Simplesmente Complexo escrita por Julie Blair


Capítulo 35
Capítulo 35




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Voz: Brennan

- Bom dia, Jung.

Disse, me sentindo melhor, e carregando um sorriso no rosto.

- Mani – Aiá, Jung teve sonho...
- Sim, é normal sonhar.

O interrompi.

- Não, Mani – Aiá... Não era desses sonhos comuns... Eram os espíritos, se comunicando com Jung.
- Você sabe que não acredito nessas coisas, não é?
- Jung sabe... Mas Mani – Aiá precisa confiar em Jung... Temos que correr, Abaetês chegam.

Era irracional, mas mesmo não acreditando em suas crenças, acreditei em suas palavras. Tive medo que eles estivessem chegando... Tive medo que nos encontrassem, tive medo pelas nossas vidas.

- Vamos, Jung. Vamos agora.

Jung concordou, levantou-se em um pulo, e quando vi, já descia a enorme árvore. Lá embaixo, gritou para que descesse... Não tínhamos tempo a perder. Desci também com pressa, e quando já estávamos lá embaixo, Jung fez sinal para que o seguisse. Estava com fome, Jung sabia... Então apanhou uma de suas frutas desconhecidas, e pediu para que comesse. Não conhecia... Mas estava faminta! Comi com certa pressa, para que pudéssemos chegar à aldeia de Jung o mais rápido possível.

- Mani – Aiá, temos que ir... Abaetês chegam.
- Vamos.

E então, voltamos a andar silenciosamente. Procurávamos andar entre as árvores, atrás de grandes pedras, sem descanso. Jung segurava meu braço, para ter certeza de que estava segura... Enquanto eu o seguia, cuidadosamente. Faziam horas que estávamos em silêncio... Não escutar a voz de Jung me incomodava, de certa forma. Então, como presumi que estávamos seguros, comecei...

- Jung, sua aldeia fica muito longe daqui?
- Mani – Aiá e Jung chegam à aldeia só depois do por do sol...

Tentei não transparecer a surpresa, mas inicialmente achei que a aldeia de Jung não era tão distante assim.

- Mas como você e seu irmão vinham tanto aqui? É longe, muito longe Jung...
- Jung e irmão de Jung vinham pelas árvores, fazendo corrida. Jung é rápido!

Não respondi. Naquele momento, percebi o que Jung fazia e arriscava por mim. Jung podia ter fugido antes sem nunca ser notado, podia me abandonar e pular de árvore em árvore para chegar em sua aldeia mais depressa. Mas não... Jung arriscava a sua vida, tentando salvar a minha.

- Jung, você corre perigo por minha causa... Não é justo.
- Jung não corre perigo por causa de Mani – Aiá.
- Você está mentindo. Jung, por quê? Porque arrisca tanto por mim?

Jung parou, ficando frente a frente a mim. Vi Jung tentar escolher as palavras certas, sem jeito. Mas enfim, seguro, disse...

- Porque Jung ama Mani – Aiá. E Jung aprendeu na aldeia que quando se ama alguém, a gente protege.

Seu tom quase infantil, as palavras pausadas, tudo colaborou para que o abraçasse. Senti seu rosto corar, mas não o larguei tão cedo... Queria que entendesse, que também o amava. Quando enfim me afastei, Jung fez sinal para que continuássemos... E assim fizemos. Andamos por mais horas e horas... Jung me contou lendas e histórias da aldeia que me fizeram perder a noção do tempo... Era realmente interessante. Jung estava feliz, não parecia cansado... As lembranças faziam com que ora ou outra sorrisse, fazendo com que imediatamente sorrisse também. O medo da Boiúna¹, a loucura de Pirarucu², tudo se encontrava em Jung... Como se fosse uma caixinha de histórias, e buscasse conhecimento em cada uma das lendas. Era absurda a idéia de uma cobra gigante, e também a punição dos deuses Tupã³, Pólo¹¹, e Iururaruaçu¹²... Mas, ainda assim, encontrava muito de Jung em cada um dos seus contos.

- Mani – Aiá! Mani – Aiá!

Jung chamou minha atenção, fazendo com que interrompesse meus pensamentos. Não havia visto o por do Sol, a chegada da Lua e o céu se cobrindo de estrelas... Era noite, em um piscar de olhos, sem que pudesse acompanhar sua transição. 

- Mani – Aiá, olha!

Não era a noite que Jung queria que eu visse... Queria que eu visse mais ao longe, luzes que indicavam ser sua aldeia.

- É a aldeia de Jung... Jung voltou pra casa!

Desviei meu olhar das luzes que já ofuscavam meus olhos para Jung... Que sorria, emocionado, de finalmente estar de volta. Jung me pegou pelo braço, e começou a correr com pressa... Tive que acompanhá-lo, pois não me largaria... Mesmo naquele momento tão especial. O cheiro da mata, naquele local, era diferente... Uma mistura de grama molhada com flores frescas. Agradava a mim, e parecia agradar a Jung. A brisa do vento, enquanto corríamos, nos dava boas vindas... Como se realmente pudesse falar. Tudo se resumia no sorriso estampado no rosto de Jung, que unia todas as sensações maravilhosas daquele momento. Quando finalmente chegamos, encontramos todos em volta de uma enorme fogueira... Mas ao enxergarem Jung, esboçaram aquele mesmo sorriso, e correram para abraçá-lo. Cerca de vinte, trinta índios, o cercaram... Todos não contendo a emoção. Não pude enxergar Jung, mas imaginava suas feições... Alegres e emocionadas, como nunca.

- Tribo vai montar festa... Filho de Botiê voltou!

Um homem forte, de postura segura e tom grave, disse. Mais tarde percebi suas semelhanças com Jung, e presumi então que era Botiê. A emoção em suas palavras era clara... Mesmo em seu tom de autoridade.

Jung se sentou ao seu lado, enquanto os demais homens ficaram em pé... Uma tradição, que indicava que Jung era importante em sua aldeia. Jung sorriu para mim, e fez sinal para que sentasse também em volta da fogueira. Botiê, então, começou uma saudação aos deuses... Falava em Tupi, então não pude entender sua saudação ao todo. Mas entendi que agradecia, por Jung estar ali. Quando os agradecimentos cessaram e todos se levantaram para preparar a festa de Jung, Jung me chamou. 

- Mani – Aiá quer dar volta com Jung?
- Claro!

Respondi, com um sorriso no rosto. Jung me contou sobre seu pai Botiê, e seus amigos Zora e Caio enquanto andávamos... Mas sequer mencionou sua posição importante na aldeia. Não conseguindo esconder a curiosidade, comecei...

- Jung, porque não me disse que era o herdeiro de sua aldeia? Você será líder, de tudo isso!

Deixei transparecer o entusiasmo.

- Jung não é corajoso como pai Botiê... Jung tem medo de não ser bom líder.
- É claro que será um bom líder, Jung... Você salvou minha vida!

Vi a expressão de Jung mudar, passando a expressar uma leve tristeza...

- Mas Jung não salvou a vida de irmão Joshua.

Sabia como Jung se culpava pela morte de seu irmão... Embora não fosse sua culpa. Afastei a franja de seus olhos, e então respondi...

- Mas salvou a minha. E por isso estamos aqui... Livres...

Jung voltou a sorrir. O momento era alegre, sobretudo. 

- Acho que precisamos voltar...

Jung concordou, com a cabeça. Entrelacei meus dedos nos dele, e vi suas bochechas corarem. Andamos de mãos dadas, até chegarmos novamente a fogueira. Uma festa já estava montada... Uma festa linda, que impressionou a mim e a Jung.

As barracas uniformes que nos cercavam, um imenso cordão que cobria de ponta a ponta a festa com luzes coloridas, e uma grande mesa cheia de alimentos e bebidas. Tudo que se misturava ao som de instrumentos indígenas diversos... Maracás¹³, reco-recos²¹, trombetas de cuia, bastões de ritmo, entre outros. Jung abriu um sorriso ainda maior ao ver sua festa... E todos responderam também com um sorriso, felizes de ver que Jung estava contente. Novamente o cercaram... Queriam saber em detalhes o que havia acontecido, como havia voltado, entre outras muitas perguntas. Me afastei, estava faminta... Chegando a grande mesa, além de frutas, verduras e carnes, encontrei alguns pratos típicos... Como tapioca, pirão e beiju. Antes mesmo de me servir, uma índia jovem e muito bonita se aproximou. Vestia uma saia rodada acima dos joelhos, e uma confecção que apenas lhe cobria os peitos. A saia elaborada em palha, e a última em fibras naturais. Era magra, sua pele era tão morena quanto à de Jung, e seus cabelos negros e lisos iam até as costas. Seus lábios eram rosados, sua franja não ocultava os belos olhos escuros. Tatuagens lhe cobriam o corpo... Feitas de tinta vermelha e preta, da mesma que pintavam seu rosto. Mais tarde soube que aquela era Zora, de quem Jung tanto havia me falado.

- Você gosta de Jung?

A índia me perguntou, quase que em um tom intimidador.

- Claro que sim... Jung é adorável!

A vi se perder em seus pensamentos, por um longo período, até que a interrompesse...

- Você não queria que gostasse de Jung?
- Não.

Rapidamente, ela respondeu. Fiquei confusa inicialmente, até que pudesse compreender a situação. Zora gostava de Jung, e achava, por mais absurdo que fosse, que gostava de Jung romanticamente. Não pude evitar um riso, antes de responder...

- Gosto de Jung como um amigo... Você é Zora, não é?

Vi sua expressão tensa mudar para uma de alívio com minha resposta, fazendo com que imediatamente estendesse sua mão com um sorriso...

- Prazer!

Estiquei também minha mão, ainda sorrindo, cumprimentando-a...

- Temperance Brennan.

Ficamos o resto da noite conversando sobre Jung. Zora, mesmo que aparentemente tivesse 20, 21 anos, mostrava um comportamento muito adulto. Seu tom era maduro, falava inglês ainda mais fluentemente do que Jung. Seu amor por Jung era visível, estava feliz por finalmente estar de volta. Me contou sobre como cresceram juntos, como Jung sempre foi tímido em sua presença, entre muitas outras coisas. Zora era madura e independente, bonita e firme em suas opiniões e decisões. Jung aparentemente não era compatível com Zora... Assim como Booth e eu.

Repeti, para mim mesma...

Assim como Booth e eu.


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Notas finais do capítulo

Glossário:
1. Imensa cobra que cresce de forma desmensurada, ameaçando a floresta.
2. Índio bravo, guerreiro, de coração perverso.
3. Deus dos deuses.
11. Deus dos relâmpagos.
12. Deusa das torrentes.
13. "Chocalho".
21. Instrumento musical feito com casca de tartaruga.
Nota: Números não tem uma sequência.



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