31 De Outubro De 1991 escrita por otaku-chan


Capítulo 1
Capítulo único




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Nunca havia gostado dessas festas. Hn, halloween... Dia das bruxas.

Me vi forçado a fugir daquele salão com tanta gente fantasiada de sei lá o que. E agora eu não sei mais onde eu estou, literalmente. Não conheço as redondezas. Na verdade, não conheço nada, afinal, estamos em Veneza. Viemos pra cá em um grupo de 5 numa viagem a convite de um amigo. Eu, Afrodite, Aldebaran, Shura e Máscara (o amigo).

Ah, mas pouco me importa também. Eu só quero me sentar e descansar as pernas.

A noite está bastante fria, uma vez que o inverno se aproxima aos poucos e há muita névoa que não dá nem pra distinguir o meio fio das ruas. Mas uma coisa me chamou a atenção.

No meio da névoa acho um banco de praça, porém, não está vazio. Um rapaz encontra-se sentado com a cabeça baixa, parecendo dormir. Como eu estou cansado, me aproximo com a intenção de sentar, uma vez que não vejo mais nenhum banco onde possa me sentar.

Ao me aproximar, vejo que não dorme, mas sim, olha fixamente para um ponto em particular na Lagoa. Pode estar pensando em qualquer coisa, mas tenho a sensação de que aquela Lagoa o traz alguma lembrança. E pelo seu olhar, nada boa.

“Posso me sentar aqui?”

Nunca na minha vida havia visto olhos tão bonitos. Nem nunca imaginei que alguém pudesse ter olhos de um castanho tão avermelhados... Lindos... Pareciam duas cerejas. E da mesma cor que os cabelos. Cabelos tão ruivos que parecem ser pintados.

Tudo o que ele me deu foi um sorriso triste e voltou a fitar a Lagoa. Resolvi tomar isso como um sim.

Nem percebi que reclamava demais, e acabei atraindo a atenção dele pra cima de mim. Resolvi ser mais simpático.

“Desculpe. É que não sou muito fã dessas coisas” – deixo claro que me referia a fantasia – “mas parece que sou voto vencido quando o assunto é festa”.

“Você e todos aqui. Os italianos são bem alegres.” – ao terminar percebi seu sotaque: francês. – “É estrangeiro, pelo visto.” – continuou ele, parecendo bem mais interessado em mim do que na Lagoa agora.

“Sim, grego. E você também é, não é mesmo? Francês?” – vi o susto em seus olhos – “É que eu passei um tempo na França. Reparei seu sotaque.” – não sei porque, mas não consegui segurar a língua – “E em você também. Italianos não costumam ser tão brancos e nem tão exóticos como você”. – aquilo tirou dele um sorriso triste.

Merci” – agradeceu em sua língua mãe – “Nem todos tem essa capacidade que você tem” – e voltou a observar o rio a nossa frente. – “Deveria, mas não percebem...”

Algo nele soava melancólico, quase depressivo, e de alguma maneira, contrastava perfeitamente com o dia e com o momento. E a cada minuto o frio aumentava e me arrepiava mais e mais. Não queria voltar pra casa do Máscara, pois ficaria sozinho vendo tv, e aquele rapaz parecia que precisava de um ombro ou de ouvidos.

“E não perceberam? Estranho, pois isso é fácil de se ver.” – outro sorriso e ele fechou os olhos. – “Desculpe-me. Eu me chamo Milo Kritólaos” – estendi a mão e ele se assutou – “É que estamos conversando coisas um tanto íntimas aqui e não nos apresentamos.” – ele sorriu e retribuiu o aperto. Certamente ele estava sentindo tanto ou mais frio do que eu, pois sua mão estava gelada. – “Eu me chamo Camus Debret”.

Ficamos um tempo assim, em silêncio, e depois ele resolveu falar.

“Eu venho aqui todas as noites. As pessoas passam, mas ninguém fala comigo.Você foi o primeiro.”

“As pessoas tem seus problemas, né? Mas se quiser, eu vou embora, não quero atrapalhar.”

“De maneira alguma, sozinho não cheguei a nenhuma conclusão, talvez uma companhia seja melhor”.

“E o que aconteceu, se é que você quer falar”. – me senti o maior fofoqueiro de plantão. Até parecia que eu conversava assim com qualquer estranho, desconhecido pelas ruas. Mas é estranho, pois me sinto, de alguma maneira, atraído por esse rapaz. Além do mais, ele parecia mesmo com problemas, e eu queria ajudá-lo, de alguma forma. Ele era muito bonito pra ficar com esse ar triste e melancólico.

“Meu namorado nunca me tratou muito bem, sabe?” – acho que ele deu uma pausa pra ver qual seria a minha reação. Como não esbocei nada, deve ter se sentido seguro e prosseguiu – “Teve um dia que a gente estava aqui, de frente pra Lagoa. Eu sempre me dediquei muito a ele, mas nunca ganhei nada dele, nenhuma retribuição.”

“Ele te batia?” – perguntei já achando que o pior tivesse acontecido.

“Era violento, mas nunca chegou a me bater de fato. Me segurava com força, me puxava, me empurrava, mas bater mesmo, nunca. Mas não era por falta de vontade. Acho que a vontade dele extravasou toda de uma vez só no dia em que ele terminou comigo.”

“O que aconteceu?”

“Caí na Lagoa.” – deu um meio sorriso e voltou seu rosto pra mim pela primeira vez. – “Ele me jogou na Lagoa com a maior cara de pau. E depois nunca mais o vi”.

Não sabia o que dizer... Realmente, aquilo era triste. Ele parecia que amava demais aquele cara, mas não era correspondido.

“Nunca me senti amado, querido de verdade. E eu tinha me doado tanto nesse relacionamento...”

“Uma pena, pois você é muito bonito...” – eu de novo, falando sem pensar. Achava que fosse levar uma bofetada ou algo do tipo, mas apenas recebi outro sorriso, dessa vez mais alegre. Vi quando ele olhou timidamente pro chão e me pediu.

“Será que você poderia me beijar?” – fiquei pasmado e ele percebeu, mas continuou depois de um tempo de silêncio – “Eu sei que não nos conhecemos, mas é que, pelo menos uma vez na vida, gostaria de saber o que é ser beijado por alguém que talvez quisesse me beijar...”

Nunca na vida havia feito isso. Achava as pessoas que ficavam pelo prazer funesto de ficar inferiores, medíocres. Mas não dava. Algo nele me enfeitiçava e simplesmente não conseguia segurar meus movimentos, meus impulsos. Era mais forte que eu, que minha mente, que minha razão.

Aquilo foi demais pra mim. Fui me aproximando, segurei seu queixo e encostei meus lábios aos dele. Sabor delicioso. Textura deliciosa. Odor delicioso. Totalmente inebriante, não conseguia parar de saborear seus lábios, sua língua, seu hálito. A sensação era por demais extasiante. Nunca havia sentido aquilo e tenho certeza de que jamais sentirei em toda a minha vida. Era diferente de tudo.

Minha mão ficou úmida e logo percebi que ele chorava. Me afastei e ele estava tão ofegante quanto eu, se deliciando da sensação que foi o beijo. Eu estava atordoado. E fiquei mais ainda com seu sorriso.

“Obrigado” – parecia mais iluminado do que qualquer uz eu eu jamais vira na vida. Mas uma coisa era certa: realizei o sonho de uma pessoa nesta noite.

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“Milo! Vamos indo!”

“Calma, senta aí, Afrodite, deixa ao menos eu assistir o jornal... Já está acabando.”

“Afe, mais essa agora...” – o sueco era o único que não queria ficar mais, e já estávamos de partida pra Grécia. Não entendi nada quando vi a previsão do tempo para o resto da semana, a moça do tempo falando algo sobre a onda de calor continuar.

“Que onda de calor? Ontem a noite fez muito frio...”

“Só no seu mundinho... Ontem fez no mínimo uns trinta e cinco graus, Milo...”

Não entendi nada, me assustando com a informação.

Porém, uma coisa que eu vi me assustou mais ainda.

A reportagem seguinte: a foto de Camus apareceu na televisão. Parece que algo havia acontecido, mas não conseguia entender o que acontecia.

Não conseguia tirar os olhos da tv. Os outros, que já estavam familiarizados com o caso, apenas lastimavam aquela perda. Olhei pro Máscara, vendo que ele parecia saber exatamente do que se tratava, perguntei, querendo entender.

“Ah... Foi uma tragédia, com uma repercursão enorme: o caso do amor francês. Parece que o cara, o tal francês, se não me engano, Camus Debret, era namorado do cara, mas meio que às escondias. Só quem era próximo dele sabia. O tal cara era casado e tudo. E parece que ele foi empurrado pra Lagoa, sendo que ele não sabia nadar.”

“Mas quando foi isso?”

“Ah... Eu era criança quando isso aconteceu. Se não me engano, tem uns 20 anos.”

Juro que não sei o que pensar...


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