A Pequena Vampira - Conto de Um Vampiro escrita por Blood Tears


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/16874/chapter/1

Caminhava silenciosamente pelas ruas movimentadas de Nova Iorque. Passava despercebida por entre os mortais que me rodeavam. Cidade barulhenta! Como odeio todos aqueles mortais, com a sua cobiça e mania de superioridade. Indiferentes a tudo a não ser ao ser próprio umbigo. Falam, gritam, riem. Como os invejo. A minha presa caminhava alguns metros à minha frente. Bela. Uma beleza irlandesa, talvez escocesa, com o seu belo cabelo ruivo e olhos claros. O seu cabelo ondulava com os seus passos rápidos, trazendo uma fragrância suave até mim. Como era atraente, sem saber aquilo que despertava aos seres mais sensíveis à sua volta. Tinha no máximo vinte anos. Uma rosa à procura de uma nova vida. Como a adorava. Era um verdadeiro regalo para os olhos... e provavelmente para o estômago. A rapariga apercebeu-se de que era seguida. Acelerou o passo, segurando a tira frágil da sua mala. Não pude deixar de conter um sorriso. Mantive o meu passo calmo com que a seguia, de mãos metidas nos bolsos do meu casaco de ganga e franja negra caída nos olhos. Entrei numa rua secundária sombria, onde subi o prédio pela escada de incêndio. Corri em passo firme e silencioso pelos telhados. Quando cheguei ao prédio que procurava desci pelas escadas de segurança e entrei pela janela aberta do apartamento. A rapariga acabava de entrar. Trancava a porta, as suas mãos tremiam e tinha a respiração ofegante. Caminhei até ela. A jovem não se apercebeu da minha presença até estar a uns dois passos do seu corpo. Não conseguiu gritar. Os seus olhos verdes fixaram-se nos meus cinzentos, quase transparentes. Tinha uma expressão de pânico estampada no seu belo rosto. Pedi o seu silêncio colocando o dedo indicador sob os seus lábios rosados. Ela fechou os seus olhos, como que entregando-se a mim. Deixei a minha mão passar pelo seu pescoço, parando no seu peito, exposto pelo decote um pouco exagerado da sua blusa. Aproximei a minha boca do seu pescoço, com a respiração um pouco ofegante da antecipação do meu prazer pecaminoso. A sua pele arrepiou-se levemente quando lhe cravei os meus caninos desenvolvidos. Finalmente senti o calor do seu sangue escorrer pela minha garganta. Aquele gosto doce de que não me conseguia saciar. A expressão no seu rosto era agora de um imenso prazer. Um prazer doentio que parecia desajustado na sua cara inocente. - Transforma-me em alguém como tu... – Implorou num último sopro de vida. - Não. – Neguei eu, largando o seu pescoço, fazendo-a cair inerte no chão. Estava morta. Tinha apenas dois pequenos furos no seu pescoço que tornavam a visão num misto de desconforto e medo. De resto parecia um anjo, coma sua pele pálida e cabelo quente. Os seus olhos estavam abertos, sem brilho. Ajoelhei-me ao seu lado e fechei-lhos delicadamente. - Lamento muito... – murmurei. Era aquele peso horrível sob os meus ombros. Arrependimento. Como gostaria de não o sentir! Como gostaria de ser como qualquer um dos outros, tanto mortais, como imortais! Como gostaria de ser indiferente e centrada em mim, sem me preocupar com o sofrimento que causava! Como gostaria de poder soltar uma lágrima, uma lágrima para me livrar dos meus pecados, da minha culpa. Como gostaria... - Até quando vais manter esse discurso lamechas? Até quando vais continuar com esse discurso hipócrita: coitadinha de mim! É tão mau ser um vampiro! Sou tão infeliz! Quem me dera poder morrer! Levantei-me lentamente. Olhei na direcção de onde me falavam. O meu criador, o meu mestre, a criatura que mais odiava no mundo. Um homem alto, de cabelos louros desgrenhados caídos um pouco abaixo dos ombros. Aquele aspecto sujo, porém atraente. Um homem que odiava e ao mesmo tempo queria ter na cama comigo. - Eu nunca, nunca te perdoarei! – Rosnei, cerrando os dentes. Ele fez um sorriso trocista. Tragava o seu cigarro lentamente enquanto se aproximava de mim. - Eu fiz o que tu me pediste, tal como ela te pediu... – Ele soltou o fumo do cigarro para a minha cara, fazendo-me tossir. – Pára de ser fingida! Tu sentes prazer com isto! – Disse apontando para a rapariga. – E és ainda pior do que eu por não lhes entregares a imortalidade... - Todos eles pedem! Eles não sabem o que isto é! Chamas-lhe imortalidade, mas há muito que eu própria já morri! A minha voz estava alterada. Custava-me largar as palavras, apenas saíam entre soluços. Sentia que não aguentaria ficar na sua presença, o meu ódio enfraquecia-me. Virei-lhe as costas e caminhei até à porta. Os seus braços envolveram a minha cintura e ele sussurrou ao meu ouvido: - Um dia saberás a dádiva que tens... – Em seguida mordeu a minha orelha, fazendo um arrepio percorrer a minha espinha. - Tira as tuas mãos nojentas de cima de mim! – Disse eu, baixo e pausadamente para que não percebesse o meu nervosismo. Caminhei rapidamente pelas ruas tentando esconder-me na multidão. Tinha aquela esperança idiota de que ele não me encontrasse, embora só não o fizesse se não quisesse. Passei a noite num beco nojento. Tudo seria melhor do que passar a noite na mesma casa que ele. Não queria sentir a sua respiração, a sua voz rouca e melodiosa. E sobretudo, não queria sentir o desejo de contacto físico corroer-me por dentro. Sentada no meu canto, por entre as sombras misturadas com a minha roupa negra vi dois vagabundos lutarem por um saco de comida. Vi um grupo de adolescentes venderem o seu corpo a quem quer que fosse a passar. Vi uma velhota também encolhida num canto, por entre jornais, com o medo de ser atacada estampado no rosto. Pela primeira vez em anos acordava para a dura realidade de uma Nova Iorque suja e fria onde reinava o sofrimento humano. Recordações da minha vida como mortal voltavam à minha mente. Nunca pertenci àquele mundo, sempre tive uma cama quente, uma família interessada e um grupo íntimo de amigos. Lembrava-me de rir e chorar nessa altura sem qualquer medo ou dificuldade de expressar as minhas emoções, e agora, mesmo que quisesse fazê-lo, tinha-se tornado impossível por trás de um rosto branco de mármore. Levantei-me assim que amanheceu, protegendo a pele frágil da minha cara com o gorro do casaco que trazia por baixo do casaco de ganga. Era Primavera, mas a ausência de calor nas minhas veias fazia com que tivesse sempre frio. Senti um aroma agradável no ar. O aroma agradável com que escolhia nas minhas presas. É difícil explicar, mas é o mesmo armo com que se classifica a beleza de uma flor. Aquele aroma único e belo, que nos atrai antes de conhecer a personalidade da pessoa. Virei-me para descobrir quem me atraía tão fortemente nas ruas agitadas. Um jovem pálido de cabelos escuros caminhava apressadamente com cuidado para não entornar o café que levava na mão. Tinha a aparência europeia que normalmente escolhia nas minhas vítimas. Segui-o. Parecia ter uma vida aborrecida. Passava a vida no trajecto casa, faculdade. À noite, quando chegava ao seu apartamento numa zona perigosa da cidade afogava-se em comprimidos e adormecia. Observei-o durante três dias e três noites, sem ter coragem de o atacar. O que ele atraía em mim era diferente daquilo que via em todos aqueles que tinha matado ao longo dos anos. Havia um prédio com vista privilegiada para o seu apartamento. O seu telhado era o meu posto de vigia. Ele tinha uma mesa encostada à janela onde era capaz de ficar horas a fio a desenhar. - Apaixonada? Só podes estar a brincar. Era ele. Tinha-me seguido outra vez. Não pude deixar de me perguntar o tempo em que ele me tinha estado a observar. - Não te devo explicações. – Disse com um sorriso sarcástico nos lábios. - Na verdade deves. – Esclareceu ele. Virei-lhe as costas e fui-me embora. Ele seguiu-me como uma sombra. - Olha para ele! É um falhado! Para que é que o queres? – Troçava ele ao meu ouvido. - Ele é o meu eu que mataste. – Respondi-lhe. Entrei no nosso apartamento sendo seguida por ele. Jaziam os corpos de três prostitutas no chão da sala de estar. Duas raparigas loiras e uma morena, todas na casa dos vinte anos. - Por amor de Deus! Não vives sozinho. Despachas os cadáveres depois de matares. – Refilei. Descalcei os ténis e caminhei pesadamente até ao quarto. Estava esgotada pela imagem do jovem mortal que invadia a minha mente a todos os segundos. O vampiro empurrou-me contra a parede mais próxima, deixando-me de costas para ele. - Sabes que fiz amor com aquelas três raparigas antes de as matar? – Sussurrou ao meu ouvido, fazendo mais pressão contra mim. - Achei que sim. – Disse com uma certa dificuldade, tentando disfarçar a dor que ele me causava. - Nenhuma delas o fez da mesma maneira como fizemos da primeira vez. Nenhuma delas tem a tua alma. - Fico lisonjeada, mas preferia não me lembrar. Senão vou ter de tomar banho com lixívia! – Trocei. Ele aumentou a pressão que exercia em mim. A parede onde me prendia fazia-me faltar a respiração. Uma das suas mãos desceu até às minhas calças, abrindo o primeiro botão. Um arrepio percorreu a minha espinha. Fechei os olhos com força. Mais uma vez menti a mim mesma. Gritei dentro da minha cabeça odiar o vampiro, odiar o seu toque e odiar o poder que exercia sobre mim. Mesmo com todas as minhas mentiras uma onda de excitação percorria o meu corpo, apenas semelhante à sensação de beber o sangue humano, ainda quente, ao brotar do pescoço das vítimas. Mais uma vez deixou-me caída no chão. O meu sangue escorria pelos arranhões no meu peito. Sentia-me suja, usada, fraca. Lembrei-me do rosto do jovem rapaz. Não era digna de aparecer na sua vida. Não era digna de passar por mortal apenas para tocar nos seus lábios frágeis ou tentar reconfortar a dor que ele afogava constantemente com comprimidos. Como seria eu capaz de apaziguar a dor a alguém quando eu própria estava destroçada? O vampiro já tinha saído. Tinha-me deixado ao lado de três cadáveres, pensando que assim eu veria a bênção que me havia dado. Qual bênção? Um leve riso trocista escapou dos meus lábios brancos. - Qual bênção? – Murmurei. Tomei um banho rápido, para reconfortar as minhas feridas. A esperança de ver o rosto do meu recente amado antes do sol nascer aquecia o meu pequeno coração negro. Vesti rapidamente umas calças pretas justas e uma camisa também preta, combinava com a minha alma. Saí de casa e caminhei até ao seu apartamento. Não interferiria. Apenas viveria na sua sombra, na minha ilusão, até os anos passarem e o mortal acabar por me abandonar. Uma dor profunda, como uma facada, incendiava o meu peito quando pensava na morte. O mesmo tinha acontecido quando os meus pais, dos meus amigos. Seria essa a minha maldição? Ver a morte de todos os que amava por retirar vidas todas as noites? O vento frio cortava o meu rosto enquanto caminhava rapidamente. Finalmente cheguei ao seu prédio. Uma onda de horror percorreu a minha mente ao ver a janela do seu quarto aberta. - Por favor não... – Implorei, adivinhando o que acontecia. Entrei silenciosamente, algo que percebi ser desnecessário quando vi o meu mestre com os dentes cravados no pescoço do meu amado. O seu peito esforçava-se para receber ar, o medo dominava o seu olhar e, no entanto, ele nunca me pareceu tão belo. Os seus olhos claros fixaram-se em mim, não como medo, não como súplica, nem como desafio. Agora o seu olhar transmitia um alívio que não conseguia entender. Finalmente acordei do meu transe. - Larga-o! – Ordenei. Ele cumpriu a minha ordem, deixando cair o corpo do rapaz no chão. Ele ainda respirava, mas tinha perdido muito sangue, não sobreviveria. - Meu anjo... – Soltou o rapaz, com dificuldade, tentando acariciar o meu rosto, mas sem força suficiente para levantar o braço. - O quê? – Perguntei confusa. - Tomaste conta de mim, eu vi-te... e agora vieste buscar-me. – Disse ele, esboçando um sorriso frágil. Eu sorri para ele, mais uma vez mentiria. Reconfortaria o meu amado no seu leito de morte. O vampiro riu, na sua arrogância, no seu prazer sádico de espalhar dor e sofrimento por onde passasse. - Ela pode salvar-te rapaz! – Informou ele. O rapaz não pareceu ouvir. Concentrava-se no meu rosto enquanto eu acariciava os seus cabelos negros. - Estás à espera que ele morra? Que idiota! Podes escravizá-lo! Obrigá-lo a amar-te por lhe salvares a vida! – Ele parecia ter enlouquecido, mas eu ignorava-o. O que realmente importava era ele, o meu amado. – De que estás à espera? Dá-lhe o teu sangue! Torna-o tão vampiro como tu! Uma expressão de medo invadiu o rosto delicado do rapaz, subitamente pareceu uma criança. Inocente e indefeso. Nesse momento amei-o mais que nunca. E mentiria. Mentiria para que não mo pedisse. Não me pedisse que o salvasse. - Ele mente, eu sou o teu anjo, não uma criatura das trevas. Podes partir em paz. Ele soltou um último suspiro, fechando os olhos. Tinha morrido. O meu amado tinha morrido. O meu corpo tremia. Sentia-me fraca. Fraca perante a morte e fraca perante a vida. O vampiro caminhou até mim e levantou-me pelo colarinho da camisa, afastando-me do corpo do rapaz. O seu estalo rasgou a minha face, deixando escorrer um fio de sangue. Quando ele deixou o apartamento voltei a segurar o corpo sem vida do rapaz. Aí chorei. As lágrimas presas durante anos brotaram dos meus olhos, abundantes, incontroláveis. Sentia-me vazia e ao mesmo tempo completa. O sol nascia e os seus raios começavam a desfazer a minha pele. Matavam-me, mas nunca me sentira tão viva. Voltei a olhar para o rosto frio do rapaz e sorri. Encostei a cabeça ao peito dele. - Como estamos enganados ao pensar que imortalidade é nunca morrer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

blá blá blá...
as reviews são mt importantes...
blá blá blá...
deixem uma...
;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Pequena Vampira - Conto de Um Vampiro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.