Tributo. escrita por lillyjelly


Capítulo 5
A Capital me conhece.


Notas iniciais do capítulo

Nos vemos lá embaixo.



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            Quando acabamos, sou tão rapidamente despachada para a Cerimônia de Abertura que mal tenho tempo de verificar meu traje. Mas confio em Meiryo.

            Uma vez posta na carruagem ao lado de Horn, começo a sentir novamente aquela sensação enojada que me era tão presente desde a Colheita, apenas se ausentando durante meu breve período ao lado de Merot e Meiryo. Reparo em suas roupas. Um terno de qualidade, com um bom corte e bom tecido, cravejado de pedras multicoloridas em lugares estratégicos, como nos punhos e na gola.

            – Uau, ótimo trabalho da Meiryo. Você parece quase atraente – espeta ele.

            Pela primeira vez, reparo no que estou vestindo. Meu bustiê cravejado de pedras multicoloridas, assim como as de Horn, dá a impressão de que tenho muito mais material no busto do que realmente tenho. A saia é de tule preto, armada como a de uma dançarina, e abusadamente curta. Em meus pés, sapatos de salto pretos, cravejados de pedras no bico. É realmente uma roupa muito atraente, mas não vejo algo realmente impressionante nela.

            Reviro os olhos para Horn e me afastou para o outro extremo da carruagem, disposição padrão para os tributos. Para meu desgosto profundo, Horn aproxima-se o suficiente para conseguir cheirar meu cabelo. Não consigo imaginar estar tão atraente ao ponto de Horn, que tem todas as portadoras do crossomo X do Distrito 1 aos seus pés, se aproximar de mim. De qualquer maneiro, acho-o repulsivo e recuo ainda mais, procurando apoio em Meiryo, que nos instrui a ficarmos bem distantes. O alívio percorre meu corpo quando Horn, aos resmungos, afasta-se.

            Somos o primeiro par de tributos a entrar, naturalmente. Aquela sensação ruim, como se tivesse um novelo de lã em minha garganta, assola-me. Não estou preocupada com a opinião da Capital sobre mim, longe disso. Estou preocupada com o possível fracasso de Meiryo. Não que não confie em seus dotes estilísticos – na verdade, nunca vi nenhuma de suas criações, então não posso dizer palavra sobre suas roupas – mas a roupa me parece tão simplória, tão comum aos olhos da exuberante Capital, que não posso deixar de temer por ela.

            Somos anunciados pela reverberante voz de Temple Claudismith e logo os fachos ofuscantes de luz são lançados contra nossos rostos. A multidão empunhando máquinas fotográficas de última geração e berrando nossos nomes junta-se em um espanto coletivo. A luz reflete nas pedrarias de meu bustiê, provocando um efeito multicolorido que reflete por todos os prédios.

            Então o caos começa. Toda a Capital vibra. O chão parece que vai rachar ao meio. Horn apenas mantém o sorriso misterioso de lado, fixando um olhar em um ponto distante. Conheço aquele olhar. É o mesmo que ele usava nos intervalos do colégio que, não importa a sua posição, sempre dá a impressão de que ele está olhando somente para você.

            Graças aos céus, meu traje ofusca toda a minha expressão de lesma morta. Todos estão tão deslumbrados com o efeito da minha roupa que gritam meu nome, gritam o nome de Horn, gritam nossos sobrenomes, que se deram ao trabalho de aprenderem devido do esplendor de nossa aparição.

            – Você sabia disso? – vocifero para Horn.

            – É claro, lindinha. Alguém ter que ser o cérebro dessa dupla.

            Só então percebo que sua mão, cheia de segundas intenções, vinha se esgueirando por trás de mim e entrelaçando minha cintura. Afasto-me com repulsa.

            – Não somos uma dupla. Aliás, o mais próximo de afeição que vamos chegar é eu não empurrar você imediatamente dessa carruagem. Mas apenas porque os meus futuros patrocinadores estarão nos assistindo – sussurro, cerrando os dentes. Minha afeição por Horn, antes já expressa em números negativos, cai a cada palavra que ele pronuncia.

            – Como quiser, lindinha – ele dá de ombros, e eu me sinto aliviada por ter momentaneamente me livrado dele.

            Enquanto isso, me concentro em fascinar a multidão. O efeito de nossas pedrarias contra as fortes luzes da Capital reflete nos prédios espelhados, fazendo todo o ar parecer uma confusão multicolorida de tonalidades de rosa, vermelho, amarelo, laranja, azul, verde... O céu, refletido pelos prédios, assume o tom de um arco-íris que o preenche por completo. Aquelas não são pedras naturais, as encontradas na natureza. São modificadas, certamente, para possuírem um poder de brilho e reflexão de cores bem mais elevadas do que as naturais. Pedras preciosas comuns não refletem suas cores ao ponto de modificar a tonalidade do céu. O entardecer naquele dia prometia ser nublado e sem-graça, até que as criações de Meiryo o coloriram.

            Minha estratégia até agora tem sido parecer simplesmente carrancuda e raivosa. Isso estranhamente costuma atrair hordas de admiradores para o portador desse comportamento, de modo que mantenho essa expressão. Não é difícil, porque possuo uma carranca natural desde que me conheço por gente e também porque odeio tudo isso. Odeio ter que ser manipulada por essas pessoas para que gostem de mim, odeio que minha vida inútil dependa desses rostos deformados e cabeças vazias.

            Ao fim do percurso, entramos por um grande portão que nos conduz para dentro do prédio do Centro de Treinamento de novo. Assistimos a reprise dos outros desfiles enquanto jantamos, desta vez na companhia de Ivy, Chalvord, Meiryo e um homem de moicano vermelho com um enorme cordão de penas pendendo do quadril, chamado Halo, que descubro ser o estilista de Horn. A diferença entre a pequenina e angelical Meiryo e o barulhento e exótico Halo é gritante. Eles obviamente não se dão bem como equipe. Halo corta todas as frases de Meiryo, e sinto um impulso em atacá-lo. Mas, como, segundo Ivy, ele era uma pessoa influente na Capital, controlo meus instintos e sou, no máximo, cortês com ele.

            Por que raios me preocupo com o que a Capital pensa de mim? Vou morrer na arena, isso é claro e límpido. Não me importa, afinal, não sinto motivos fortes o suficiente para lutar com afinco por minha vida naquela arena. Mas não desejo morrer logo de cara: quero ser uma das últimas, mostrar ao meu distrito que não sou fraca como eles pensavam, de modo que tento, sim, ganhar alguns patrocinadores.

            Os trajes dos outros tributos de modo algum de comparam à entrada feérica minha e de Horn. Assistimos Meiryo e Halo recebendo os cumprimentos das hordas de jornalistas. Halo parece tomar todo o crédito para si próprio, como se fosse um pirulito nas mãos de uma criancinha. Meiryo, em sua ausência de complementos mais exóticos que suas asas, parece inteiramente deslocada em meio a multidão de pessoas. Troco um olhar significativo com ela. Em troca, recebo um gesto de “deixa pra lá”, mas meu sangue ferve por baixo da minha máscara sorridente.

            Cumprimentamos Halo e Meiryo adequadamente e eu e Horn somos dispensados, com a desculpa de que temos um longo dia pela frente amanhã. É verdade. Vamos pela primeira vez ao centro de treinamento, receber os devidos preparativos para os Jogos. Pretendo me dedicar realmente nos próximos dias, uma vez que, ao contrário dos outros tributos Carreiristas, preciso começar do zero. Nunca me dei ao trabalho de aprender métodos de sobrevivência, táticas de combate ou qualquer coisa que possa me manter viva naquela arena. Tenho tanta possibilidade de ser morta pelos outros tributos quanto de morrer pelos efeitos naturais, como fome, sede ou doença.

            Isso me incomoda um pouco a princípio, mas estou tão cansada que não demoro a cair no sono. Imersa em um estado de letargia profunda, tenho uma noite de sono pesada e sem sonos, para meu alívio.

            No dia seguinte, acordo com um telefonema da voz irritante de Ivy Howell, ordenando que eu me vista e desça para o café o mais rápido possível. Por isso, tomo um longo banho de pelo menos vinte minutos, mesmo sabendo que vou me sujar, suar e me cansar no treinamento, e visto uma roupa que me foi designada para a situação: um par de bermudas preta simples e uma bata vermelha. Vermelha como sangue. Estremeço.

            Lá embaixo, Ivy, Chalvord e Horn já se encontram limpos e totalmente acordados, com os pratos sendo carregados por atarefados Avoxes. Bom, menos o de Horn. Ele continua a apanhar mais e mais variedades de pãezinhos, geléias, torradas e bolos, como se fosse a última vez que estivesse vendo comida na vida.

            Não como muito, pois mal consigo me lembrar de minha comilança no trem sem contrair uma sensação desagradável de náuseas. No fim, todos nós temos que esperar Horn, que, imerso em sua comilança ininterrupta, faz-nos atrasar dez minutos para o treinamento.

            Não visto vestes iguais a de Horn, o que é bom. A maioria dos outros tributos se concentrava nos estandes portadores de armas mais mortíferas, como manuseio de lanças, lançamento de facas e porte de outros objetos pontiagudos. Observo o garoto do 7 atirar com precisão um machado na garganta de um boneco de pano e estremeço.

            Temos quatro dias para absorvermos tudo o que pudermos desse conhecimento de sobrevivência na arena. Para alguns, isso não passa de uma oportunidade de amedrontar os demais tributos com seus dotes mortais. Porém, para outros, é uma última chance de agarrar-se a alguma esperança de sobreviver mais que alguns instantes naquela arena.

            Os próximos dias são torturantes. Viajo entre as inúmeras estações, recebendo as primeiras lições com uma faca, uma lança ou aprendendo os primeiros passos de como reconhecer animais ou plantas venenosas. Apesar de dar tudo de mim, vejo com clareza os olhares de surpresa dos outros tributos ao perceberem que a menina do 1, geralmente tão feroz e mortífera, não consegue nem segurar uma lança direito.

            Horn, para meu alívio, não me segue nas estações. Concentra-se no levantamento de pesos e manuseio de armas. Não precisa aprender sobre sobrevivência: reunir-se-a-rá com os tributos do 4 e do 2, e irão conseguir toda a comida na Cornucópia, bem como o crédito por pelo menos 60% das mortes e uma coroa no final dos Jogos. Tão típico que nem se preocupa em prevenir-se.

            Porém começo a duvidar desse plano quando, no terceiro dia, o menino do 4 se aproxima de mim na estação de camuflagem. Não trocamos palavra. Ele é o único dos carreiristas habituais que eu não vi onipresente nas estações mais mortais, mas sim aprendendo sobre plantas, animais e demais características físicas da arena. Certa vez, o observei enquanto estava na estação de nós. A complexa amarração que demorei três dias para aprender, ele solucionou em menos de cinco segundos. Outra vez, quando estava aprendendo sobre os tipos de peixes que poderíamos encontrar na arena, ele corrigiu a instrutora sobre uma espécie, que ela teimava em dizer que era carnívora, mas ele insistia que se alimentava somente de pequenos crustáceos. Após uma rápida checagem no livro, viu-se que ele estava certo.

            É claro. Distrito 4. Pesca.

            Eu nunca havia reparado mais nele do que nos outros tributos. Posso contar tantas histórias semelhantes sobre qualquer um. A única diferença que eu podia usar contra ele era que, sempre que eu encarava seu rosto, não conseguia abandonar a imagem de seu sorriso cínico.

            Enquanto a garota de seu distrito aperfeiçoava suas habilidades com um machado, arma que ela estava usando pela primeira vez na vida mas cujas peculiaridades já dominava com perfeição, o garoto atrapalhava-se com as técnicas de camuflagem que o instrutor nos passava. Eu gostava particularmente da estação de camuflagem. Caso as coisas ficassem feias, eu poderia simplesmente sumir em meio à paisagem enquanto os outros tributos se digladiavam na arena. E, se por acaso isso resultasse na morte de todos, eu até teria chances de vencer os Jogos. Camuflagem era um bom negócio para gente que, como eu, tinha tanta habilidade com armas quanto com tortas voadoras.

            O garoto do 4 certamente não era um prodígio nas técnicas de camuflagem. Enquanto demorei menos de dez minutos para sumir em meio ao leito de um laguinho artificial, ele ainda tinha suas dificuldades em desaparecer em meio ao barro. Sua pele morena de sol parecia quase fosforescente contra o mais lamacento barro, enquanto meu tom pálido como mármore desaparecia sob algumas camadas da peculiar mistura de terra e água.

            Não pude deixar de achar tudo aquilo uma situação bastante estranha. Ele era um carreirista, ora. Não deveria se preocupar aprendendo como se camuflar, o que, pelo que parecia, não era uma de suas melhores habilidades.

            – Você não precisa disso, você sabe – soltei depois de uma tortuosa meia hora de silêncio, onde ele ainda fracassava com as técnicas mais rudimentares da camuflagem. – Você é um carreirista.

            Ele deu de ombros.

            – E você não é?

            Refleti sobre isso.

            – Só supostamente.

            – Então estamos no mesmo barco.

            E, desde então, não troquei mais palavra com o garoto do distrito 4.


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Notas finais do capítulo

Não sei exatamente se está bom ou ruim... Talvez minha ansiedade extrema para que cheguem os Jogos me deram a impressão de que ficou ruim. Me digam vocês! Deixem reviews, nhac =3



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