A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 2
Capítulo I - Enlace




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Ainda chovia na minha janela, o baque surdo de gotas lacrimejando na vidraça era incômodo, porém de certa forma me dava sono.
Fazia cinco anos que meu pai havia falecido. Câncer no estômago. Uma morte silenciosa e rápida, menos de quatro semanas no hospital, seu cabelo mal começara a cair.
Minha mãe não é a mesma, comigo ela não mudara, mas seus olhos não tem mais brilho, e seu sorriso parece tão forçado que mais parece uma careta.
Eu fico agradecida pela companhia de meu noivo, César, por segurar a minha mão por todo esse tempo e ainda continua a me amparar.
Mês que vem iremos nos casar, com meus 23 anos que pesam nas minhas costas a cada dia já está mais que na hora de termos marcado nosso casamento. Minha mãe sorri orgulhosa toda vez que nos flagra entre um olhar demorado e apaixonado, contente por ter sido, em partes, responsável por nossa união.
- Amélie! - um berro esganiçado surge de repente me acordando do meu devaneio.
Antes que eu pudesse tomar fôlego pra responder, César surge do nada, todo ensopado invadindo minha janela. Os cabelos pingavam no chão do meu quarto enquanto suas bochechas se apertavam numa gargalhada contagiante.
- Idiota! O que está fazendo?
Ele nem me responde e entrega um pequeno embrulhe úmido, assim como as suas mãos.
- Abra! - ele ordena sorrindo e com os olhos brilhantes apontando para o presente que num passe de mágica já estava nas minhas mãos.
Eu reviro os olhos e abro o embrulhe e me deparo com uma caixa marrom de veludo, abro a caixa e vejo uma pulseira, com detalhes florais em prata e uma pérola pequena pendurada no final, próxima ao fecho.
- Ahh! É linda!
- Eu precisava te comprar um presente delicado como você, diferente desse anel pesado que te dei. - ele sorri.

-x-
Sem perceber, caio num sono demorado e profundo encostada no ombro de César. Somente acordo com o balançar de seus tornozelos que batiam rapidamente num tique que ele costumava ter. Somente abri os olhos devagar e vi seus pés sobre a minha cama, os tornozelos cruzados.
- Te acordei? - ele sussurrou abafado entre meus cabelos.
- Na verdade não. Tive um pesadelo.
Ele abafou uma risada.
- Comigo?
- Não, na verdade. Foi tão estranho...
Eu levanto a cabeça, tendo visão somente para o maxilar coberto por uma barba curta que apontava em pontinhos pretos.
- Como assim? - ele sorriu, agora realmente confuso.
- Eu tinha caído em águas bem cristalinas, e ia afundando afundando e afundando cada vez mais, porém devagar, ao ritmo da água. Eu sentia meus pulmões regulares e preparados pra aguentar por mais tempo... Até que... Uma névoa preta me cobre, submersa na água.
Olho pra cima novamente, sem nenhuma resposta eu continuo.
- De repente aquela névoa se transforma em um manto de tecido muito fino, e dela surge um rosto indefinido, e braços que tentam me sufocar num aperto brutal no pescoço, e me afundando com mais força. E quando eu finalmente consigo ver o rosto por trás do manto, debaixo de uma maquiagem estranha que parecia de um palhaço, ou de um coringa de baralho... Haviam meus olhos.
Ele não disse nada por um longo tempo. Eu então me apoiei com os cotovelos na cama, tentando ver seus olhos. Até ele cair na gargalhada.
- Sem graça! - bati em seu peito e ele me abraçou.
- Que bobagem! Foi só um sonho. Um sonho em que você tem uma gêmea má. O que na minha opinião é muito sensual.
- Não achei sensual uma sósia minha tentando me matar - sussurro sem humor algum.
- Venha! Vamos dar uma volta, a chuva já passou.
Ele aponta com o queixo pra minha janela, que mostrava um entardecer belo e com um céu limpo.
- Tá maluco? Minha mãe está lá embaixo, se ela ver você saindo do meu quarto ela irá me matar!

- E quem disse que iremos sair pela porta? - ele sorri erguendo uma sobrancelha.

- Você definitivamente é um péssimo exemplo pra mim.
          - Eu sei! Por isso você me ama.
Eu abano a cabeça, sem resistir ao seu sorriso convidador, pego meu cachecol e seguro sua mão, enquanto seguimos pela pequena varanda que seguia minha janela, até descermos pela escada encostada na parede - escada essa que ele mesmo providenciou para suas visitas ao meu quarto.
Antes de respirarmos seguimos em disparada para a rua, espiando e gargalhando com o friozinho na barriga que nos consumia. Eu era uma fugitiva da minha mãe!
- O que você quer fazer? - ele diz passando o braço por meu ombro.
- Podíamos dar uma volta no parque.
- Tenho uma ideia melhor...
Ele me puxa por um caminho feito por bicicletas, entre árvores e arbustos e damos de cara com duas bicicletas amarradas em uma árvore.
- Isso tem dedo seu.
Ele faz uma reverência elegante.
- Culpado, senhorita.
Eu dou uma risada e pego a bicicleta, indo em direção à uma decida que parecia não ter final.
- Quem chegar por ultimo é mulher do padre! - eu grito.
- Não vale, você largou primeiro - ele resmunga enquanto pega embalo e sobe na bicicleta ao mesmo tempo.
A sensação era indescritível. O vento batendo em nossos rostos, a ladeira que não tinha fim e o frio na barriga de acabar quebrando um pescoço na descida não tinha explicação.
- UHULL - César grita tão alto, um pouco de euforia por ter chegado antes de mim, e um pouco pela adrenalina, que assim como eu, devia percorrer seu corpo inteiro.
Antes que eu chegasse ao fim da ladeira, ele me pega pela cintura fazendo minha bicicleta voar no ar e cair num baque metálico.
- Gostou?
- Sim! Muito.
Ele pegou minha mão e seguimos por outra trilha, que ligava o asfalto.
Enquanto conversávamos seguindo pela trilha, eu notava que aos poucos o céu escurecia, entregando mais ainda minha traquinagem.
- Preciso ir - murmuro olhando para o céu estrelado.

- Ahhh - ele faz um biquinho - Por que?
- Olhe só - aponto pra cima - Já é noite.
Ele toma fôlego pra responder e noto que seu rosto é de repente iluminado por uma luz estranha, uma luz que estranhamente toma conta de nós dois.
Ele olha pra trás, colocando uma mão na frente do rosto, eu imito o mesmo movimento tentando distinguir por trás da luz forte.
Consigo ver brevemente um carro numa velocidade extremamente baixa, e ao notar que nós olhamos pra trás ele de repente pára.
- O que é... Isso? - César sussurra.
- Parece que eles estão nos seguindo.
Parecendo ler meus lábios o carro de repente avança a tona pra cima de nós, que nos jogamos em meio ao acostamento cheio de arbustos.
- São eles! - uma voz masculina grita de repente, e a luz do carro é diminuída enquanto muitos vultos saltam do carro avançando pra cima de nós.
- O que eles querem de nós? - choraminguei para César.
- Eu não sei, eles devem estar nos confundindo.
Não paro pra contar com detalhismo, mas me pareciam ser sete ou seis homens avançando pra cima de nós.
- Malditos judeus!
- Judeus? - sussurrei para César.
- Não somos judeus - ele tenta impedir que avancem mais.
A luz do carro ainda me cegava, mas dava pra perceber que os muitos vultos que avançavam sobre nós estavam armados.
- Já disse que não somos judeus! - César gritava antes de ser acertado por algo que parecia ser um taco de beisebol.
- CÉSAR! Amor...
Um braço me empurra contra o chão, e logo depois uma mão muito forte força o meu rosto de lado, o amassando literalmente contra o chão.
Eu e César estávamos lado à lado. Eu o vi desacordado com um enorme galo na cabeça, tentando inutilmente chamar por ele assustando a mim mesma com a voz esganiçada que saia da minha garganta.
- Cala a boca, vagabunda! - eu ouço antes de um baque estrondoso atingir minha cabeça, me deixando tonta e me fazendo sentir cheiro e gosto de sangue na minha garganta.
- Amor... Acorde...

-x-
Gritei milhares e milhares de vezes até um soco no estômago me silenciar. Era em vão, César não iria acordar, eu sabia que não.
Um deles então se jogou sobre mim, um peso que parecia no mínimo dez vezes mais do que ele tinha realmente, e em seguida começou a puxar meus cabelos pra trás, fazendo com que eu gritasse com toda a força que aguentava minhas amídalas.
Eu buscava eufórica por César, ainda temendo por ele, já que o silêncio que vinha do meu lado era tão torturante quanto a dor que eu sentia.
Antes que virasse meu rosto, ouço um barulho de um estrondo e logo em seguida um líquido quente jorra em meu rosto, me obrigando a fechar os olhos.
A dor era cruciante, o peso daquele indivíduo sobre mim misturado ao seu cheiro forte de maconha com perfume barato era repugnante.
Minha sorte foi que de repente sinto outro baque surdo atingindo minha cabeça. E então finalmente eu desmaio.


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