A Pequena Vampira - Conto de Um Vampiro escrita por Blood Tears
Caminhava silenciosamente pelas ruas movimentadas de Nova Iorque. Passava despercebida por entre os mortais que me rodeavam. Cidade barulhenta! Como odeio todos aqueles mortais, com a sua cobiça e mania de superioridade. Indiferentes a tudo a não ser ao ser próprio umbigo. Falam, gritam, riem. Como os invejo. A minha presa caminhava alguns metros à minha frente. Bela. Uma beleza irlandesa, talvez escocesa, com o seu belo cabelo ruivo e olhos claros. O seu cabelo ondulava com os seus passos rápidos, trazendo uma fragrância suave até mim. Como era atraente, sem saber aquilo que despertava aos seres mais sensíveis à sua volta. Tinha no máximo vinte anos. Uma rosa à procura de uma nova vida. Como a adorava. Era um verdadeiro regalo para os olhos... e provavelmente para o estômago. A rapariga apercebeu-se de que era seguida. Acelerou o passo, segurando a tira frágil da sua mala. Não pude deixar de conter um sorriso. Mantive o meu passo calmo com que a seguia, de mãos metidas nos bolsos do meu casaco de ganga e franja negra caída nos olhos. Entrei numa rua secundária sombria, onde subi o prédio pela escada de incêndio. Corri em passo firme e silencioso pelos telhados. Quando cheguei ao prédio que procurava desci pelas escadas de segurança e entrei pela janela aberta do apartamento. A rapariga acabava de entrar. Trancava a porta, as suas mãos tremiam e tinha a respiração ofegante. Caminhei até ela. A jovem não se apercebeu da minha presença até estar a uns dois passos do seu corpo. Não conseguiu gritar. Os seus olhos verdes fixaram-se nos meus cinzentos, quase transparentes. Tinha uma expressão de pânico estampada no seu belo rosto. Pedi o seu silêncio colocando o dedo indicador sob os seus lábios rosados. Ela fechou os seus olhos, como que entregando-se a mim. Deixei a minha mão passar pelo seu pescoço, parando no seu peito, exposto pelo decote um pouco exagerado da sua blusa. Aproximei a minha boca do seu pescoço, com a respiração um pouco ofegante da antecipação do meu prazer pecaminoso. A sua pele arrepiou-se levemente quando lhe cravei os meus caninos desenvolvidos. Finalmente senti o calor do seu sangue escorrer pela minha garganta. Aquele gosto doce de que não me conseguia saciar. A expressão no seu rosto era agora de um imenso prazer. Um prazer doentio que parecia desajustado na sua cara inocente. - Transforma-me em alguém como tu... – Implorou num último sopro de vida. - Não. – Neguei eu, largando o seu pescoço, fazendo-a cair inerte no chão. Estava morta. Tinha apenas dois pequenos furos no seu pescoço que tornavam a visão num misto de desconforto e medo. De resto parecia um anjo, coma sua pele pálida e cabelo quente. Os seus olhos estavam abertos, sem brilho. Ajoelhei-me ao seu lado e fechei-lhos delicadamente. - Lamento muito... – murmurei. Era aquele peso horrível sob os meus ombros. Arrependimento. Como gostaria de não o sentir! Como gostaria de ser como qualquer um dos outros, tanto mortais, como imortais! Como gostaria de ser indiferente e centrada em mim, sem me preocupar com o sofrimento que causava! Como gostaria de poder soltar uma lágrima, uma lágrima para me livrar dos meus pecados, da minha culpa. Como gostaria... - Até quando vais manter esse discurso lamechas? Até quando vais continuar com esse discurso hipócrita: coitadinha de mim! É tão mau ser um vampiro! Sou tão infeliz! Quem me dera poder morrer! Levantei-me lentamente. Olhei na direcção de onde me falavam. O meu criador, o meu mestre, a criatura que mais odiava no mundo. Um homem alto, de cabelos louros desgrenhados caídos um pouco abaixo dos ombros. Aquele aspecto sujo, porém atraente. Um homem que odiava e ao mesmo tempo queria ter na cama comigo. - Eu nunca, nunca te perdoarei! – Rosnei, cerrando os dentes. Ele fez um sorriso trocista. Tragava o seu cigarro lentamente enquanto se aproximava de mim. - Eu fiz o que tu me pediste, tal como ela te pediu... – Ele soltou o fumo do cigarro para a minha cara, fazendo-me tossir. – Pára de ser fingida! Tu sentes prazer com isto! – Disse apontando para a rapariga. – E és ainda pior do que eu por não lhes entregares a imortalidade... - Todos eles pedem! Eles não sabem o que isto é! Chamas-lhe imortalidade, mas há muito que eu própria já morri! A minha voz estava alterada. Custava-me largar as palavras, apenas saíam entre soluços. Sentia que não aguentaria ficar na sua presença, o meu ódio enfraquecia-me. Virei-lhe as costas e caminhei até à porta. Os seus braços envolveram a minha cintura e ele sussurrou ao meu ouvido: - Um dia saberás a dádiva que tens... – Em seguida mordeu a minha orelha, fazendo um arrepio percorrer a minha espinha. - Tira as tuas mãos nojentas de cima de mim! – Disse eu, baixo e pausadamente para que não percebesse o meu nervosismo. Caminhei rapidamente pelas ruas tentando esconder-me na multidão. Tinha aquela esperança idiota de que ele não me encontrasse, embora só não o fizesse se não quisesse. Passei a noite num beco nojento. Tudo seria melhor do que passar a noite na mesma casa que ele. Não queria sentir a sua respiração, a sua voz rouca e melodiosa. E sobretudo, não queria sentir o desejo de contacto físico corroer-me por dentro. Sentada no meu canto, por entre as sombras misturadas com a minha roupa negra vi dois vagabundos lutarem por um saco de comida. Vi um grupo de adolescentes venderem o seu corpo a quem quer que fosse a passar. Vi uma velhota também encolhida num canto, por entre jornais, com o medo de ser atacada estampado no rosto. Pela primeira vez em anos acordava para a dura realidade de uma Nova Iorque suja e fria onde reinava o sofrimento humano. Recordações da minha vida como mortal voltavam à minha mente. Nunca pertenci àquele mundo, sempre tive uma cama quente, uma família interessada e um grupo íntimo de amigos. Lembrava-me de rir e chorar nessa altura sem qualquer medo ou dificuldade de expressar as minhas emoções, e agora, mesmo que quisesse fazê-lo, tinha-se tornado impossível por trás de um rosto branco de mármore. Levantei-me assim que amanheceu, protegendo a pele frágil da minha cara com o gorro do casaco que trazia por baixo do casaco de ganga. Era Primavera, mas a ausência de calor nas minhas veias fazia com que tivesse sempre frio. Senti um aroma agradável no ar. O aroma agradável com que escolhia nas minhas presas. É difícil explicar, mas é o mesmo armo com que se classifica a beleza de uma flor. Aquele aroma único e belo, que nos atrai antes de conhecer a personalidade da pessoa. Virei-me para descobrir quem me atraía tão fortemente nas ruas agitadas. Um jovem pálido de cabelos escuros caminhava apressadamente com cuidado para não entornar o café que levava na mão. Tinha a aparência europeia que normalmente escolhia nas minhas vítimas. Segui-o. Parecia ter uma vida aborrecida. Passava a vida no trajecto casa, faculdade. À noite, quando chegava ao seu apartamento numa zona perigosa da cidade afogava-se em comprimidos e adormecia. Observei-o durante três dias e três noites, sem ter coragem de o atacar. O que ele atraía em mim era diferente daquilo que via em todos aqueles que tinha matado ao longo dos anos. Havia um prédio com vista privilegiada para o seu apartamento. O seu telhado era o meu posto de vigia. Ele tinha uma mesa encostada à janela onde era capaz de ficar horas a fio a desenhar. - Apaixonada? Só podes estar a brincar. Era ele. Tinha-me seguido outra vez. Não pude deixar de me perguntar o tempo em que ele me tinha estado a observar. - Não te devo explicações. – Disse com um sorriso sarcástico nos lábios. - Na verdade deves. – Esclareceu ele. Virei-lhe as costas e fui-me embora. Ele seguiu-me como uma sombra. - Olha para ele! É um falhado! Para que é que o queres? – Troçava ele ao meu ouvido. - Ele é o meu eu que mataste. – Respondi-lhe. Entrei no nosso apartamento sendo seguida por ele. Jaziam os corpos de três prostitutas no chão da sala de estar. Duas raparigas loiras e uma morena, todas na casa dos vinte anos. - Por amor de Deus! Não vives sozinho. Despachas os cadáveres depois de matares. – Refilei. Descalcei os ténis e caminhei pesadamente até ao quarto. Estava esgotada pela imagem do jovem mortal que invadia a minha mente a todos os segundos. O vampiro empurrou-me contra a parede mais próxima, deixando-me de costas para ele. - Sabes que fiz amor com aquelas três raparigas antes de as matar? – Sussurrou ao meu ouvido, fazendo mais pressão contra mim. - Achei que sim. – Disse com uma certa dificuldade, tentando disfarçar a dor que ele me causava. - Nenhuma delas o fez da mesma maneira como fizemos da primeira vez. Nenhuma delas tem a tua alma. - Fico lisonjeada, mas preferia não me lembrar. Senão vou ter de tomar banho com lixívia! – Trocei. Ele aumentou a pressão que exercia em mim. A parede onde me prendia fazia-me faltar a respiração. Uma das suas mãos desceu até às minhas calças, abrindo o primeiro botão. Um arrepio percorreu a minha espinha. Fechei os olhos com força. Mais uma vez menti a mim mesma. Gritei dentro da minha cabeça odiar o vampiro, odiar o seu toque e odiar o poder que exercia sobre mim. Mesmo com todas as minhas mentiras uma onda de excitação percorria o meu corpo, apenas semelhante à sensação de beber o sangue humano, ainda quente, ao brotar do pescoço das vítimas. Mais uma vez deixou-me caída no chão. O meu sangue escorria pelos arranhões no meu peito. Sentia-me suja, usada, fraca. Lembrei-me do rosto do jovem rapaz. Não era digna de aparecer na sua vida. Não era digna de passar por mortal apenas para tocar nos seus lábios frágeis ou tentar reconfortar a dor que ele afogava constantemente com comprimidos. Como seria eu capaz de apaziguar a dor a alguém quando eu própria estava destroçada? O vampiro já tinha saído. Tinha-me deixado ao lado de três cadáveres, pensando que assim eu veria a bênção que me havia dado. Qual bênção? Um leve riso trocista escapou dos meus lábios brancos. - Qual bênção? – Murmurei. Tomei um banho rápido, para reconfortar as minhas feridas. A esperança de ver o rosto do meu recente amado antes do sol nascer aquecia o meu pequeno coração negro. Vesti rapidamente umas calças pretas justas e uma camisa também preta, combinava com a minha alma. Saí de casa e caminhei até ao seu apartamento. Não interferiria. Apenas viveria na sua sombra, na minha ilusão, até os anos passarem e o mortal acabar por me abandonar. Uma dor profunda, como uma facada, incendiava o meu peito quando pensava na morte. O mesmo tinha acontecido quando os meus pais, dos meus amigos. Seria essa a minha maldição? Ver a morte de todos os que amava por retirar vidas todas as noites? O vento frio cortava o meu rosto enquanto caminhava rapidamente. Finalmente cheguei ao seu prédio. Uma onda de horror percorreu a minha mente ao ver a janela do seu quarto aberta. - Por favor não... – Implorei, adivinhando o que acontecia. Entrei silenciosamente, algo que percebi ser desnecessário quando vi o meu mestre com os dentes cravados no pescoço do meu amado. O seu peito esforçava-se para receber ar, o medo dominava o seu olhar e, no entanto, ele nunca me pareceu tão belo. Os seus olhos claros fixaram-se em mim, não como medo, não como súplica, nem como desafio. Agora o seu olhar transmitia um alívio que não conseguia entender. Finalmente acordei do meu transe. - Larga-o! – Ordenei. Ele cumpriu a minha ordem, deixando cair o corpo do rapaz no chão. Ele ainda respirava, mas tinha perdido muito sangue, não sobreviveria. - Meu anjo... – Soltou o rapaz, com dificuldade, tentando acariciar o meu rosto, mas sem força suficiente para levantar o braço. - O quê? – Perguntei confusa. - Tomaste conta de mim, eu vi-te... e agora vieste buscar-me. – Disse ele, esboçando um sorriso frágil. Eu sorri para ele, mais uma vez mentiria. Reconfortaria o meu amado no seu leito de morte. O vampiro riu, na sua arrogância, no seu prazer sádico de espalhar dor e sofrimento por onde passasse. - Ela pode salvar-te rapaz! – Informou ele. O rapaz não pareceu ouvir. Concentrava-se no meu rosto enquanto eu acariciava os seus cabelos negros. - Estás à espera que ele morra? Que idiota! Podes escravizá-lo! Obrigá-lo a amar-te por lhe salvares a vida! – Ele parecia ter enlouquecido, mas eu ignorava-o. O que realmente importava era ele, o meu amado. – De que estás à espera? Dá-lhe o teu sangue! Torna-o tão vampiro como tu! Uma expressão de medo invadiu o rosto delicado do rapaz, subitamente pareceu uma criança. Inocente e indefeso. Nesse momento amei-o mais que nunca. E mentiria. Mentiria para que não mo pedisse. Não me pedisse que o salvasse. - Ele mente, eu sou o teu anjo, não uma criatura das trevas. Podes partir em paz. Ele soltou um último suspiro, fechando os olhos. Tinha morrido. O meu amado tinha morrido. O meu corpo tremia. Sentia-me fraca. Fraca perante a morte e fraca perante a vida. O vampiro caminhou até mim e levantou-me pelo colarinho da camisa, afastando-me do corpo do rapaz. O seu estalo rasgou a minha face, deixando escorrer um fio de sangue. Quando ele deixou o apartamento voltei a segurar o corpo sem vida do rapaz. Aí chorei. As lágrimas presas durante anos brotaram dos meus olhos, abundantes, incontroláveis. Sentia-me vazia e ao mesmo tempo completa. O sol nascia e os seus raios começavam a desfazer a minha pele. Matavam-me, mas nunca me sentira tão viva. Voltei a olhar para o rosto frio do rapaz e sorri. Encostei a cabeça ao peito dele. - Como estamos enganados ao pensar que imortalidade é nunca morrer.
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blá blá blá...
as reviews são mt importantes...
blá blá blá...
deixem uma...
;)