Entre Mundos escrita por mille_crotti, kat_h


Capítulo 2
Acordando em meio ao Caos


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores!
Tudo bem? Bom, aqui vai o segundo capítulo, esperamos que gostem tá?
Beijos e boa leitura!



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                Ok, você prosseguiu. Tenho que admitir que você é bem corajoso. Não vou mais ficar dando avisos, fui bastante clara no primeiro capítulo, então saiba a escolha foi sua.

                Bom, é aqui que a nossa história começa...

                Dor. Era só isso que eu sentia, uma forte dor de cabeça. Tentei várias vezes antes de conseguir abrir os olhos. Minha vista estava completamente embaçada, mas após piscar algumas (várias) vezes, consegui enxergar bem. Eu estava deitada em algo duro, e minha cabeça latejava. Eu tentei me levantar, mas estava com tontura. Devagar, consegui ficar sentada, mas as imagens que eu via não faziam sentido para mim. Coloquei a mão na cabeça, e descobri o motivo de tanta dor. Eu tinha um belo corte na nuca, que estava com sangue. Respirei fundo, e enquanto esperava a tontura passar eu tentava lembrar o que aconteceu. Mas eu não lembrava. Eu só sabia que estava indo à minha antiga casa na Vila Mariana buscar algumas correspondências extraviadas com meu marido Kauê, minha filha Luísa e minha irmã Karolinne. E depois disso... nada. Aqui estou eu, não sei onde estou, não estou escutando direito, eu tenho um belo corte na nuca e não consigo levantar por causa da tontura.

Respirei fundo mais uma vez, e finalmente consegui me levantar. E foi como se alguém tivesse ligado um rádio no volume máximo. De repente, eu ouvia tudo, e eu via tudo. Prédios e casas pegavam fogo, pessoas corriam desesperadamente pelas ruas, gritando o nome de conhecidos, pessoas feridas e inconscientes estiradas no chão, carros virados, e era possível ouvir várias explosões. Um caos total, era o que eu via.

Sem pensar, saí correndo à procura de meus parentes. Eu precisava encontrá-los. Precisava salvá-los. Meu marido, minha filha, minha irmã... será que eles estavam a salvo? Será que eles... não, não vou pensar nisso.

Caminhei por algum tempo, até que vi o que algo que fez meu sangue gelar. Nosso carro estava capotado, no meio da rua. Imediatamente, lágrimas escorreram por meu rosto, e eu saí correndo em direção a ele. Chegando lá, pude ficar um pouco aliviada. Graças aos deuses, o carro estava vazio. Porém, o alívio passou logo, eles continuavam desaparecidos. Consegui entrar pela janela, e encontrei caída uma blusinha da minha pequena.

Eu ainda estava dentro do carro abraçada à pequena peça de roupa, quando comecei a ouvir um barulho, algo enorme que se arrastava em minha direção. Pessoas passavam correndo gritando, e eu ouvi um homem dizer “FUJAM! TSUNAMI!”. Saí imediatamente do carro, enquanto o barulho ia ficando mais forte. Não ia esperar para ver se o cara falava a verdade, saí correndo. Corri bastante, e então avistei um conjunto de prédios. Rezei para que desse certo. Parei à porta de um deles, e comecei a orientar as pessoas a entrarem e subir pelas escadas o mais alto que conseguissem. Várias pessoas entraram, outras falavam que a idéia era absurda e apenas seguiam correndo. Ajudei uma família com três crianças a entrar, e comecei a subir. A mãe carregava um filho, e o pai tentava carregar os outros dois. Peguei a mais nova do colo do pai e segurei-a em meu colo, e subimos as escadas.

Só paramos quando chegamos aos 12° andar. Estávamos sem fôlego,mas pelo menos estávamos a salvo. Saímos das escadas e percebemos que o prédio era de um hotel, pois tinha um tapete com logotipo na entrada do salão. O andar em que estávamos era, na verdade, dividido em dois: de um lado, um espaço para leitura e descanso, por isso era repleto de sofás, poltronas, pufes, abajures e revistas. De outro, era o restaurante. Algumas pessoas já estavam lá, grupos entrelaçavam as mãos e se abraçavam, buscando segurança e esperança uns nos outros, tentando entender o que estava acontecendo.

A família que ajudei instalou-se em um dos sofás que estavam vagos, coloquei a pequena garotinha que estava segurando ao lado de seus pais. Eu olhei para ela pela primeira vez, e imediatamente lágrimas escorreram por meu rosto. Era uma menininha de aproximadamente um ano e meio, cabelos cacheados e grandes olhos claros. Ela era bem diferente de Luísa, mas a idade, o tamanho e a fragilidade me fizeram lembrar de minha pequena.

Mas meus pensamentos foram interrompidos por um forte tremor, que aumentava cada vez mais. Corri para a janela mais próxima, e vi a pior cena da minha vida. Uma onda gigante, não sei explicar o tamanho, se aproximava de nosso prédio a uma velocidade impressionante. Na rua, vi pessoas correndo da onda, vi pessoas sendo encobertas pela onda e, o que mais me impressionou, vi um grupo de pessoas sentado no meio da rua, de mãos dadas fazendo uma prece, aguardando a morte iminente.

Imediatamente, afastei-me da janela e gritei “SEGUREM-SE!”. Dez segundos depois, sentimos o impacto. O prédio tremeu por inteiro, as luzes piscaram várias vezes até apagar, algumas luminárias vieram ao chão. O primeiro impacto foi o mais forte, e cheguei a pensar que o prédio não resistiria à força da água. Não sei precisar por quanto tempo nosso prédio lutou contra a força que tentava derrubá-lo, mas sei quem em algum momento os tremores pararam, e os lustres já não balançavam mais. A onda havia cessado. Ao meu redor, parentes e amigos se abraçavam, comemorando o fim do tormento. Eu só conseguia pensar em minha família. Entre lágrimas, aproximei-me pela segunda vez das janelas. A onda se fora, mas a água continuava lá. Olhando os prédios vizinhos pude perceber que a água estava muito alta, mais alta do que jamais esteve. Não conseguia ver nenhuma casa, e alguns prédios pequenos estavam completamente submersos.

Voltei para o centro do salão, e pela primeira vez pude observar com clareza o que acontecia. Vários grupos estavam lá, porém muitas pessoas estavam feridas. Aquela cena mexeu comigo. Eu não era médica, mas não podia ficar parada vendo os outros sofrerem. Eu tenho essa mania: sempre ajudar quem precisa. Imediatamente, comecei a falar:

- Er... Oi gente... então... eu posso ver que há muitos feridos, e precisamos ajudar essas pessoas.  Imagino que ninguém tenha olhado pela janela ainda, mas eu olhei e não tenho boas notícias: a cidade está embaixo d’água. E infelizmente não estou falando de dois metros de água, mas eu falo de prédios pequenos completamente submersos. Já que não temos como sair daqui, precisamos nos dividir em duplas. Uma dupla descerá pelas escadas para sabermos exatamente qual a altura da água. Outra dupla vai acompanhar essa, para verificar se tem alguém nas escadas e se essas pessoas precisam de ajuda. E seria bom um outro grupo procurar nos andares abaixo por outros... sobreviventes, na falta de uma palavra melhor, e verificar se eles estão bem e quantos feridos há. Os outros, por favor, venham comigo.  Precisamos procurar por kits de primeiros socorros, toalhas, álcool e tudo o que pudermos usar para ajudar os feridos. – Eles assentiram. – Alguém aqui é médico?

Apenas o pai da família que ajudei se pronunciou.

- Eu sou médico. Meu nome é Dênis.

- Ótimo, Dênis, fique no meu grupo. – Falei. Olhei em volta, e encontrei um caderno de reservas que o maitre usava para anotar seus clientes ao lado de um pote de canetas. Fui até a mesa, peguei o material, rasguei uma folha do caderno e entreguei a Dênis. – Aqui, anote tudo o que acha que pode ser útil. Os outros, por favor, me dêem seus nomes, precisamos saber quem é quem por aqui. Meu nome é Kamille.

Ao pares, algumas pessoas vieram falar comigo. Jana e Carlos foram verificar o nível da água, junto com Ana e Rodrigo, que ajudariam as pessoas que deviam estar nas escadas. Helena, Cátia, Flávia e Roger foram aos andares inferiores em busca de feridos e sobreviventes, enquanto eu, Dênis, Celina e Patrícia (esposa do Dênis) cuidaríamos dos feridos do nosso andar.

Dênis começou a verificar a condição de todos, tinham quatro pessoas com ferimentos leves como cortes e arranhões, e seis pessoas com ferimentos mais graves, como fraturas e cortes profundos.

Enquanto Celina e Patrícia saíram em busca de material no andar de cima, eu e Dênis fomos até a cozinha verificar o que poderia ser útil. Conseguimos bacias d’água, alguns panos de prato, facas e álcool, e imediatamente colocamos a mão na massa.

- Sabe, Kamille, eu estava pensando – Disse Dênis – Geralmente os hotéis tem algum tipo de enfermaria... se dermos sorte, a desse não está debaixo d`água.

- Eu odeio ser pessimista, Dênis, mas acho que sorte não é exatamente algo que está sobrando. Por via das dúvidas, acho melhor esperarmos para procurar, já que por enquanto só temos nós aqui. Mais tarde, eu vou procurar pessoalmente.

- Sim, claro. Vamos, vou te ensinar a limpar os ferimentos, assim, conseguiremos cuidar de duas pessoas ao mesmo tempo.

- Ok, o que eu faço?

- Bom, primeiro, molhe bem um pano na água, depois lave bem o ferimento. E depois, vem o pior... molhe outro pano no álcool e limpe o ferimento. Com todo o que aconteceu, estamos sofrendo um sério risco de infecções, e acredite, não vai ser legal se o machucado de alguém infeccionar nessas condições.

Está bem. Fui ao outro lado do salão, onde havia uma mulher com vários cortes nas pernas. Eu fiz o que Dênis falou, e confesso que morri de dó da moça quando passei o pano com álcool, aquilo devia estar realmente doendo. Mas logo ela estava limpa, e fui cuidar dos outros. Quando terminamos de tratar os ferimentos leves, Celina e Patrícia voltaram com kits de primeiros socorros, toalhas limpas e uma caixinha de costura.

E aí realmente foi a pior parte. Utilizamos as agulhas da caixa de costuras para dar pontos nos cortes profundos, e algumas bandejas da cozinha serviram como tala improvisada para as fraturas. Assim que terminamos, Jana e Carlos voltaram com notícias.

- Bom, Kamille, a água cobriu todo o quinto andar, e no sexto está na altura dos joelhos, por isso nem entramos. Ajudamos os outros dois grupos a procurar sobreviventes, e encontramos mais ou menos vinte pessoas no nono andar, alguns com ferimentos leves. – Disse Carlos.

- Ok, obrigada Carlos. É melhor trazer todo esse pessoal para cá, assim podemos ficar juntos. Além disso, esse é o andar do restaurante, então podemos fazer comida com as provisões dos armários, mas precisaremos de bastante gente, pois estamos em muitos. E... obrigada pela ajuda. – Falei.

- Imagina, Kamille, esse é um momento de união. Temos que nos unir para conseguirmos achar uma solução. – Disse Jana. Eles sorriram e foram chamar as outras pessoas.

Logo depois que eles saíram, senti novamente aquela forte tontura. Tentei me agarrar na primeira coisa que vi a minha frente, uma mesinha pequena com algumas revistas. Mas a mesa estava mais longe que imaginei que estivesse, e eu ia cair de cara no chão se um par de mãos fortes não tivesse me segurado a meio caminho do tapete.

- Ka, você está bem? O que você está sentindo? – Minha visão estava embaçada e eu realmente devia estar mal, por que por um momento pude jurar que quem me salvou era meu marido, Kauê. O choque foi tanto que não consegui responder. Senti a pessoa me segurar no colo e me colocar deitada em um dos sofás. Demorou algum tempo até minha visão voltar ao normal e eu perceber que o meu salvador fora Denis, não o Kauê.

- Kamille? Você está me ouvindo? O que sente? – Ele repetiu a pergunta.

- Eu... err... minha cabeça... estou tonta... e... achei que fosse meu marido... – Provavelmente ainda era fruto da minha imaginação, mas tive a impressão de que Denis ficou meio pálido quando disse isso. Mas logo ele voltou à sua expressão preocupada, então realmente deve ter sido coisa da minha cabeça.

- Deixa eu ver... nossa! Você tem um sério corte aqui, e a julgar pelo sangue seco, ele não é muito recente. De qualquer jeito, vou precisar limpar e dar pontos, por isso... já aviso que vai doer.

Não vou descrever que lavar o corte foi fichinha perto dos pontos, vou apenas dizer que quase desmaiei de dor. Depois que o doutor terminou, ele colocou um curativo no local e disse que eu precisava descansar. Esperei até que ele fosse ao outro lado do salão, e logo me levantei, ignorando completamente suas ordens. Tempo para descansar era algo que nós não tínhamos naquela situação.

Enquanto as pessoas dos outros andares não chegavam, falei com todos que ali estavam e anotei seus nomes. Logo, eu tinha a lista de todos que estavam em nosso prédio, e cada pessoa que chegava eu já me apresentava e pegava seu nome. No total, éramos em quarenta e duas pessoas, mais as três crianças.

Percebi que simultaneamente, como num acordo silencioso, todos estavam calados, com lágrimas nos olhos, procurando encontrar conforto em uma centelha de esperança que estava prestes a se extinguir. Mas eu não podia deixar que isso acontecesse. Enquanto houvesse lugares que não estavam submersos, eu ia procurar minha família. Todos precisávamos ser fortes para passar por isso da maneira mais tranqüila possível. Todos precisávamos de esperança. E com esse pensamento, eu respirei fundo, e comecei a falar:

- Bom, eu não sei explicar como ou porque isso está acontecendo. Na verdade, eu não sei de quase nada. Mas de uma coisa eu tenho certeza: precisamos ser fortes, precisamos nos unir, e o mais importante, precisamos não perder as esperanças. Eu sei que provavelmente perdemos tudo o que tínhamos. Casa, trabalho, dinheiro. Mas temos que pensar que estamos vivos, e é isso que importa. Temos que pensar nos que sobreviveram e começar a agir como uma família, na qual um ajuda o outro. Tenho certeza de que vocês perderam vários amigos e parentes, mas saibam que isso aconteceu com todos, inclusive comigo. Eu acordei há algumas horas, no meio da rua, sem saber sequer como eu fui parar lá. A única coisa que eu lembro, é que antes de eu apagar eu estava com a minha irmã, a minha filha e o meu marido. – Novamente, lágrimas teimavam em cair por meu rosto – Mas eu não vou desistir. Enquanto houver um pequeno espaço de terra que não está submerso, eu vou procurá-los. Eu tenho esperança, e é ela que não permite que eu me entregue aos meus medos e às minhas dores. Por isso, só peço duas coisas de vocês: união e esperança. Eu ainda não sei como, mas nós daremos um jeito de sair por ai procurando sobreviventes. E, provavelmente, assim como nós, em outros prédios tem pessoas reunidas, esperando a água baixar para sair em busca de parentes e conhecidos. Por enquanto, o máximo que podemos fazer é esperar e cuidarmos uns dos outros. Eu vou aos andares de baixo ver se há alguém que ficou para trás ou se h’a mais alguma coisa que pode ser útil, principalmente no sexto andar, que não foi vistoriado.

Falei isso, e logo saí em direção às escadas. Eu precisava respirar, precisava de um pouco de ar puro. Desci as escadas, parando em cada andar para ver o que tinha. Eu já tinha tido a idéia de instalar o pessoal nos quartos, mas nos andares acima do 12. Do jeito que as coisas estavam estranhas, não me surpreenderia se logo mais viesse outra onda gigante.

Cheguei ao sexto andar e mesmo com a água nos joelhos vasculhei tudo, mas não havia nada além de mais quartos, todos alagados. Dentro de um dos quartos, tinha um ursinho de pelúcia abandonado em cima da cama. Peguei o bichinho e voltei pelo corredor. Parei em frente a uma janela, observando o nível da água e a extensão dos estragos. Alguns prédios ainda tinham incêndios nos andares mais altos. Olhei para o ursinho, igual ao que eu tinha quando criança, e sorri lembrando como era minha vida antes de tudo isso, lembrando da minha família e dos bons momentos que passamos. E foi assim que a minha pose de durona foi por água abaixo, e eu caí sobre os joelhos, chorando feito uma criancinha abraçada em seu ursinho de pelúcia.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?
Por favor nos deixem reviews, precisamos da opinião de vocês para continuar!
Beijos