Um Estranho Incidente escrita por Janus


Capítulo 1
Capítulo 1




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 Eu devia ter ficado em casa naquele dia... Mas ainda bem que não fiquei.

 Olhei novamente para aquela “pequena” elevação e senti náuseas de novo. Certo, era minha vez e eu tinha ido até lá para isso. Não estava incomodado com os doze quilos de lama que já se acumulavam em minha roupa , que eu tinha escolhido para aquela ocasião, pois depois de outras aventuras no mato já estava bem gabaritado para aquilo. O jipe, coitado, ficando atolado a cada quinze metros, e nós tendo que empurra-lo, desenterra-lo, carrega-lo, arrasta-lo, etc. Ainda me pergunto o porque de trazer o jipe se era mais rápido – e fácil – ir a pé. Bom, mas essa que era a diversão. Um programa de indio sem os perigos reais de estar totalmente sozinho – afinal, Mateus sempre trazia o celular ou um rádio.

 Mas desta vez eles exageraram. Nunca tínhamos ido tão longe no interior de Minas Gerais, nem entrado em uma área sem antes a avaliarmos previamente. Era a primeira regra naquilo, que não devia ser menosprezada. Mas nós nos perdemos – Patrícia e sua mania de esquecer as coisas por ai – estavamos sem bússola, sem o localizador GPS e sem área coberta para celular – todas na mesma sacola perdida. Perdidos mesmo. Nem o truque de se orientar pelo Sol servia, pois, ainda que as arvores não o encobrissem – ainda não sei como os jipes passaram – o céu estava nublado. O jeito era acharmos um local com razoável proteção para passar a noite – acima daquele platô – mas levar os jipes até lá seria uma loucura. Para não dizer idiotice.

 A inclinação era de uns sessenta graus. Muitas pedras soltas e escorregadias. Eu subi com certa facilidade – treinar alpinismo é bom para situações assim – tinha que levar o gancho para ajudar a jipe a subir - e a descer no dia seguinte. A questão era se havia algo lá em cima que pudesse ser usado para prender o gancho. Cheguei ao topo depois de uma meia hora, e já avaliei que precisaríamos de duas horas para leva-los até lá.

 Quando olhei o que tinha no cume, aproveitando a última hora de Sol daquela tarde, fiquei espantado. Nada! Apenas um platô reto e liso. Nada para prender o gancho. Olhei para baixo e vi os três me olhando. Pelo menos pude perceber que olhavam para cima. Joguei o gancho para baixo e comecei a descer. Nem quis olhar a cara deles. Não deviam ter gostado de ter de dormir com o risco de algum bicho qualquer entrar no cofre do motor e causar algum dano. Mas era parte daquela aventura.

 Assim que cheguei, olhei para Patrícia e ela estava abalada. Nunca realmente tinha ficado isolada daquela forma. Não era um quase perigo, uma questão de ter um pouco de adrenalina. Era completo. E, no momento, sem chance de sair. No dia seguinte, quando o Sol saísse, poderíamos nos orientar e acharíamos o caminho de volta. Até lá, o jeito era dormir com fome, frio e coçando as mordidas intermináveis dos mosquitos. Juro que ainda vou descobrir como eles conseguiam passar pela lama que nos cobria para alcançar nossa pele.

 Foi nesse ponto que aconteceu. Não sei bem o que, mas eu me lembro de um brilho forte, seguido de muito barulho. Depois, escuridão. Pelo menos eu acho que foi assim, apesar de achar que houve alguma outra coisa. Seja como for, quando dei por mim, ou quando acordei no dia seguinte – confesso que é muito difícil coordenar os pensamentos nesta parte – eu estava em cima do platô, sozinho, com o Sol a pino. Lembro bem que fiquei confuso pois o platô estava molhado, e minhas roupas estavam secas, e limpas!

 Mas isso não era o mais absurdo. O floresta tinha sumido e em seu lugar havia uma savana. Como eu seu que era uma savana? Já estive em uma! Acha que meu gosto por sair no mato, me encher de lama, arrastar um jipe – isso quando não é uma moto – nas costas é coisa apenas para me aproximar desta que é minha esposa hoje? Mas continuemos. Onde eu estava? Há sim, a floresta tinha virado uma savana – ou eu fui parar em uma – com algo parecido com cavalos pastando. Não, não eram zebras, eram parecidos com cavalos. A menos que alguém os tenham pintado de azul, eram apenas parecidos.

 Bom, acho que depois de ficar uma hora gritando pelos meus amigos, resolvi descer de lá. Foi uma péssima idéia. Escorreguei na metade do caminho e fui deslizando para baixo. Não fosse pela relva alta, teria quebrado alguma coisa.

 Precisei de mais meia hora para chegar a um local em que a relva ficava abaixo da minha cabeça. Parecia uma plantação de milho, tão altas eram as folhas. Não preciso dizer que aqueles animais fugiam de mim. E eu comecei a ficar com muito medo. Se aquilo era uma savana, devia haver algum predador veloz para se aproveitar daquilo, bem como algum animal que não permitia que árvores crescessem. Mas eu sabia que não haviam animais como aqueles no Brasil. Muito menos savanas. Portanto, eu devia estar em outro local. Voltei a olhar para o platô. Confesso que ele parecia muito maior do que me lembrava do dia anterior.

 Estava muito confuso. O calor era muito forte, e foi ai que percebi que a relva também estava molhada. Devia ter acabado de parar de chover. Mas não havia uma nuvem naquele céu. Confesso que estava ficando um pouco tonto, mas não sabia exatamente qual o motivo, apesar de ter vários para escolher.

 Não estava disposto a ficar lá parado, esperando que algo explicasse a inusitada a absurda situação, assim, comecei a andar. Pude ver os “cavalos” mais de perto e garanto que seus focinhos pareciam trombas. Era até nojento, na verdade. Continuei andando, até perceber que havia uma elevação e umas poucas arvores nesta. Um oásis naquele deserto verde. Fui direto para lá.

 Quando cheguei ouvi o som de água correndo. Segui o som e logo achei um fio d’água correndo mansamente no meio daquelas árvores – que eu não conhecia absolutamente – indo dar em uma freta no meio das pedras. Não me preocupei em saber do onde ela vinha, estava morrendo de sede. Meti a cabeça na água e bebi bastante. Extremamente límpida e refrescante.

 Ouvi um som assustador, como o de um animal terrível. Pareciam milhares de leões urrando. Olhei ao redor. Não vi nada. Sai um pouco daquelas arvores e então eu vi. E minhas pernas tremeram. Eram elefantes gigantescos, com pêlos pelo corpo inteiro. Mamutes!

 Vinham rapidamente na minha direção, e eu achei prudente – mesmo porque estava apavorado mesmo – sair da frente. Eles entraram no meio das árvores – derrubando algumas – e se jogaram no pequeno córrego. Deitavam-se nele, esfregando-se até misturar a água com a terra, para formar lama. Só paravam quando estavam totalmente cobertos por ela. Assim como os elefantes atuais – já estava achando que eu que tinha voltado ao passado – devia ser muito útil para se livrar de parasitas.

 Depois de quase duas horas, eles se foram. Arrancaram mais algumas árvores na despedida e sumiram. Não percebi da primeira vez, mas quando andavam, o chão tremia. Bom, há um detalhe que me esqueci de contar. Alguns minutos depois que achei um local seguro – bem longe deles – notei minhas calças molhadas. Não tenho nenhuma vergonha de admitir isso, assim como não senti vergonha naquele momento. Entrei em puro pânico mesmo.

 Bom, eu tinha ficado sozinho de novo – e muito aliviado – mas fiquei realmente sem saber o que fazer. Acabara de ver dois tipos de animais que não podiam existir, em uma savana que não devia estar ali, em uma situação que não fazia sentido. O que eu iria fazer?

 Voltei para o meio das árvores - agora com sete ou oito derrubadas – e bebi mais água. Aproveitei também para fazer minhas necessidades. O papel higiênico fez falta, mas me lavei na água mesmo – bem perto do ponto em que ela entrava na fresta. Achei algumas frutas nas árvores, mas não sabia se seriam comestíveis ou não. Um pássaro estava bicando uma delas – muito bonito e totalmente desconhecido – e arrisquei. Era azeda, mas, como as próximas horas confirmaram, não eram venenosas.

 Fiquei ali até o começo da noite. Olhei para o céu e fiquei muito confuso. As estrelas não estavam onde deviam. O Cruzeiro do Sul - quando apareceu – apontava para o leste – sei disso pela posição em que o sol se pôs. A lua estava linda como sempre, mas parecia um pouco diferente. Não sei, acho que um pouco mais limpa – ou a atmosfera estava mais limpa.

 Algum tempo depois, quando já estava começando a cochilar, ouvi uma espécie de som a distância, como uma canção. Sai dentre as árvores e olhei ao redor. Havia uma luz – de fogueira – a distância. Era um sinal de civilização, portanto fui correndo para lá.

 

 Conforme eu andava, o som ficava mais nítido. Era um tipo de canção indígena ou africana. Devo ter gastado mais umas duas horas até chegar a origem daquilo. Vi um grupo de pessoas pulando ao redor de uma fogueira e me abaixei para observar primeiro. Não eram bem indígenas – não tinham traços mongolóides – mas pareciam ser uma mistura de africanos e escandinavos. O que me espantou era a altura deles. Pareciam crianças de uns doze a quinze anos.

 Eles continuaram pulando ao redor da fogueira – nada parecido com os indígenas da América do Norte, que faziam o que o cinema taxou de dança de guerra ao redor do fogo. Parecia ser uma simples dança de alegria ou agradecimento.

 Ouvi um barulho acima de mim e encarei dois daqueles pequenos homens me apontando lanças. Fizeram gestos para que eu me levantasse e, como não estava muito disposto a brigas, atendi prontamente. Eles logo ficaram assustados com o meu tamanho. Eu era um gigante para eles. Cheguei a pensar que eram pigmeus.

 Me indicaram – me cutucando com as lanças de madeira – a seguir em direção a fogueira. A dança e a cantoria parou quando os outros me viram. Eles abriram espaço para que eu entrasse no círculo e, a poucos centímetros do fogo, eu parei. Eles não me empurraram mais, felizmente.

 Olhei para um que parecia ser o chefe, que falava coisas que eu não entendia. Ele apontava para o céu e para o fogo. Eu apenas dei de ombros e disse que não sabia o que ele falava. Acho que ele não acreditou naquilo.

 Ele ficou em minha frente e começou a gritar, e aquilo estava me enfurecendo. Não sabia onde estava, quando estava e porque estava lá. E ainda tinha que aguentar aquilo? Certo, era arrogância de minha parte, afinal, eu provavelmente era um invasor ali, mas na hora, nem pensei nisto. Comecei a cantar uma música de ninar – isso sempre me acalmava, graças a minha mãe – para não perder o controle. O chefe olhou espantado para mim e todos, incluindo ele se prostaram, como se estivessem me adorando. Será que eu era tão bom cantor assim?

 Alguns minutos depois, uma pequena mulher – elegantemente vestida em peles – me trouxe algo que me deixou surpreso. Um pequeno cubo do tamanho de um dado usado em jogos infantis. Só que era metálico, brilhava e suas faces eram totalmente lisas. Nada naquele lugar – e naquela gente – poderia ter feito aquilo. Quando ela trouxe mais perto de mim, eu ouvi uma música suave. A mesma que eu tinha começado a cantar!

 Comecei a achar que estava sonhando, mas o calor do fogo me fez ver que não. Ela se ajoelhou e ergueu os braços para mim, com o cubo nas mãos. Eu o peguei e aproximei de meu ouvido. Era o mesmo som que minha mãe fazia para me acalmar, quando eu ficava com medo a noite – eu tinha três anos na época – e quase chorei com a lembrança. Perdi minha mãe muito cedo, e encontrar algo assim era muito emocionante.

 Peguei o cubo e ela se afastou. Eles me adoraram por mais algum tempo, e eu, já bem chateado e confuso com tudo, decidi me afastar. Eles não me detiveram. Voltei ao platô, onde tudo aquilo tinha começado.

 A lua estava iluminando tudo muito bem. Cheguei a base do platô e olhei para cima. Já estava tudo seco agora. Achei melhor passar a noite lá em cima. Puz a mão no bolso e senti o cubo nele. O som que emitia quando o tocava ainda era aquele lindo som da música de ninar. Comecei a escalar o platô para passar o resto da noite lá em cima – ainda era um local seguro em comparação aos outros – quando acordasse no dia seguinte, decidiria o que fazer. No meio do caminho, escorreguei novamente e fui de costas ao chão. Quando abri os olhos vi a lua acima de mim. Me sentia dolorido e com tonturas – devia ter batido a cabeça com força. Fixei o olhar na lua e seu brilho começou a aumentar. Olhei ao redor, tudo preto. Parecia que a lua me chamava. Olhei o seu brilho e fiquei tonto de novo. Pisquei os olhos várias vezes – as luzes estavam me cegando – quando percebi que estava em uma mesa de hospital com um monte de gente mascarada me olhando.

 Pelo que fiquei sabendo depois, parece que, no meio da noite, eu subi ao platô e cai no chão, ficando desacordado. Meus amigos me encontraram no dia seguinte e, depois de muitos apuros, chegaram até uma estrada onde um caminhoneiro lhes deu carona até o hospital mais próximo.

 Contei a eles o meu estranho sonho – não disse que achava que era tudo verdade – e Fátima me disse que, enquanto me levavam ao hospital, ela entoava baixinho uma canção de ninar para mim, devia ter sido isso o que influênciou o meu sonho.

 Mas a música que ela cantou não tinha nada a ver com a da minha mãe. Depois eu disse que não acreditava que era sonho, mas ela não se incomodou muito. Apesar de eu ter provas que só mostrei a ela quando nos casamos.

 Ela acreditou na história então. Meses depois, encontramos uma imagem daquele estranho animal que eu vi que se parecia com um cavalo. Era uma espécie extinta fazia milhares de anos. Também soube que aquela região em que estávamos era antes uma savana, mantida pelos Mamutes que surgiram aqui e que depois foram para a América do norte. Quanto ao fato de haver humanos aqui, a raça humana atual apareceu há uns cem mil anos, embora se acredite que tenham chegado as américas faz uns trinta mil. E eles eram realmente mais baixos que nós hoje em dia. Será que eu viajei no tempo? Como? E como voltei? E o que era aquele cubo?

 Bom, nunca consegui descobrir mais nada, e, como tinha uma vida para continuar, acabei deixando aquilo mais como curiosidade estranha em minha vida.

 Agora, depois de oito anos, eu realmente não me importo mais em saber o que aconteceu. Só importa que ainda tenho aquela caixinha de música que brilha e flutua. Minha filha adora ela e eu sempre a uso para faze-la dormir. Quando ela me pergunta o que é aquilo, eu respondo que é uma lembrança da vovó, que está agora com Papai do céu.

 Pessoalmente, eu acredito nisto...

 

 

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Notas finais do capítulo

Minhas outras fics Originais
—Mágica para o Afeto— Oneshot
—O Último Ser Humano— Oneshot
—Declaração de um Alienado— Oneshot
—Por Que?— Oneshot
—Feitiços Modernos— Oneshot
—A Caçadora
—Ayesha, a Ladra