halo escrita por Akashitsuji


Capítulo 5
Capítulo IV - Darkness there, and nothing more.


Notas iniciais do capítulo

Depois de mais uma semana, dou-lhes o capítulo IV! Tenho feito quase um hábito postar no domingo, então assim será. Postarei sagradamente aos domingos, e, se possível, outros capítulos durante a semana. Coloquei um trabalho extra nas falas do Undertaker, visto que é complicado representa-lo perfeitamente no papel, considerando suas variações de voz. Para melhor entendimento e visualização, estas foram postas com letras maiúsculas em palavras soletradas ou separadas silabicamente, representando o ritmo e a intensidade com que o coveiro as fala. Espero que gostem deste, particularmente, acabou sendo o meu favorito!



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Mestre e mordomo jaziam parados de pé diante do maior objeto de orgulho do estranho coveiro: sua amada a agência funerária. A fachada do prédio remetia instantaneamente ao cemitério de uma festa temática macabra. Desta vez, porém, o desajuste mental do coveiro havia levado a decoração a outro nível de humor fúnebre: ao invés das costumeiras lápides e teias de aranha, o cenário era incrementado por um par de esqueletos de cera que flanqueava a porta, ambos usando cartolas impossivelmente altas que ultrapassavam facilmente a excentricidade do mais peculiar dos lordes. Sua arcada superior, porém, era encimada por um tufo bem penteado de pelos. Tão vastos eram os bigodes, que poderiam conter uma imensidão de mistérios, até mesmo o segredo da existência.

Perplexo, Ciel não pôde deixar de notar a evolução da insanidade de Undertaker desde sua ultima visita, entretanto, sua verdadeira preocupação estava no interior. Se a fachada era guardada por esqueletos bigodudos, o interior deveria ser a joia sagrada da coroa da loucura mórbida - perfumado com o aroma pungente de formol, putrefação, poeira, mofo, e biscoitinhos amanteigados em forma de osso. Undertaker era, indiscutivelmente, obsessivo e compulsivo. Tratar suas “crianças” e garantir seu bem estar numa pós-vida saudável era uma prioridade bem acima de se alimentar, por exemplo. Perecer por inanição seria um ode a sua profissão.

Azedo, Ciel cumprimentou a mão esqueletal que substituía a maçaneta de costume, produzindo um clique seco que precedeu o rumor abafado de engrenagens. Sebastian limitou-se a rolar os olhos.

— BEM VIN-DOS a esta H-U-M-I-L-D-E agência fune-R-Á-R-I-A, kuhuhu!

Os esqueletos se chacoalharam em frenesi, deslizando de um lado ao outro da fachada sem tocar o solo com seus pés. As cartolas e os bigodes, por sua vez, agitavam-se ao ritmo do choque de osso contra osso, ameaçando despencar a qualquer momento. Uma voz irregular então ressoou abafada dos caixões, vezes quase soletrando as palavras, vezes acelerando até não ser possível discernir o que se falava.

— Minha humilde pessoa lhe garante os P-R-A-Z-E-R-E-S da pós-vida, aqui, neste maravilhoso estabelecimento! Até hoje, N-E-N-H-U-M cliente retornou insatisfeito com nossas acomodações mortuárias... De fato, se algum tivesse o feito teríamos um seríssimo problema com pragas necrófagas e tudo mais... kuhuhu...

Por fim, a voz desapareceu lentamente, dando lugar a característica risada escandalosa de Undertaker enquanto os caixões abriam e fechavam suas tampas com força capaz de decepar a mão de um incauto. Caixões abrindo e fechando eram a segunda especialidade do coveiro, mas caveiras dançantes com cartolas e bigodes era um passo totalmente novo num andar extra de insanidade.

Num grand finale, as cartolas disparam rumo ao céu. Sim, as cartolas voaram aleatoriamente para os lados, dando rasantes sobre a cabeça do conde e de seu servo numa estranha provocação que se tornava pior por serem apenas chapéus. Antes que pudessem ser neutralizadas, porém, entraram pelas janelas superiores recentemente instaladas, atravessando as telas de papel que serviam de proteção contra a luz sem muita cerimônia. O silêncio instaurou-se por poucos segundos, sendo rompido pela grotesca risada do agente funerário em puro deleite.

— Jovem Mestre, se me permite creio que seria melhor prosseguirmos de uma vez.

— Sim, Sebastian. – O conde massageou as têmporas enquanto tomava para si novamente “mãoçaneta”.

O interior, ao contrário do que pensava, não estava tão diferente do habitual. De fato, a única coisa que lhe chamava atenção era a quantidade de caixões, que superava com facilidade a oferta de serviço costumeira do coveiro. O cheiro de formol empesteava o ar, infiltrando-se nauseantemente em tudo e todos. Ciel podia praticamente sentir o toque da substância em sua língua, fazendo com que seu rosto se contraísse permanentemente numa expressão de nojo.  Por outro lado, não havia nenhum sinal óbvio de Undertaker.

Os olhos de Ciel saltavam de caixão em caixão, apostando consigo mesmo de qual deles sairia o alegre coveiro. A bengala do conde deslizava rente ao solo, batendo sempre pouco a frente de seu corpo, como um membro sobressalente que pavimentava o caminho adiante, mas que desta vez, selava e pavimentava um dos maiores sustos.

A bengala conectou-se a um minúsculo buraco no chão que, ao que tudo indicava, fora criado tão somente para o encaixe do apetrecho, e então outro clique se fez audível, sucedido por um fortíssimo impacto que o tirou o centro de equilíbrio do conde por um segundo. Acima de si, o teto se abriu como um compartimento secreto, deixando escapar uma voz, e o distinto som de ranger de pesadas correntes.

— CON-DE... kuhuhu...! Eu estou M-U-I-T-I-S-S-I-M-O deprimido...

Como reflexo, tanto mordomo quanto mestre olharam para a passagem no teto – O que preencheu aos poucos a visão de Phantomhive foi a figura em queda de Undertaker com seus desvairados olhos verdes brilhantes, preso suspenso pelos braços e pernas por correntes. Do característico sorriso que estampava sua boca escorreu um gordo filete de saliva que caiu sobre o cabelo de Ciel.

Ciel deixou escapar um grito esganiçado e por pouco não caiu sentado, ao que Undertaker ria louca e incessantemente, debatendo-se nas correntes que o sustentavam no ar e preenchendo a sala com os sons grotescos de seu corpo esquelético se retorcendo. Sebastian encarava a figura pendurada, inexpressivo e inabalado.

— Desça daí, você está na presença do enviado de Vossa Majestade, a Rainha. – disse ao ajeitar as roupas.

— Uhh, o conde não tem senso de H-U-M-O-R, sabia disso...? Tudo bem, mas minha humilde pessoa gostaria de pedir uma aju-di-nha do seu mordomo... Ah! O que achou da M-Ã-O-zinha que te dei lá fora...? Kuhuhuhuhu!

— Sebastian, ponha-o no chão, sim? A propósito, apesar de ter odiado o espetáculo... O que foi aquela dança, e as cartolas?

— Se o jovem mestre me permitir... Creio que tenho uma explicação – Sebastian dizia ao desatar as correntes num só movimento e derrubar Undertaker direto contra o chão num baque seco. Undertaker babava feliz. - Observei o chão próximo à parede desta funerária. Havia uma discreta esteira da mesma cor da calçada que fazia com que os esqueletos deslizassem para os lados. A leveza da armação deles provavelmente permitiu que a força da esteira produzisse o balanço disforme que tomamos por uma dança bizarra. Os caixões devem funcionar da mesma maneira, abrindo-se automaticamente através de engrenagens conectadas à esteira. O som alto pode ser reproduzido por um gramofone posicionado no interior, por exemplo, na passagem do teto. Quanto às cartolas... Tenho um palpite, porém, imagino que Undertaker queira o prazer de discursar.

— Kuhuhu... Hmmm, sempre certo, este seu mordomo... – Disse, tomando repentinamente o rosto do conde com as mãos e espetando-o com as longas unhas negras. – Vejamos... Huhuhu... Creio que tenho uma destas L-I-N-D-A-S cartolas comigo aqui... Tenho sim, C-O-N-D-E Phantomhive... - Distanciou-se do conde num pulo tão fluido quanto um passo de valsa e tirou seu chapéu, tampando-o com as mangas da roupa. - Uh... Olhe aqui D-E-N-T-R-O e você ganhará GOS-TO-SU-RAS e TRA-VES-SU-RAS...

 O interior da cartola estava cheio até a boca com uma massa disforme de enormes besouros que chiavam loucamente enquanto batalhavam por mais espaço para acomodarem suas prodigiosas pinças e patas seccionadas. Vez ou outra, um deles conseguia se desprender do restante e tentava escapar, porém, era prontamente interceptado pelo coveiro, que o recolocava no devido lugar.

— O que...?

— Besouros H-E-R-C-U-L-E-S, meu Conde... Estes bichinhos lindos podem carregar 850 vezes seu P-R-Ó-P-R-I-O peso... kuhuhu... Então, é fácil I-M-A-G-I-NAR também... huhuhu, como uma cartola de P-A-P-E-L como esta pôde voar por aí... Linda, despreocupada... hehehe... Mas não para sempre, que pena!

Explodiu em risos, deixando escorrer um novo filete de saliva pelo hábito negro. – Só tive alguns problemas com... kuhuhu... Como direi... Hmmm? Fazer com que voem decentemente... Mas me parece que seu voo desgovernado agradou meu C-O-N-D-E... huhu... Seu humilde coveiro fica feliz...

A expressão do menino dispensava qualquer comentário. Suas sobrancelhas arqueadas, a boca aberta e o olhar indignado diziam claramente “Coveiro, você se superou desta vez”. Caveiras dançantes eram perfeitamente normais após a explicação de como havia feito o truque dos chapéus voadores. Caveiras dançantes são tão normais e mundanas quanto os caixões que se abrem e coveiros em queda livre por alçapões em tetos acionados por bengalas. Sem esquecer uma vez mais dos biscoitos amanteigados de ossos... E chás servidos em tubos de ensaio... E potes onde uma vez jazeram órgãos e substâncias deveras desagradáveis...

— Enfim... Viemos aqui por um motivo, o de sempre. Houve uma matança generalizada nos arredores e no interior da abadia de Westminster, e queremos saber mais a respeito da causa mortis. – Declarou o conde.

— Uhh, certo, sim, sim! Mas... Eu quero R-I-R! Quero que seu mordomo me agracie com uma risada de primeira... kuhuhu... Uma vez mais, sim, sim!

— Jovem Mestre. Temo ter de pedir que espere do lado de fora.

— Já esperava por isso. – bufou- Aguardarei com as desagradáveis amigas ósseas do coveiro.

O Conde desconectou sua bengala do buraco no chão, fazendo com que as correntes se reerguessem e a passagem se fechasse novamente num teto caindo aos pedaços, e saiu. Sebastian retirou suas luvas impecáveis, colocando-as sobre o caixão mais próximo.

— Sente-se, Undertaker. Não temos muito tempo, então irei direto ao ponto. Sente-se. Assim evitará se machucar.

— Estou A-N-S-I-O-S-O, hmmm, mordomo... Acerte-me com o melhor que tiver, huhuhu...

— Feche seus olhos, e concentre-se apenas no som de minha voz. Imagine o assustador e orgulhoso conde Phantomhive. E se ele usasse pantufas de coelhinho para dormir? Se roupa fosse substituída por um delicado roupão infantil, costurada com o material mais suave possível para que não o incomode durante o sono? Se não conseguisse dormir sem seu amado travesseiro favorito ou sem um ursinho aristocrata? E se ele se recusasse a dormir sem antes ouvir uma cantiga de ninar, contos de fadas ou uma terna palavra de boa noite? E se o conde fosse nada mais do que uma simples criança que adora seus brinquedinhos, além de uma figura do submundo que lida com assassinatos? Seria deveras problemático receber ordens de um menino de pantufas, pijamas e um urso de pelúcia.

Por uma fração de segundos, o silêncio tomou conta do ambiente. Pouco a pouco, o sorriso do coveiro expandiu-se para os lados ao que parecia ser infinitamente, deixando escorrer um disforme filete final, antes de explodir numa risada tão extrema que preencheu toda a agência funerária, ressoou pelas ruas londrinas, derrubou os esqueletos de bigode e caixões, e até mesmo fez as duas cartolas que haviam voado para dentro fugirem as pressas para se resguardar contra tamanha loucura.

Ciente de que a piada já havia sido feita, o conde reentrou, deparando-se com o agente funerário caído no chão, mesas derrubadas, e caixões revirados. O lugar parecia ter sido atingido por um tornado.

— Você joga sujo, m-o-r-d-o-m-o... kuhuhuhuhu... MUI-T-O sujo... kwahahauhuhu...

— Confesso que fico cada vez mais perplexo, Sebastian.

— Como fiel mordomo da família Phantomhive, o que eu faria se não pudesse dar cabo de tão simples tarefa? Além disso, sou apenas um mordomo e tanto. – Curvou-se diante do mestre com um sorriso no rosto e a mão direita sobre o coração que nunca possuiu.

— Muito bem. – Começou Ciel. – Undertaker, eu gostaria que nos desse toda a informação a respeito da morte das vítimas. Lorde Randall nos informou que todas foram mortas da mesma natureza – o que, a propósito, é muito incomum.

— Hmmm...  Muito bem informado, como sempre, meu C-O-N-D-E... kuhuhu... Deixe-me ver... Quais das minhas lin-das crianças devo lhe mostrar... huhuhu! Papai arrumou todas elas para a vi-si-ta... hehehe! Mostrarei a mais prendada...

O homem curvado levou uma das mãos recobertas até a boca, mordendo o velho pano negro enquanto a outra deslizava sobre as tampas dos caixões. Parecia saber o nome e a aparência de cada um dos corpos mesmo todos sendo praticamente idênticos e procurava, dentro de seu critério de julgamento bizarro, qual deles levaria aos olhos do conde.

— Não se esconda de mim, minha lin-da Elizabeth... kuhuhu...! Pintei-lhe e lhe arrumei com tanto amor e ainda assim você se esconde... A propósito, gostaria de uma canção de ninar fora de hora, meu conde...?

O coração que o menino havia pensado ter parado de bater pulsou abruptamente. O coral soturno da abadia invadiu seus sentidos, e com ele, as imagens de seus entes queridos. Viu seus tios sentados assistindo a missa, e junto deles estava Lizzy, quieta em reverência e respeito. Seu vestido, colorido como o arco íris, destacava-se em meio a multidão, em desarmonia plena com a música e o ambiente.

 Com senso lógico e um pouco de reflexão ordenada podia fisgar-se do desespero que lhe atingia, porém, mesmo tendo se transformado num demônio seus sentimentos pela jovem menina superavam o raciocínio e a logica e os substituía por simples impulso. Lizzy frequentava a abadia com sua família desde sempre. Este era um pensamento que Ciel era incapaz de suprimir.

— Undertaker! Vamos logo. Abra este maldito caixão.

Undertaker por outro lado, não tinha pressa, e como o menino não havia protestado, começou a cantarolar e valsar pelo estabelecimento de em ritmo débil e desordenado, enquanto continuava analisando os caixões.

“Humpty Dumpty sentou-se em um MU-RO,

Humpty Dumpty caiu no chão D-U-R-O... kuhuhu!

E to-o-o-o-dos os servos e mordomos do Conde... ops, ou será do Rei?

Uhh... Não conseguiram montá-lo outra vez... kuhuhuhu!”

A cantiga era claramente parodiada de acordo com o bel-prazer do coveiro, brincando deliberadamente com a preocupação do garoto e com a piada que o mordomo lhe contara. Satisfeito por ter brincado mais uma vez com seu melhor cliente, parou finalmente num desajeitado rodopio diante de um caixão erguido verticalmente numa das paredes. Pôs se ao seu lado, curvando-se e erguendo uma das mãos à sua frente enquanto arrastava a tampa, com um sorriso doentio que deixava a saliva correr pela centésima vez. O corpo de uma belíssima dama, loira, caiu então em seus braços.

— TCHA-RA! Kuhuhu...! Vamos nos divertir com o descanso eterno desta aqui! Bradou comicamente enquanto o corpo gélido e pálido repousava em seus braços e os cachos dourados pendiam para os lados em contraste com a pele extremamente alva.

Dos braços cobertos do coveiro pendiam centenas de perfeitos cachos dourados, contrastando com a pele extremamente alva e cadavérica. Num piscar de olhos, Ciel sentiu seu coração apertar-se a ponto de sentir uma dor aguda, lancinante – não no corpo, mas no espírito. Desesperado, buscou qualquer traço que confirmasse não ser aquela a sua Lizzy, mas os cabelos dourados, cujo brilho singular permanecia mesmo após a morte, atraíam seu olhar e o impediam de agir ou pensar. Teria sido simples dar dois passos a frente e virar seu rosto, mas o ato jamais lhe passou pela cabeça. Mais tarde, Ciel confirmaria consigo mesmo não ter sido sequer capaz de reparar o que o corpo vestia.

— E então, qual foi a causa da morte desta mulher? – indagou Sebastian.

As palavras do mordomo o tiraram do transe por um momento. Aturdido, Ciel conseguiu raciocinar o suficiente para se forçar a olhar além e foi através das pernas, definitivamente mais longas, que percebeu com alívio culposo se tratar de outra pessoa. A mulher cuja morte agora mesmo lhe causara alivio era, de fato, uma mulher adulta.

— Muhuhuhaha! Você devia ter visto sua cara, CON-DE...! Nunca cruzou minha mente que alguém como você... huhuhu... Seria suscetível a T-A-N-T-AS brincadeirinhas numa única visita...! Que divertido, divertido! Uhhh!

Ficou claro, então, o quão humano ainda era. Ao observar como aquela mulher era tão diferente de sua noiva, até mesmo as piadas doentias do coveiro lhe passavam despercebidas, a única coisa que lhe importava era a sensação de bem estar que corria por todo seu corpo, o alivio que neutralizava o desespero que correra por suas veias.

— Oh, já dei muito trabalho ao Conde, sim, dei sim! Huhuhu... Deixe-me examiná-la mais atentamente e mostrar a este menino os encantos do GRAN-DE M-O-M-E-N-T-O da conclusão de sua vida, minha pálida e amada Liz... hehehe!

O homem correu atrapalhadamente com a dama em seus braços, deitando-a sobre uma mesa empoeirada decorada com amuletos mortuários. Cantarolava uma vez mais pelo caminho, desta vez uma canção diferente.

Que divertido! Que divertido! Ser um coveiro é divertido! Huhu!

Hoje, também, me divertirei com os cadáveres, sim

Não há necessidade para RES-TRI-ÇÃO ou dinheiro,

Só me deixe induzi-la ao descanso E-T-E-R-N-O!

Agora, este é o produto especial que lhe apresentarei hoje:

Um caixão de alta qualidade especialmente manufaturado pela minha humilde pessoa

A madeira é um mogno de AL-TA QUA-LI-DA-DE produzido em Gales, hehe

E o colchão é feito de algodão de Yorkshire com uma carta de permissão, sim!

No caixão, seu corpo será gentilmente abraçado

Pelos incontáveis lírios brancos postos ao seu redor

Ahehehehe...”

Sebastian e Ciel seguiam-no, caminhando à mesa onde se encontrava a dama cadavérica que o coveiro carregara como sua noiva até o leito nupcial, carinho este que fora dado apressadamente, e leito este que era frio, empoeirado e impregnado com o aroma da morte.

O agente funerário acariciava o rosto pálido daquela Elizabeth cuja origem era desconhecida – Seu rosto era lindo, bem delineado, sem qualquer tipo de linha de expressão; seus lábios carnudos e formosos davam a impressão de que uma vez foram vermelhos como os olhos do mordomo; seus cabelos dourados eram como os de Lizzy, mas muito mais adulto, sedutor, de alguma forma.

Seu corpo refletia tamanha beleza de seu rosto. Era magro, e alto, ainda assim, suas curvas podiam ficavam evidentes mesmo sob o vestido pomposo. – Seus quadris chamavam atenção, tal qual suas pernas, bem formadas e de pele suave.

Através de uma rápida análise, qualquer um constataria que esta Elizabeth possuía não mais que 20 e tantos anos, e pertencia provavelmente a média burguesia, a julgar pelo tipo e o corte do vestido que usava e por ter sido enviada a um estabelecimento menos distinto.

— Hmm, minha Liz está tão linda e amável com esta palidez que seria um crime não dar a ela um destes caixões que minha humilde pessoa produziu com tamanho esmero... huhuhu! As vezes penso que os HU-MA-NOS ficam muito mais amáveis na morte, sem tantas mentiras imundas e questões triviais, não concorda, meu C-O-N-D-E? Ahehehehe...

— Ela foi vítima do acaso, bem como todos os outros. – Manifestou-se Sebastian após um longo tempo. – Todos mortos por estarem no local, e todos mortos da mesma maneira. É sobre esta forma que precisamos saber. Entretanto, creio que as coisas ficarão um pouco mais “pesadas” daqui por diante, estou errado?

— Certamente... ahehehe...

— Não há marcas externas, sinais de perda de sangue, ou até indícios de seus trabalhos de “recomposição” pelas partes expostas do corpo. Arrisco-me em apostar que o dano foge completamente de um procedimento comum, creio.

— Novamente correto mordomo...! Huhuhu! Terei de abrir esta belezinha aqui para lhes mostrar a VER-DA-DE... Será que o conde vai continuar tão firme assim...?

— Não tenho a tarde inteira. Vamos. – Respondeu amargamente.

— Pois bem... Como quiser CON-DE, ahehehehe...!

O agente funerário despiu a mulher até a cintura, revelando parte de suas intimidades. Sebastian não reagia, sequer piscava; Ciel parecia tenso, tanto com a nudez de cor doentia quanto a dissecação. Munido de um bisturi, Undertaker cortava os pontos que havia costurado quando fizera a necropsia do cadáver, revelando a verdade para o mundo uma vez mais. Ao abrir a área do tórax onde ficaria o coração, o homem se levantou sem o sorriso costumeiro e abriu espaço para os clientes.

— O que... É isso? – Perguntou Ciel.

— Não há nada. – Respondeu o mordomo.

— Sim... Não há coração, veias, resquício de carne ou ossos nesta região... Desapareceu tudo, como se algo tivesse os apagado... – aquiesceu o coveiro - Vê porque eu digo que os humanos são melhores mortos, sem mentiras, atrocidades?

— Parece que algo arrancou brutalmente todo o interior... A precisão é assustadora, humano algum poderia fazer algo assim.

— I-M-P-L-O-S-Ã-O, meu conde... Algo causou uma implosão extremamente poderosa e precisa na área do coração de T-O-D-A-S as vítimas, assim como fez com a pobre capela da abadia...uhuhu...

— O que poderia ter... Feito isso? – Indagou o menino.

— Vejo que o Conde chegou ao ponto C-H-A-V-E, ahehehehe... – Voltou a rir e falar com as costumeiras modulações de voz. – Huhuhu, foi um DE-MO-NIO...! Creio que seu mordomo saberá a resposta, se olhar com mais atenção, sim, vai sim...

O olhar de Sebastian tornou-se pétreo. Se até mesmo shinigamis retirados como Undertaker sabiam da existência daquilo e do seu despertar, desta vez sua ascensão trará uma escala nunca antes visto de destruição e um perigo infindável para todos os seres acima daquela terra, e principalmente para aquele que o trouxe indiretamente. Seu mestre por fim rolou os olhos para ele, e o homem de preto assentiu, sério.

— E agora, vou lhes dar uma pista valiosa... ahehehehe... Este tipo de informação NÃO deveria V-A-Z-A-R... Maaas, tempos desesperados requerem medidas DE-SES-PE-RA-DAS, oh, sim... Minha humilde pessoa ficará servindo como acompanhante para esta amável dama, mas... – Levantou a franja que cobria seus olhos esverdeados, deixando-os à mostra. – Os outros como eu... huhuhu... Irão estar lá na abadia quando ele ascender... Oh, e isto se dará à meia noite em ponto... Quando a lua atingir o centro da A-BA-DI-A... Seria saudável para a saúde do Conde e do seu mordomo que fiquem longe de lá por esta hora...

— Certo. Agradeço por toda a colaboração, Undertaker. Precisamos atender a outros assuntos agora. – Ciel caminhou até a saída com sua bengala, mas o coveiro o impediu.

— Hmmm, lembre-se que em breve lhe farei um LIN-DO caixão sob medida, o mais amável e lindo que já fiz com estas minhas humildes mãos, meu C-O-N-D-E... ahehehehe...!

— Acho que desta vez não... Coveiro.

— Ohh... Acho que sim, vai sim... Este meu humilde olho, apesar de terrivelmente M-Í-O-P-E, toma ciência de tudo... kuhuhu... Não só dos mortos, mas... Dos vivos! Além do mais... Tenho de manter uma certa lista de mortos-vivos e criaturas estranhas... fuhuhu... Devidamente contabilizada, não concorda?


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Notas finais do capítulo

Os versos em itálico separados do restante do texto são respectivamente uma versão adaptada por mim da cantiga de Humpty Dumpty, e a tradução de um dos versos da character's song de Undertaker, Yokoso Sougiya E.
Faço menção da leitora Atanih-chan neste capítulo. Através da sugestão dela, resolvi colocar minha visão de como Sebastian faz Undertaker rir, que nunca é de fato exibida.
Obrigado a todos por lerem até aqui, até a proxima!

EDIT: Capitulo revisado e editado 16/03/16.